📚 Continue Lendo
Mais artigos do nosso blog
Há quase um mês em vigor, o tarifaço de Donald Trump imposto sobre produtos brasileiros nos Estados Unidos acirra a corrida contra o relógio para que o empresariado do Brasil consiga reverter as novas taxações. A mobilização em Washington, que buscou diálogo com esferas do governo americano, encontrou um cenário complexo, com as negociações se arrastando em meio a fatores políticos que parecem exceder as tratativas comerciais.
Diante do cenário desafiador, as estratégias do setor empresarial brasileiro incluem a contratação de figuras notáveis para auxiliar na missão. Entre eles está o diplomata Roberto Azevêdo, reconhecido por sua perícia em negociações comerciais, que já havia interagido com Trump durante seu primeiro mandato presidencial enquanto liderava a Organização Mundial do Comércio (OMC) entre 2013 e 2020. Além disso, o escritório de lobby chefiado por Brian Ballard, advogado com laços próximos a Donald Trump, também foi acionado para mediar os interesses brasileiros.
Um grupo de empresários brasileiros, liderados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), realizou encontros importantes em Washington. Apesar dos esforços concentrados com representantes governamentais, membros do Congresso e interlocutores do setor privado, a comitiva deixou a capital norte-americana sem sucesso imediato em sua principal missão. As tarifas de 50% sobre mercadorias brasileiras permaneceram sem reversão ou redução, em um ambiente que sublinha a dificuldade de desatar os nós diplomáticos e econômicos. Este é o desafio central abordado no tema
Tarifaço de Trump: Lobby do Brasil Enfrenta Bloqueios nos EUA
, refletindo as intrincadas relações geopolíticas.
As Sombras Políticas no Diálogo Comercial
O lobby empresarial brasileiro em Washington ocorreu sob o incômodo foco da atuação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que, morando nos Estados Unidos, tem se engajado em uma campanha política junto ao governo Trump, defendendo sanções contra o Brasil. Seu principal objetivo declarado é a aprovação de uma anistia para o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Enquanto os representantes empresariais estavam imersos em audiências e reuniões essenciais para os negócios, Eduardo Bolsonaro foi visto circulando pelo mesmo hotel que abrigava parte das discussões, acompanhado pelo comentarista político Paulo Figueiredo. Essa presença causou notável desconforto entre alguns empresários, conforme revelado. O presidente da CNI, Ricardo Alban, fez questão de ressaltar que a confederação não emitiu nenhum convite formal ao deputado.
Eduardo Bolsonaro já havia declarado publicamente, no passado, sua intenção de dificultar o diálogo entre autoridades brasileiras e o governo Trump para a reversão do tarifaço. O governo do Presidente Lula, inclusive, atribuiu à articulação do deputado o cancelamento de uma reunião planejada entre o ministro Fernando Haddad (PT) e o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, acusação que o parlamentar negou veementemente. Recentemente, ele utilizou sua conta na plataforma X (antigo Twitter) para divulgar uma fotografia ao lado de Figueiredo e de importantes autoridades do governo americano: Darren Beattie, subsecretário de Estado para Diplomacia Pública e Assuntos Públicos dos EUA, e Ricardo Pita, assessor sênior para o Hemisfério Ocidental. Os temas debatidos nestes encontros, segundo a colunista Bela Megale do jornal O Globo, estariam focados na negociação, no Congresso americano, pela anistia a Jair Bolsonaro. Eduardo teria afirmado que ministros do Supremo Tribunal Federal estariam pressionando parlamentares para evitar que a proposta avançasse, destacando seu desejo por “liberdades” no país.
Apesar da missão da CNI não ter oficialmente convidado ou integrado Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo em sua agenda, as negociações entre o Brasil e os EUA persistiram estagnadas. Ricardo Alban, presidente da CNI, assegurou que foram tomadas todas as precauções para que a missão mantivesse um caráter estritamente empresarial, sem envolvimento político. No final da jornada em Washington, os empresários brasileiros procuraram transmitir a ideia de que o objetivo de estabelecer pontes de diálogo havia sido, em parte, atingido, cultivando a expectativa de que esses canais possam facilitar negociações futuras.
