Ditadura Militar Vigiou Luis Fernando Verissimo: Documentos Revelam

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A ditadura militar vigiou Luis Fernando Verissimo de forma sistemática e detalhada entre 1970 e 1985. Documentos sigilosos, agora acessíveis, demonstram a preocupação do regime com a “linha esquerdista e contestatória” do renomado escritor e cronista gaúcho. Agentes identificavam Verissimo como um “integrante da esquerda festiva”, acompanhando suas contribuições em diversos jornais e publicações da chamada “imprensa nanica”, caracterizadas como “subversivas” e influentes no ambiente universitário.

Nascido em 1936, o criador de personagens marcantes como a Família Brasil, Luis Fernando Verissimo, faleceu no dia 30 de agosto no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Os relatórios e dossiês do Arquivo Nacional, muitos deles marcados como “confidenciais”, elucidam a intensa vigilância que os órgãos de inteligência do regime mantinham sobre suas atividades intelectuais e jornalísticas.

Ditadura Militar Vigiou Luis Fernando Verissimo: Documentos Revelam

O documento mais antigo encontrado, um encaminhamento do Serviço Nacional de Informações (SNI) de Porto Alegre à sua Agência Central em Brasília, datado de 7 de agosto de 1970, descreve o então colunista do jornal Folha da Manhã de maneira depreciativa. Verissimo, que estava prestes a completar 34 anos na época, foi apontado como “filho do escritor gaúcho Érico Veríssimo, à sombra do qual se projetou”.

O relatório do SNI criticava as crônicas do escritor, classificando-as como inteligentes, mas “reflexos das irreflexões, o menosprezo à sociedade e os inconformismos sociais próprios de sua pouca idade”. O texto ainda adicionava que Verissimo “filia-se ideologicamente às ‘esquerdas festivas’ às quais festeja, com seu humor e suas ironias”. A conclusão dos agentes era clara: o escritor era um “marxista em potencial” e promovia “campanha de descrédito” ao governo e suas ações.

Agentes encarregados da análise das produções de Verissimo decodificavam mensagens em suas crônicas. Em um exemplo notório, textos sobre o time de futebol E.C. Internacional eram interpretados como críticas ao posicionamento do Brasil no exterior, além de sugerir insinuações de “agentes infiltrados” governamentais. A “mensagem” por trás de sua escrita, segundo o informe, tinha como objetivo “ridicularizar o regime”.

As avaliações do SNI ainda elencavam “pontos fortes” e “pontos fracos” de Verissimo. Entre os fortes, destacavam a habilidade de usar a popularidade do futebol como veículo para sua mensagem e a técnica de lançar a notícia em “pílulas”. Os “pontos fracos”, por sua vez, apontavam falta de consistência e alicerces para suas ironias. Tal controle da liberdade de expressão era uma marca do regime, monitorando ativamente intelectuais e jornalistas, um tema amplamente estudado por instituições como o Serviço Nacional de Informações (SNI).

Em março de 1972, um relatório da Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça citava Luis Fernando Verissimo simplesmente como “o filho do escritor Érico Veríssimo”. O documento, que abordava a influência da imprensa gaúcha sobre o regime, equivocadamente referia-se a ele como colunista do Folha da Tarde, quando, na verdade, ele escrevia para a Folha da Manhã. Ainda assim, ressaltava-se que “o filho do escritor Érico Veríssimo costuma censurar em suas charges, de forma áspera o governo e o Ato Institucional nº 5”.

Márcio Pinheiro, jornalista e autor de “Rato de Redação: Sig e a História do Pasquim”, analisa que a censura e a vigilância eram universais para os humoristas durante a ditadura militar. “O humor era muito perseguido porque era a melhor forma de se dizer o que se pensava”, comenta Pinheiro. Ele ressalta que Verissimo se distinguia pelo estilo “não agressivo”, em contraste com outros nomes como Millôr Fernandes e Henfil, que preferiam um “cutucão” mais direto ao regime. O refinamento e a delicadeza de Verissimo, segundo Pinheiro, permitiam-lhe estabelecer conexões entre futebol e política de maneira única.

Um exemplo notório desse humor subversivo foi publicado em 30 de agosto de 1975, na Folha da Manhã. Em um diálogo fictício sobre escândalos de corrupção, Verissimo utilizou a personagem “Sr. Corrup Telles” para satirizar a impunidade e a cumplicidade das leis da época, demonstrando como suas crônicas eram veículo para comentários sociais ácidos disfarçados de leveza.

