Bolsonaro sob a Lei da Democracia que Ele Sancionou no STF

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Bolsonaro sob a Lei da Democracia que Ele Sancionou no STF – O julgamento em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) coloca o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) diante de cinco crimes cujas penas somadas podem ultrapassar 40 anos de reclusão. As acusações incluem liderança de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Paradoxalmente, duas das imputações mais sérias — a abolição violenta do Estado de Direito e o golpe de Estado — estão previstas no artigo 359 do Código Penal, alterado pela Lei nº 14.197 de 2021, uma norma sancionada pelo próprio ex-presidente em 2021.

A principal indagação que emerge é por que Jair Bolsonaro aprovou essa lei, que resultou na revogação da Lei de Segurança Nacional (LSN), frequentemente vista como um legado autoritário da ditadura. A questão se estende ao papel de Arthur Lira (PP-AL), então presidente da Câmara e membro da base governista, que priorizou o tema com urgência. Esse enredo revela uma complexa reviravolta política, onde uma derrota sofrida por Bolsonaro em 2021, em meio à crise pandêmica, pode, por ironia, culminar em sua condenação por uma legislação que ele próprio promulgou. Analistas consideram que a estratégia adotada à época pelo governo visava outro horizonte, sem prever as implicações presentes para o ex-mandatário.

Bolsonaro sob a Lei da Democracia que Ele Sancionou no STF

A Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito foi aprovada em 2021 para substituir a Lei de Segurança Nacional, instituída em 1983. Essa substituição marca um ponto crucial na legislação brasileira, uma vez que a LSN surgiu no final da ditadura militar, após o fracasso do segundo Plano Nacional de Desenvolvimento do governo Ernesto Geisel e a eleição indireta de João Figueiredo em 1979. Diante do cenário de crise econômica e da crescente pressão social e política, os militares perceberam a iminência de uma transição de poder. Conforme recorda o sociólogo e jurista José Eduardo Faria, professor da Faculdade de Direito da USP e membro da FGV, houve a percepção de que a saída do poder ocorreria, preferindo uma negociação a uma ruptura. Assim, a Lei 7.170, de 1983, institucionalizou o conceito de segurança nacional. Ela definia crimes contra a integridade territorial, a soberania nacional e o regime democrático. No entanto, sua principal fragilidade, segundo Faria, eram os conceitos abertos, passíveis de diversas interpretações, permitindo que antagonismos ao governo de turno fossem criminalizados.

A Ascensão da LSN e a Pressão por Mudança

José Eduardo Faria observa que, após a eleição de Bolsonaro, a LSN conferiu um poder extraordinário ao presidente. Nos primeiros dois anos de seu governo, a aplicação da Lei de Segurança Nacional como base para investigações da Polícia Federal disparou, registrando um aumento de 285% em comparação aos governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) no mesmo período. Foram 77 inquéritos entre 2019 e 2020, ante 20 entre 2015 e 2016, segundo dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) e publicados pelo Estado de S. Paulo à época. Os alvos frequentemente incluíam opositores do governo, como manifestantes detidos em Brasília em março de 2021 por exibir uma faixa com a frase “Bolsonaro genocida” em frente ao Palácio do Planalto, além de jornalistas também terem sido processados.

Autogolpe em Foco: O Impulso para a Nova Lei

A crescente percepção do Congresso sobre as ações do então presidente levou a movimentos legislativos. Faria menciona um projeto de lei de março de 2021, proposto pelo deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), líder do governo na Câmara, que, sob o pretexto da pandemia, buscava conceder a Bolsonaro poderes absolutos, comparáveis aos de chefes de Estado em tempos de guerra. Em abril de 2021, o próprio Bolsonaro proferiu uma declaração que gerou alarme nos demais Poderes, sugerindo uma possível tentativa de autogolpe. Ele afirmou, em frente ao Palácio da Alvorada: “O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu devo tomar providência, eu estou aguardando o povo dar uma sinalização. Porque a fome, a miséria e o desemprego estão aí”.

Ainda segundo Faria, essa declaração foi um divisor de águas. O Congresso, que ainda não estava completamente alinhado ao bolsonarismo, percebeu a necessidade de intervir. Raísa Ortiz Cetra, co-diretora-executiva da ONG Artigo 19, que participou dos debates para a lei, destaca uma grande convergência do campo democrático, incluindo o Centrão, sobre a urgência de revogar a LSN. Nesse contexto, o bolsonarismo e a extrema direita se viram isolados. Pouco menos de seis meses após a fala de Bolsonaro, a Lei nº 14.197 de 2021 foi aprovada, revogando a Lei de Segurança Nacional após 38 anos de vigência. Faria conclui que sua aprovação, à época, foi uma “derrota muito difícil” para Bolsonaro. Para saber mais sobre a legislação brasileira e suas atualizações, consulte a página oficial do Palácio do Planalto sobre a Lei 14.197/2021.