Análises e Repercussões do Bloqueio Comercial
Os interlocutores americanos em Washington comunicaram aos brasileiros que, embora haja abertura para diálogo, as sobretaxas são intrinsecamente políticas. O secretário de Estado adjunto Christopher Landau, número dois do Departamento de Estado (equivalente ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil), não fez menção direta ao nome do ex-presidente brasileiro, mas deixou explícita a natureza política da questão. Donald Trump, inclusive, em várias ocasiões, classificou o processo judicial contra Jair Bolsonaro como uma “caça às bruxas. A regulação das grandes empresas de tecnologia, as chamadas “big techs”, é outro ponto sensível, percebida pelo lado americano como uma forma de censura.
“Estava implícito”, pontuou Alban sobre a natureza política do embaraço comercial. Ele ainda reiterou que Landau fez menção a “várias decisões que o Judiciário tem feito com relação a empresas americanas e cidadãos americanos” e se mostrou disponível para dialogar diretamente com o vice-presidente Geraldo Alckmin. Diante de um impasse “difícil e complexo”, Alban destacou que os empresários retornam ao Brasil “mais realistas e mais confiantes” quanto a futuras oportunidades de negociação, com a percepção de que existe a disposição para discutir aspectos comerciais e técnicos, apesar das barreiras políticas.
A possibilidade de sanções adicionais contra o Brasil ainda gera incerteza, e o governo já se organiza para possíveis retaliações. No final de agosto, o presidente Lula autorizou o início de consultas para implementar a Lei da Reciprocidade Econômica contra os Estados Unidos, um procedimento que pode levar meses. A consultoria Eurasia já prevê que uma eventual condenação e prisão de Jair Bolsonaro poderia levar a Casa Branca a estender ainda mais as sanções contra o Brasil. Conforme relatório recente da consultoria, “a condenação desencadeará mais sanções dos EUA”, citando como prováveis suspensões de vistos para autoridades brasileiras e uma aplicação rigorosa da Lei Magnitsky.
O tarifaço, com taxas adicionais sobre importações, foi anunciado em julho e efetivado em agosto. Cerca de 700 bens foram inicialmente excluídos da taxação, e o Brasil busca expandir essa lista. Em 5 de setembro de 2025, o Ministério do Desenvolvimento (MDIC) divulgou que as exportações brasileiras para os EUA tiveram uma retração de 18,5% em agosto, em comparação com o mesmo período do ano anterior. Esse mês resultou no maior déficit comercial mensal do ano com os Estados Unidos, atingindo 1,23 bilhão de dólares.
Imagem: bbc.com
Os Lobbistas e o Mecanismo de Diálogo
A empresa de lobby Brian Ballard, contratada pelos empresários brasileiros, figura entre as maiores de Washington, atendendo a grandes companhias americanas e tendo já trabalhado para as Organizações Trump. Notícias da imprensa americana no primeiro semestre haviam apontado para um desentendimento entre Trump e Ballard. Contudo, relatos subsequentes indicaram um encontro e, aparentemente, a restauração dos laços. Além de Ballard, Hunter Morgen, colega no mesmo escritório de lobby e ex-adjunto de Peter Navarro (conselheiro de Trump em tarifas), também está envolvido no contrato brasileiro.
Essa iniciativa parece ter gerado efeitos preliminares. Representantes brasileiros foram recebidos pelo Departamento de Comércio, pelo Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR) e por diversos congressistas, como o republicano Ted Cruz. Contudo, Ballard, em conversa com os empresários, advertiu sobre o “momento difícil” entre os dois países, sugerindo paciência. Ele lembrou que Trump foi processado pelo governo quando era ex-presidente, tornando a questão “muito pessoal” para o líder americano. O lobista orientou a missão brasileira a concentrar a mensagem de que o alvo das tarifas não deveriam ser as empresas, mas “o governo que o nosso presidente [Trump] acredita estar atacando um ex-presidente [Bolsonaro]”. Sua recomendação foi clara: “Vocês [empresários brasileiros] não são os inimigos do povo americano e não merecem ser punidos.” Para aprofundar a compreensão sobre essas dinâmicas, vale consultar o Gabinete do Representante de Comércio dos EUA (USTR), que detém informações relevantes sobre a política comercial americana e investigações.