Vigilância Além da Grande Imprensa: A “Imprensa Nanica” no Foco

A atenção do regime não se limitava aos grandes veículos, estendendo-se à prolífica colaboração de Verissimo com a “imprensa alternativa” ou “nanica”. Um informe confidencial de 14 de novembro de 1975, da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, focava no jornal mensal Risco, da L&PM Editores. O documento alertava que “Já no 1º número está inserida uma reportagem de Luis Fernando Verissimo, filho de Érico Veríssimo”.

Ditadura Militar Vigiou Luis Fernando Verissimo: Documentos Revelam - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

O Risco foi considerado uma publicação com potencial para se tornar quinzenal, atraindo estudantes e contando com colaboradores conhecidos que “atendem os interesses políticos da oposição”. A análise concludente do informe classificava o jornal como uma “maior concentração de comunistas, esquerdistas e anarquistas que se encontram em ação no jornalismo gaúcho”. Edgar Vasques, criador de Rango e outro colaborador do Risco, também foi citado no relatório por suas publicações “marcadamente esquerdistas”, que teciam “ataques e críticas diretas ao Governo Revolucionário”.

Em 1976, a revista IstoÉ contratou Verissimo como colunista, movimento que impulsionou suas vendas no Rio Grande do Sul. Um documento oficial de 3 de junho daquele ano registrou que a revista tinha “Mino Carta, ex-diretor de redação da revista Veja”, como chefe de redação, e contava com a colaboração de “escritores de tendências esquerdistas” como Millôr Fernandes, Plínio Marcos e o próprio Luis Fernando Verissimo. Mino Carta, falecido em 2 de setembro, foi o responsável por essa marcante passagem de Verissimo pela IstoÉ.

Do Futebol à Publicidade: A Abrangência da Espionagem

A vigilância sobre Verissimo produziu, em alguns momentos, registros de irrelevância cômica, que pareciam saídos de suas próprias crônicas. Um informe da Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça de 28 de novembro de 1977 analisa uma charge do escritor no jornal Zero Hora. Sob o título “Semelhança”, a charge comparava o time do Internacional ao “atual ministério” — ambos “esforçados, meio desentrosados, com pouca torcida” e com a figura do Falcão se destacando. O Ministério interpretou a crítica à má fase do clube como um meio de “ridicularizar a atuação dos Ministérios do atual Governo e, de modo particular, a pessoa do Ministro da Justiça”, referindo-se a Armando Falcão, sem parentesco com o jogador Paulo Roberto Falcão.

Até mesmo seu trabalho para o mercado publicitário foi alvo de escrutínio. Em 20 de junho de 1977, a Informação nº 749 da Agência Central do SNI analisou a omissão do nome de Verissimo em uma peça promocional da Rhodia do Brasil. O informe, sem autor identificado, considerava “interessante notar que o marginado [Verissimo], em suas crônicas, na base do humorismo, faz constantes críticas ao Governo e ao regime brasileiro mas não se acanha de trabalhar para uma multinacional [Rhodia]”.

Rafael Guimaraens, jornalista que começou sua carreira em redações em 1976, relata que, após o Ato Institucional nº 5 (AI-5) de 1968, grandes jornais se tornaram “oficialistas”, reproduzindo o discurso da ditadura e limitando o trabalho dos repórteres. Nesse contexto, a missão de informar com correção e qualidade recaía sobre a imprensa alternativa.

Edgar Vasques, amigo de Verissimo e também alvo da vigilância oficial, não se recorda de ter presenciado preocupação do escritor com o cerco do regime. Vasques, contudo, teve que responder a inquéritos e processos da Polícia Federal após a apreensão de uma edição inteira do Pasquim em 1976 por uma charge de Rango. Na ocasião, eram suspeitos de “denegrir a imagem do Brasil no exterior a serviço de potência estrangeira”, entre risadas de Jaguar, editor do Pasquim na época, que falava em “Uganda” como a suposta influência estrangeira. Jaguar também faleceu recentemente, em 24 de agosto.

Os documentos revelados do período da ditadura militar oferecem uma perspectiva única sobre a vigilância de figuras proeminentes da cultura brasileira, como Luis Fernando Verissimo. As crônicas, charges e textos do escritor foram interpretados e catalogados por agentes que viam em seu humor um risco à ordem estabelecida. Continue explorando o cenário político brasileiro em nossa editoria de Política e mantenha-se informado sobre os eventos que moldaram a história de nosso país.

Crédito, Acervo Luis Fernando Verissimo


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