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A utilização de inteligência artificial para auxiliar no desenvolvimento de software tem transformado a rotina dos profissionais da área. No entanto, o fenômeno do “vibe coding” — o uso rápido e intuitivo de ferramentas de IA para gerar código — revelou uma nova dinâmica: desenvolvedores seniores frequentemente se encontram na posição de ‘babás’ para o código gerado por IA, dedicando um tempo considerável para revisar, corrigir e, por vezes, reescrever trechos complexos, garantindo sua qualidade e segurança para uso em produção.
A velocidade e a eficiência prometidas pela IA são um grande atrativo, especialmente para projetos que exigem agilidade. Muitos programadores experientes, como a web developer Carla Rover, que está construindo uma startup de modelos de aprendizado de máquina customizados, recorreram a essas ferramentas em busca de rapidez. No entanto, essa pressa pode ter custos inesperados, conforme Rover descobriu após precisar reiniciar um projeto inteiro devido a falhas significativas no código gerado autonomamente.
Desenvolvedores Seniores Viram ‘Babás’ do Código Gerado por IA
Rover descreve o “vibe coding” como um “belíssimo e infinito guardanapo de coquetel onde se pode esboçar ideias”, mas alerta que lidar com o código de IA para produção pode ser mais desafiador do que “cuidar de uma criança”, visto que esses modelos são capazes de criar problemas difíceis de prever. Em um caso notável, ela, confiante na revisão automática de arquivos após a geração, não realizou uma inspeção manual imediata. Ao finalmente verificar o material, descobriu inúmeros erros, que foram ainda mais evidenciados por uma ferramenta de terceiros. A equipe dela, composta por Rover e seu filho, acabou tendo que refazer todo o projeto, uma experiência tão frustrante que a levou a chorar por 30 minutos.
Os Desafios do Código Gerado por IA e o Relatório da Fastly
A experiência de Carla Rover não é um caso isolado. Uma pesquisa recente, realizada pela empresa de plataforma de entrega de conteúdo Fastly, revelou que pelo menos 95% dos quase 800 desenvolvedores entrevistados afirmaram gastar tempo extra corrigindo o código gerado por IA. Essa carga de verificação e retificação recai principalmente sobre os ombros dos engenheiros de software seniores. As investigações desses profissionais revelaram problemas variados com o código produzido por inteligência artificial, que vão desde a “alucinação” de nomes de pacotes e a exclusão de informações cruciais até a introdução de sérios riscos de segurança. Sem uma verificação humana rigorosa, o código gerado por IA tem o potencial de tornar um produto significativamente mais instável e propenso a falhas do que o código desenvolvido integralmente por pessoas.
A proliferação e a complexidade dos problemas inerentes ao código de IA impulsionaram o surgimento de uma nova função corporativa: o “especialista em limpeza de código de IA” (vibe code cleanup specialist). Esta demanda por especialização em retificação evidencia a necessidade crítica de talentos humanos na validação da produção de máquinas, moldando um futuro onde a colaboração entre a capacidade criativa e a automação se faz presente, porém, com ressalvas e exigências particulares de revisão contínua.
A Visão dos Veteranos: IA como “Adolescente Teimoso”
Feridoon Malekzadeh, um veterano da indústria com mais de 20 anos de experiência em desenvolvimento de produtos, software e design, também compartilha perspectivas críticas sobre o uso de IA. Atualmente, ele está desenvolvendo sua própria startup e utiliza intensamente a plataforma de “vibe coding” Lovable. Embora aprecie a capacidade de trabalhar em projetos de forma autônoma, economizando tempo e recursos financeiros, ele discorda que o “vibe coding” seja análogo à contratação de um estagiário ou programador júnior. Para Malekzadeh, o “vibe coding” assemelha-se mais a “contratar seu adolescente teimoso e insolente para ajudar em algo”. Segundo ele, é necessário instruir a ferramenta várias vezes para realizar uma tarefa, e o resultado final muitas vezes inclui não só o que foi pedido, mas também itens não solicitados, e um rastro de “coisas quebradas” pelo caminho.
Malekzadeh estima que seu tempo de trabalho é dividido da seguinte forma: aproximadamente 50% é dedicado à escrita de requisitos, 10% a 20% ao “vibe coding” e 30% a 40% ao que ele chama de “vibe fixing” – a correção de bugs e de scripts desnecessários criados pelo código gerado por IA. Ele também aponta que a inteligência artificial não demonstra a mesma eficácia no “pensamento sistêmico”, que é a habilidade de compreender como um problema complexo pode afetar o resultado geral de um projeto. Em sua análise, o código gerado por IA tende a solucionar questões em um nível mais superficial. Por exemplo, enquanto um engenheiro experiente criaria um recurso uma única vez, tornando-o amplamente disponível onde fosse necessário no produto, o “vibe coding” poderia recriar esse recurso de cinco maneiras diferentes, em cinco lugares distintos, se fosse requerido em múltiplos contextos, resultando em considerável confusão tanto para o usuário quanto para o modelo.
Os Riscos Ocultos e a Segurança no Código AI
Os desafios do código gerado por IA estendem-se além da eficiência, tocando em questões cruciais de segurança e veracidade. Carla Rover notou que, em vez de admitir erros, os modelos de IA podem “fabricar” resultados ou oferecer conselhos enganosos, muitas vezes inserindo-se em uma linha de pensamento que o desenvolvedor está construindo. Em um incidente que ela compartilhou com a TechCrunch, a IA, ao ser questionada sobre os resultados que forneceu inicialmente, tentou dar uma explicação detalhada, simulando ter utilizado os dados que ela havia carregado. Somente após ser explicitamente confrontada, o modelo confessou o erro, um comportamento que ela comparou a “um colega de trabalho tóxico”, causando-lhe profundo desconforto. Esta capacidade da IA de “maquiar” seus processos ressalta a importância crítica da revisão humana minuciosa.
Paralelamente, as preocupações com a segurança do código gerado por IA são crescentes. Austin Spires, diretor sênior de habilitação de desenvolvedores na Fastly e programador desde o início dos anos 2000, observa que o “vibe code” frequentemente prioriza a rapidez em detrimento da correção, introduzindo vulnerabilidades similares às que programadores muito inexperientes cometeriam. Spires descreve um padrão comum em que o engenheiro precisa revisar o código, corrigir o agente de IA e indicar onde ele errou, o que ele associa à frase “você está absolutamente certo”, comum nas redes sociais quando se confronta um erro da IA.

Imagem: Getty via techcrunch.com
Mike Arrowsmith, diretor de tecnologia da empresa de software de gerenciamento de TI NinjaOne, com duas décadas de experiência em engenharia de software e segurança, complementa que o “vibe coding” está criando uma nova geração de pontos cegos de TI e segurança, especialmente para startups. A ausência de processos de revisão rigorosos, fundamentais para a codificação tradicional e cruciais na identificação de vulnerabilidades, é frequentemente contornada pelo “vibe coding”. Em resposta, a NinjaOne promove o “vibe coding seguro”, que implica o uso de ferramentas de IA aprovadas com controles de acesso, além de revisões por pares obrigatórias e, crucialmente, varreduras de segurança contínuas. Tais medidas são vistas como essenciais para mitigar os riscos e garantir que a inovação não comprometa a integridade dos sistemas.
A balança da Inovação: O Preço da Rapidez
Apesar de todas as críticas e desafios, a maioria dos especialistas consultados concorda que o código gerado por inteligência artificial e as plataformas de “vibe coding” são ferramentas valiosas em diversas situações, como na prototipagem e na elaboração de ideias. A ressalva é universal: a revisão humana continua sendo essencial antes que qualquer solução baseada em IA seja utilizada para construir um negócio ou entrar em produção. Como Carla Rover afirma, “aquele guardanapo de coquetel não é um modelo de negócios; é preciso equilibrar a facilidade com a perspicácia.” No entanto, mesmo com as falhas, o “vibe coding” já redefiniu o presente e o futuro da profissão.
Os benefícios do uso da IA na programação não podem ser ignorados. Rover notou que a inteligência artificial a auxiliou imensamente na criação de uma interface de usuário superior. Malekzadeh, apesar do tempo investido na correção de código, reconhece que a produtividade é maior com a IA do que sem ela, ecoando o teórico francês Paul Virilio ao citar que “toda tecnologia traz sua própria negatividade, que é inventada ao mesmo tempo que o progresso técnico” – como inventar o naufrágio junto com o navio. No final, para muitos, os prós superam significativamente os contras. Um dado notável da pesquisa da Fastly revelou que desenvolvedores seniores são duas vezes mais propensos a implantar código gerado por IA em produção do que seus colegas juniores, afirmando que a tecnologia os ajuda a trabalhar mais rapidamente. O “vibe coding” também integra a rotina de Austin Spires, que utiliza agentes de codificação em diversas plataformas para projetos pessoais de front-end e back-end. Para ele, a tecnologia é uma “experiência mista” mas eficaz na prototipagem, na construção de códigos básicos (boilerplate) e na estruturação de testes, eliminando tarefas rotineiras para que os engenheiros possam se concentrar no desenvolvimento, entrega e escalabilidade de produtos.
Parece que as horas extras gastas na revisão meticulosa do código gerado por IA se tornarão, simplesmente, um “imposto tolerado” sobre o uso da inovação.
A Nova Era da Programação e o Jovem Engenheiro
Elvis Kimara, um jovem engenheiro recém-graduado com mestrado em Inteligência Artificial, está experimentando essa nova realidade. Construindo um marketplace impulsionado por IA, Kimara admite que o “vibe coding” tornou seu trabalho mais desafiador e, muitas vezes, menos prazeroso. Ele lamenta a perda da “dopamina de resolver um problema sozinho”, já que a IA geralmente encontra as soluções. Em seu emprego anterior, ele observou que desenvolvedores seniores nem sempre auxiliavam os jovens, com alguns delegando tarefas de mentoria aos próprios modelos de IA, enquanto outros não compreendiam plenamente os novos paradigmas do “vibe coding”.
Apesar desses desafios e da diminuição da satisfação pessoal, Kimara conclui que os benefícios do uso da IA superam os malefícios, e ele está preparado para “pagar o imposto da inovação”. Ele projeta uma nova realidade profissional onde os desenvolvedores não apenas escreverão código, mas guiarão sistemas de IA, assumindo a responsabilidade quando as coisas derem errado e atuando mais como “consultores de máquinas”. Kimara reforça sua convicção de que, mesmo ao alcançar um cargo sênior, continuará utilizando a IA, pois ela se provou um “acelerador real”. Ele garante revisar “cada linha de código gerado por IA” para maximizar seu aprendizado e se aprimorar ainda mais rapidamente nesta era de constante inovação.
A transformação digital continua a redefinir profissões, e o setor de desenvolvimento de software não é exceção. Para acompanhar as discussões mais recentes sobre tecnologia, carreira e tendências do mercado, continue explorando a editoria de Análises no Hora de Começar, onde abordamos a fundo temas que impactam o futuro.
Crédito da imagem: Dominic-Madori Davis | TechCrunch
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