No dia 3 de setembro de 2025, o embaixador Roberto Azevêdo, por sua vez, liderou a defesa do Brasil em uma audiência pública da investigação aberta pelo USTR, motivada por supostas práticas desleais de comércio. Essa investigação, amparada pela seção 301 da Lei do Comércio de 1974, foi instaurada em julho, concomitantemente à aplicação das sobretaxas de 50%. A iniciativa visa a diversos setores da economia brasileira, como o etanol, grandes empresas de tecnologia (big techs), o sistema de pagamentos PIX, o comércio popular da Rua 25 de março e questões relacionadas ao desmatamento ilegal. O desfecho desse processo, ainda sem data para ser concluído, pode resultar em novas tarifas ou sanções e conferir mais respaldo às medidas tomadas contra o Brasil, país que, ironicamente, apresenta déficit em sua balança comercial com os Estados Unidos.
Durante a audiência, que durou o dia todo, representantes de diversos segmentos produtivos do Brasil e dos EUA apresentaram seus argumentos em curtas exposições de cinco minutos. Vários porta-vozes americanos, incluindo Neil Herrington, vice-presidente de Américas da U.S. Chamber of Commerce, e Ed Brzytwa, vice-presidente da Consumer Technology Association, criticaram as tarifas, alertando para os impactos negativos que elas poderiam acarretar na própria economia americana. Por outro lado, líderes dos setores de etanol, bovinos e suínos dos Estados Unidos manifestaram apoio à investigação, acusando o Brasil de práticas comerciais desleais.
“Já era esperado, todas essas organizações submeteram (antecipadamente) a sua resposta por escrito”, observou Sueme Mori, Diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), à BBC News Brasil. O lado brasileiro, agora, terá a oportunidade de contestar por escrito as alegações feitas, aprofundando os pontos debatidos na audiência. Azevêdo enfatizou que o Brasil não compromete a competitividade das empresas americanas nem aplica taxas excessivas aos produtos vindos dos Estados Unidos. O embaixador sublinhou que o principal objetivo brasileiro era apresentar sua argumentação, solidamente embasada em evidências, e fomentar um ambiente propício ao diálogo.
“Todos os que falaram no painel, do meu lado, disseram isso, inclusive os americanos. De que o caminho é dialogar, vamos sentar, vamos conversar, vamos aproveitar esse momento que estamos vivendo, que não é fácil, para adentrar por portas que estavam fechadas antes”, declarou. Azevêdo enfatizou a dificuldade em resolver as questões políticas latentes entre os governos, mas ressaltou o objetivo de preparar o terreno para uma futura oportunidade. Em 4 de setembro de 2025, ele também participou de reuniões com representantes do Departamento de Comércio e do USTR. De acordo com o embaixador, ambas as partes – Brasil e EUA – reconhecem as “dificuldades importantes, sobretudo no nível político”, mas consideram que isso “não leva necessariamente a um imobilismo”. Para ele, esse foi “apenas o primeiro passo de um processo que nós pretendemos dar seguimento”, visando a estabelecer um mecanismo de diálogo que “busca complementar os canais da diplomacia tradicional, que hoje estão um pouco comprometidos pelas tensões políticas que existem entre os dois países.”
Vislumbrando Novas Oportunidades
Durante a reunião com o Departamento de Comércio, Ricardo Alban mencionou três setores que podem representar potenciais oportunidades de parcerias e negociações futuras para aliviar o tarifaço. Foram destacados data centers, dado o excedente de energia limpa no Brasil (vital para o avanço da inteligência artificial), as reservas brasileiras de minerais críticos e o setor de etanol. É apenas o pontapé inicial que nós queríamos dar para que despertasse o interesse em conversas muito mais produtivas”, afirmou Alban, sublinhando que a meta era apresentar aos americanos o potencial de oferta do Brasil em eventuais negociações futuras.
A batalha contra o tarifaço de Trump é um reflexo das complexas relações políticas e econômicas entre Brasil e Estados Unidos. Manter-se atualizado sobre as análises da política brasileira e seus impactos globais é essencial para compreender os próximos passos neste cenário dinâmico. Para aprofundar seus conhecimentos e acompanhar de perto estes e outros desdobramentos, continue navegando pela nossa editoria de Política e explore as últimas notícias e análises.
Crédito da imagem: Arquivo pessoal
Recomendo
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados