Era da Revanche: Crise e Ressentimento no Capitalismo Global

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Era da Revanche: Crise e Ressentimento no Capitalismo Global é o ponto central da análise do escritor e jornalista Andrea Rizzi, que detalha como um sistema econômico aparentemente desequilibrado tem catalisado um sentimento de revanche generalizado. Desde 1995, a fatia da fortuna mundial sob controle de bilionários cresceu exponencialmente, passando de 1% para mais de 3%. Este fenômeno, de acordo com Rizzi, reflete a percepção crescente de que uma pequena elite se beneficia desproporcionalmente, provocando um desejo latente de retaliação em muitas sociedades.

Para Andrea Rizzi, correspondente de Assuntos Globais do jornal espanhol El País, o avanço implacável de impulsos predatórios entre as elites e uma “avidez desaforada”, instintos descritos há séculos por autores como Dante, moldaram esta nova era. Ele destaca que a globalização, embora cheia de promessas iniciais, resultou na perda de empregos tradicionais e na concentração massiva de lucros em setores específicos, criando vencedores e perdedores de forma bastante nítida na cena mundial.

Era da Revanche: Crise e Ressentimento no Capitalismo Global

Em seu livro, “La Era de la Revancha” (A Era da Revanche), Rizzi argumenta que o cenário global é cada vez mais dominado pelo ressentimento e por um espírito de vingança. Ele observa que cidadãos marginalizados pela globalização e privados de instituições mediadoras, como partidos políticos e sindicatos, tornam-se vulneráveis a correntes políticas tóxicas. Essas forças, muitas vezes, não defendem seus interesses e, em vez disso, ameaçam os valores democráticos e os direitos humanos fundamentais. A América Latina, com suas alternâncias políticas intensas, é apontada como um indicativo constante dessa insatisfação, manifestando-se de forma acentuada entre 4 e 7 de setembro de 2025, durante o Hay Festival Querétaro, no México, onde a BBC News Mundo entrevistou o jornalista.

Em sua explanação sobre se a era atual é um tempo de ódio, Rizzi esclarece que ela é primariamente um período de ressentimentos intensos, os quais, por sua vez, podem catalisar um desejo de vingança e, em certos contextos, degenerar em ódio. Esses sentimentos são produto de abusos ocorridos em diversos domínios da vida, gerando duas vertentes principais de insatisfação. De um lado, há um ressentimento contra a ordem mundial estabelecida pelos Estados Unidos e seus aliados pós-Segunda Guerra Mundial, com nações buscando correção a esses arranjos. De outro, emerge um profundo rancor entre as classes populares das sociedades ocidentais, que veem elites prosperarem impulsionadas pela globalização e novas tecnologias, enquanto uma grande parte é deixada para trás, esquecida pelo sistema.

Apesar da defesa do economista Branko Milanović de que a desigualdade global se encontra em um patamar mínimo em mais de um século, Rizzi aponta para uma contradição aparente com o descontentamento palpável nas classes populares. Ele explica que as duas dinâmicas são, de fato, perfeitamente compatíveis. Milanović foca na redução da desigualdade em escala global, impulsionada em grande parte pelo crescimento de países como a China. Contudo, essa diminuição não anula o problema da desigualdade interna em sociedades específicas, particularmente as ocidentais, onde ela continua a alimentar um profundo mal-estar e frustração. Portanto, estas são tendências paralelas, não contraditórias.

Rizzi prefere o termo “classes populares” ou “classe trabalhadora” para definir a “bomba de frustração”, argumentando que a antiga classe média se fragmentou. Uma porção mais alta conseguiu se adaptar e capitalizar as oportunidades do mundo globalizado, enquanto outra desliza para baixo na escala social. A base desse mal-estar reside, inicialmente, na quebra de expectativas. A promessa de progresso contínuo, comum após a Segunda Guerra Mundial e fortalecida nas Américas e na Europa, foi desfeita a partir de 2008 e novamente após a pandemia, minando a crença em um futuro melhor para as próximas gerações.

A volatilidade e a precariedade caracterizam a segunda fonte desse mal-estar. A transferência de empregos, a instabilidade dos fluxos de investimento e, na América Latina, as flutuações dos preços de matérias-primas contribuem para essa insegurança. A ausência de regulamentações robustas e de mecanismos de conexão e proteção social acentuam essas fragilidades. Além disso, a internet e as redes sociais oferecem uma visibilidade constante da vida das elites para as classes populares, exacerbando desejos, aspirações e frustrações. Assim, uma mistura de elementos materiais, culturais e psicológicos compõe essa angústia generalizada, segundo o jornalista.

Todos esses fatores configuraram uma “bomba de ressentimento” que gera consideráveis turbulências políticas. A consequência direta é o apoio massivo a forças de caráter populista e extremista, predominando as tendências de extrema direita e nacionalistas. Esta é uma revolta explícita contra o sistema, materializada no apoio a líderes, movimentos ou formações políticas que se propõem a impugnar o status quo. Outra implicação desse descontentamento é um movimento cultural retrógrado, que caminha lado a lado com o impulso populista, refletindo uma busca por soluções simples em um mundo complexo.

Era da Revanche: Crise e Ressentimento no Capitalismo Global - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

A declaração de Warren Buffet, de que há uma guerra de classes “e a minha classe, a dos ricos, está lutando e estamos ganhando”, é um paradoxo discutido por Rizzi. Ele concorda que as elites agiram sob impulsos depredadores e uma avidez sem limites. Contudo, os instrumentos de resistência das classes populares, como os sindicatos, enfraqueceram. Simultaneamente, formações que historicamente defendiam esses interesses, como a social-democracia europeia, mudaram suas propostas, abraçando políticas de mera redistribuição da riqueza gerada pelo próprio capitalismo, em vez de conter sua avidez. Isso minou a confiança e levou os cidadãos a buscar respostas mais radicais e menos convencionais, alterando a dinâmica que buscava equilibrar a distribuição global da riqueza.

Na América Latina, essa tendência se manifesta claramente com intensas mudanças nos padrões de voto. Segmentos das classes populares, que tradicionalmente apoiavam lideranças progressistas ou moderadas, agora se voltam para propostas extremas, sejam elas nacionalistas ou hiperliberais, como visto na Argentina. A região atravessa um período de forte rebelião, caracterizado por espasmos de frustração que culminam em protestos variados, motivados principalmente pela ineficácia governamental na entrega de serviços eficientes e segurança à população. A instabilidade e a dificuldade de estados em cumprir plenamente suas funções alimentam um terreno inflamável para figuras populistas que se aproveitam do descontentamento.

A América Latina demonstra uma progressão alarmante em direção a um modelo de hiperlideranças, onde figuras quase messiânicas, por mais carismáticas que sejam, carregam o risco de desvios autoritários. A segurança se tornou um tema central, por vezes superando a valorização dos direitos humanos. O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, é visto por muitos como um exemplo do que é necessário, refletindo um esgotamento que justifica o abandono de valores democráticos. Embora a democracia tenha avançado na região nas últimas décadas, esse edifício ainda não é totalmente sólido, e o cansaço social pela falta de segurança justifica, para muitos, regimes autoritários que prometem “mão forte” contra o crime.

Apesar do cenário desafiador, é possível identificar exemplos de países latino-americanos que abraçaram um caminho mais pragmático. Nações como Uruguai e Costa Rica são mencionadas como modelos que, embora não sejam perfeitos, conseguiram manter uma trajetória mais equilibrada, distanciando-se do populismo. O Chile, sob a liderança de Gabriel Boric, também se destaca pelo amadurecimento de seu discurso progressista, exibindo feições mais pragmáticas em comparação a presidentes anteriores. Estes exemplos oferecem um contraponto otimista no panorama complexo e multifacetado da região.

A Era da Revanche de Andrea Rizzi desvenda as profundas divisões sociais e econômicas que alimentam o descontentamento global, desde o enriquecimento acelerado de uma minoria até a precarização das classes populares, resultando em uma virada política rumo ao populismo. Para entender mais sobre as forças que moldam o futuro político e econômico, leia mais análises sobre a conjuntura econômica e global em nossa editoria de Economia.

Crédito, Johanna Marghella


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