Debates e Críticas à Nova Legislação

A lei que redefiniu os crimes contra o Estado Democrático de Direito se baseou em projetos que tramitavam há anos no Congresso, incluindo propostas de Hélio Bicudo (PT-SP), de 1991, e de Miguel Reale Júnior, então Ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), de 2002. Apesar da ampla concordância do campo democrático para sua aprovação como forma de conter ímpetos autoritários, movimentos sociais e organizações de esquerda teceram críticas ao longo de sua tramitação. Raísa Ortiz Cetra, da Artigo 19, explica que a resistência não era contra o fim da LSN, mas sim contra a forma como a lei foi debatida, sobretudo o caráter de urgência, que limitou o debate público substancial. Também havia preocupações com o conteúdo, pois a legislação reeditou diversos tipos penais da LSN, mantendo um viés punitivista.

A lei, sancionada com vetos de Bolsonaro, incluiu no Código Penal crimes contra a soberania nacional (atentado à soberania, atentado à integridade nacional e espionagem), crimes contra as instituições democráticas (abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado), crimes contra o processo eleitoral (interrupção do processo eleitoral e violência política) e crimes contra o funcionamento de serviços essenciais (sabotagem). Cetra argumenta que a grande crítica se concentrava na multiplicidade e abrangência dos tipos penais, com penas elevadas, o que poderia fortalecer o tradicional punitivismo em determinados setores da sociedade. Curiosamente, essas fragilidades apontadas em 2021 estão sendo exploradas pelos advogados de defesa de Bolsonaro e outros réus no caso da tentativa de golpe, incluindo a sobreposição de tipos penais e as penas severas.

Bolsonaro sob a Lei da Democracia que Ele Sancionou no STF - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

Miguel Reale Júnior, coautor de um dos projetos, refuta as críticas da esquerda, classificando-as como “exageradas” e “anacrônicas”, imaginando a aplicação da lei sob uma ótica ditatorial, quando se vive em plena democracia. Ele destaca que a lei foi aprovada com um artigo que protege claramente a “manifestação crítica aos poderes constitucionais, a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, reuniões, greves, aglomerações ou qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”. Reale Júnior também discorda que a lei tenha um excesso de tipos penais sobrepostos e penas muito altas, ressaltando que o projeto original era mais extenso e teve muitos artigos suprimidos devido à pressão da esquerda, que via criminalização de atitudes contra o Estado de direito como resquício de perseguição política.

A Lei em Ação: Bolsonaro como Alvo

Raísa Ortiz Cetra reconhece que a lei passou por melhorias significativas durante a tramitação, graças às críticas da esquerda. Ainda assim, ela alerta que o risco de sua aplicação contra movimentos sociais persiste. Como exemplo, cita o uso do crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito em janeiro de 2024, em prisões ocorridas durante protestos contra o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo, embora esses processos tenham sido arquivados este ano.

Apesar das questões levantadas, Cetra enfatiza que a aplicação da lei contra Bolsonaro e os demais réus no caso da tentativa de golpe em julgamento no STF demonstra a relevância de sua aprovação em 2021, tornando-se um “instrumento importante na defesa da nossa democracia”. Miguel Reale Júnior, por sua vez, defende que a condenação dos réus em julgamento no Supremo deveria ocorrer apenas pelo crime de tentativa de golpe de Estado, que, em sua visão, já absorveria a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. Essa posição, que também foi defendida pelo ministro Luis Roberto Barroso em ações do 8 de Janeiro, argumenta pela adequação de penas justas e possivelmente menores, considerando a conjunção de crimes e a altura das penalidades estipuladas. José Eduardo Faria, da USP, compartilha dessa visão, sugerindo a redução das penas para os réus do 8 de Janeiro a fim de que penas mais altas sejam aplicadas a Bolsonaro e a outros membros do alto escalão na trama golpista. Contudo, Reale Júnior critica veementemente a possibilidade de anistia aos envolvidos, qualificando-a como uma “traição à democracia”, salientando que a anistia só se justifica em condições específicas, como transição de regimes ou para pacificação real.

Para o senador Rogério Carvalho (PT-SE), relator da lei em 2021, a aplicação da norma contra Bolsonaro e seus aliados encerra a percepção de impunidade por parte de setores da direita radical. “Eles nunca imaginaram que os atos deles seriam alcançados por uma lei, porque eles não prestam muita atenção nisso. Eles não valorizam muito o que está na lei, o que está nos regulamentos, como funcionam as instituições. Eles agem a partir da força”, afirma Carvalho. Raísa Ortiz Cetra corrobora essa perspectiva, concluindo que a aprovação da Lei de Proteção do Estado Democrático de Direito em 2021 foi um “acerto muito grande do campo democrático” ao prever a necessidade de um instrumento legal diante da fragilidade democrática. A crença na impunidade, que pode ter levado o ex-presidente a sancionar a lei, confronta-se agora com a realidade de suas disposições e seu impacto.

O complexo desdobramento deste julgamento e as implicações da Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito continuam a ser acompanhados de perto, sublinhando a importância vital da legislação na proteção e fortalecimento das instituições democráticas brasileiras. Para acompanhar outros temas políticos, reportagens de cidades e análises aprofundadas sobre o cenário nacional, visite a editoria de Política em nosso site e mantenha-se informado sobre os principais acontecimentos.

Crédito da imagem: Reuters


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