Ex-major do Vietnã comemora décadas após revelar segredo: foi modelo e voz de “Bambi”

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Um renomado militar americano, condecorado por bravura e múltiplas feridas durante sua atuação na Guerra do Vietnã, manteve em total sigilo, por mais de 60 anos, um episódio singular de sua infância. Donnie Dunagan, que alcançou o posto de major na Marinha dos Estados Unidos e foi um instrutor militar influente, escondeu por décadas seu passado como ator mirim em Hollywood, notadamente sua contribuição crucial para um dos clássicos mais emblemáticos da Disney: o filme “Bambi”. Seu receio de que a revelação gerasse zombaria entre seus comandados moldou a discrição que ele manteve sobre sua primeira carreira até bem depois de sua aposentadoria.

O intrigante paradoxo entre o destemido major e o inusitado “Major Bambi” é o fio condutor de um recente episódio do podcast “Que História”, da BBC News Brasil, disponível em diversas plataformas de streaming como YouTube, Spotify, Amazon Music, Apple Podcasts, Castbox e Deezer, entre outras.

Da infância em Memphis à tela grande em Hollywood

A vida de Donnie Dunagan, nascido em Memphis, Tennessee, em 1934, foi desde cedo marcada por uma trajetória de resiliência. Filho de imigrantes irlandeses que cruzaram o Atlântico em busca de um futuro mais próspero, sua família enfrentou as agruras da Grande Depressão, um período de profunda instabilidade econômica nos Estados Unidos. O contexto social da época forçou Donnie a confrontar desafios significativos já em tenra idade. Pouco tempo depois da entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, em dezembro de 1941, uma série de eventos infelizes desintegrou a estrutura familiar, e o jovem Donnie acabou em um orfanato. A instituição abrigava não apenas crianças vitimadas pela guerra, mas também muitas que perderam os pais ou que foram desamparadas pela crise econômica. Aos 14 anos, em um ato de auto-suficiência e busca por autonomia, Donnie fugiu do orfanato, alugou um quarto em uma pensão e começou a trabalhar como torneiro mecânico para custear sua própria subsistência.

Muito antes de trilhar o caminho militar, o futuro major de Hollywood teve uma breve, mas brilhante, passagem pelas luzes da fama. Nos anos 1930, a escassez de recursos era uma realidade para sua família, que mal conseguia arcar com o aluguel. Foi nesse cenário de carência que Donnie, então com apenas 4 anos de idade, vivenciou uma experiência transformadora. Em um sábado, acompanhou sua mãe a uma esquina da rua onde um talentoso homem negro, elegantemente vestido com cartola e bengala, encantava a multidão com sua sapateado e dança, exibindo uma agilidade notável que, nas palavras de Dunagan, faria “Fred Astaire parecer um soldado marchando”. Donnie, descalço pela falta de sapatos, observava e, secretamente, imitava os passos. Percebendo o interesse do menino, o dançarino de rua, cujo nome era Sam, o convidou para participar da performance nos sábados seguintes, iniciando assim uma parceria incomum. A dupla, composta pelo imponente Sam e o descalço Donnie, tornou-se uma atração regular, culminando com o anúncio de um concurso de talentos na cidade.

A notícia entusiasmou sua mãe, que o incentivou a participar. Para a ocasião, sapatos foram providenciados e ajustados com papel na ponta para um sapateado perfeito. Donnie, com quatro anos e meio, competiu por um prêmio de US$ 100, uma fortuna para 1938, em uma época onde o salário-hora era de cerca de 20 a 25 centavos. No teatro, cercado por competidores adolescentes – bailarinos, pianistas e vocalistas – ele esperou sua vez nos bastidores. Ao som de “A Tisket, A Tasket, My Yellow Basket”, ele subiu ao palco, dançou e venceu a competição, marcando o início de sua inesperada ascensão ao mundo do entretenimento.

Ascensão a estrela infantil e o chamado de Walt Disney

Dias após a vitória no concurso, um caçador de talentos, impressionado com a performance de Donnie, bateu à porta de sua casa. O profissional, bem-vestido e articulado, havia feito contatos em Hollywood e apresentou aos pais de Donnie uma proposta: levá-los a Los Angeles para que o menino assinasse um contrato como ator de cinema. Em poucos dias, a família que havia tido dificuldades até para comprar um par de sapatos para o filho, viu-se transportada para a vibrante era de ouro de Hollywood, em um confortável apartamento que parecia um palácio em contraste com suas antigas condições.

Logo veio o primeiro papel. Cerca de uma semana após a chegada à Califórnia, Donnie realizou um teste com algumas falas e foi escalado para seu primeiro filme, “Mother Carrie’s Chickens”. Em apenas um ano, ele atuaria em cinco produções, incluindo o clássico cult de terror “Son of Frankenstein” (O Filho de Frankenstein), de 1939, onde contracenou com ícones do gênero como Boris Karloff, Bela Lugosi e Basil Rathbone. Aos cinco anos, Donnie Dunagan já era uma reconhecida estrela infantil de Hollywood.

A ligação que mudaria o curso de sua história veio inesperadamente. Um dia, sua mãe recebeu um telefonema que a surpreendeu: do outro lado da linha estava o próprio Walt Disney. O lendário produtor a convidava para visitar seus novos estúdios. O objetivo era que Donnie servisse como modelo facial para o personagem-título do novo longa-metragem de animação: “Bambi”. A produção, o quinto longa de animação dos estúdios Disney, seria baseada em um romance austríaco e narra a jornada de um jovem veado desde o nascimento, sua infância, a trágica perda da mãe e seu amadurecimento, aprendendo lições cruciais para formar sua própria família.

Contrariando a opinião de seu agente – um homem que, na descrição de Donnie, “se vestia como um gângster de cinema dos anos 30” –, que argumentava que um “simples desenho animado” estragaria sua promissora carreira, a mãe de Donnie demonstrou abertura. O agente compareceu à casa da família e insistiu veementemente para que não aceitassem a oferta de Disney. Foi nesse momento que o menino Donnie, então com seis anos e que já demonstrava boa capacidade de leitura para sua idade, surpreendeu a todos. Consciente do funcionamento da indústria cinematográfica, e após observar discussões e demissões em estúdios, ele confrontou o agente. “Eu tinha 6 anos, eu já lia jornais naquela época, era razoavelmente alfabetizado”, ele recorda. “Então eu simplesmente o demiti. Eu disse: ‘Você está demitido, saia daqui!’”

A construção de “Bambi” e o impacto do filme

Sem agente, Donnie iniciou sua colaboração com os estúdios Disney. Inicialmente, seu papel principal era como modelo. A premissa era que as expressões de Bambi ganhariam maior autenticidade e conexão com o público se fossem baseadas em uma criança real. Sentado em um banquinho, cercado por animadores – a quem carinhosamente chamava de “homens dos lápis” – Donnie era instruído a replicar uma vasta gama de expressões faciais. Ele era convidado a olhar para a esquerda, segurar determinada pose ou manifestar emoções diversas. Uma lembrança particular destaca esse processo: ao ser pedido para fazer uma expressão de algo “bem desagradável”, um dos animadores sugeriu que imaginasse ter tomado duas colheres de óleo de rícino, um remédio com gosto peculiar. A expressão de desgosto genuíno que o garoto fez foi capturada e eternizada no filme. Essa face de repulsa foi usada especificamente na cena em que Bambi encontra a jovem veada Faline pela primeira vez. Ela o beija de surpresa e ele, tímido, afasta-se e faz a característica “cara de óleo de rícino”.

Ex-major do Vietnã comemora décadas após revelar segredo: foi modelo e voz de “Bambi” - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

Meses de intenso trabalho como modelo renderam a Donnie Dunagan o convite para, além de sua imagem, ceder também sua voz ao personagem. Após um processo de produção que se estendeu por três anos, “Bambi” finalmente estreou em 1942, em um dos mais célebres cinemas de Hollywood: o teatro chinês no Hollywood Boulevard. A magnitude do evento era palpável: uma enorme multidão se acotovelava na rua iluminada, e a sala de cinema estava completamente lotada. O público acolheu o filme com entusiasmo, as crianças da plateia viam-se refletidas no filhote de veado e sua jornada pela floresta. A icônica cena da morte da mãe de Bambi era e permanece tão forte que, já na época, Donnie relembra mães que instintivamente cobriam os olhos de seus filhos para poupá-los da brutalidade da caça.

Curiosamente, enquanto a voz de Bambi na versão americana era de Donnie, na dublagem brasileira, quem emprestou sua voz ao veadinho foi Pery Ribeiro, então com apenas quatro anos, que mais tarde se tornaria um renomado cantor da bossa nova e da MPB.

O segredo do “Major Bambi” e a redescoberta

Embora “Bambi” tenha se consolidado como um enorme sucesso e se tornado um clássico atemporal, a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, desencadeada pelo bombardeio a Pearl Harbor em dezembro de 1941, marcou o fim abrupto da carreira cinematográfica de Donnie Dunagan. O país estava empenhado no esforço de guerra, e a Disney, sob a liderança de Walt Disney, redirecionou seus estúdios para a produção de filmes de treinamento militar e animações de propaganda patriótica para o governo americano. Com o fim das ofertas de trabalho em Hollywood e, devido a uma série de “infortúnios” familiares sobre os quais preferiu não dar detalhes, Donnie foi parar novamente no orfanato, onde sua vida havia começado a trilhar outros rumos antes de ser levado pelo show business.

Determinado a ocultar seu passado de astro infantil, especialmente por receio de ser alvo de chacotas e comparações pejorativas por parte de seus subalternos no campo de batalha, o futuro major da Marinha dos EUA guardou o segredo a sete chaves. Ele imaginava um recruta descobrindo seu passado em um cinema, e o chamando de “Major Bambi!”. Nem mesmo sua esposa, Dana, teve conhecimento da fase hollywoodiana de Donnie. A verdade veio à tona apenas quando Donnie já estava aposentado. Um dia, enquanto ele cuidava do jardim, Dana arrumava a garagem e se deparou com um velho baú. Os gritos de espanto dela revelaram a descoberta de fotografias, autógrafos e uma grande quantidade de cartas de fãs que o militar havia guardado meticulosamente. A princípio, Dana ficou chocada e chateada com a omissão, chegando a ficar uma semana sem falar direito com ele, mas depois superou a decepção e concordou em manter o segredo em conjunto.

Entretanto, em 2004, o mistério foi finalmente desfeito de maneira inusitada. Durante a visita de uma senhora amiga, viúva de um militar da Segunda Guerra Mundial, Dana tinha uma fotografia de Bambi sobre uma mesa. A convidada, curiosa, questionou a foto, e Dana, pela primeira vez em voz alta para alguém fora da família, contou que seu marido havia participado da icônica animação. A reação da amiga foi de total incredulidade: “O quê?!”. A notícia se espalhou, chegando à imprensa local. Um jornal ligou para os Dunagan, solicitando fotos e detalhes, culminando na publicação da história na capa da edição. A partir dali, o “Major Bambi” tornou-se uma figura de interesse nacional.

Em seguida, a própria Walt Disney o contatou, convidando-o para visitar os estúdios em Burbank, na Califórnia, e para participar de diversos eventos promocionais. Desde que seu envolvimento com “Bambi” foi redescoberto, Donnie Dunagan abraçou com orgulho seu status de figura lendária de Hollywood. Atualmente, ele recebe mensagens de fãs de todo o mundo, de gerações passadas a novas crianças que assistem ao filme pela primeira vez. A vergonha e o receio que outrora sentia por seu passado no entretenimento foram substituídos por um grande orgulho de fazer parte de um pedaço tão significativo da história do cinema mundial.

Com informações de BBC News Brasil


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