STF precisou agir contra Bolsonaro e proteger democracia

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O Supremo Tribunal Federal (STF) precisou agir para proteger a democracia brasileira diante de ofensivas diretas observadas durante o mandato de Jair Bolsonaro e após sua derrota no pleito eleitoral de 2022. Contudo, é fundamental que, uma vez superado o período de crise institucional, a Corte Suprema ajuste sua atuação e retorne ao seu papel constitucional originário. Esta perspectiva é a defendida pelo renomado cientista político Steven Levitsky, coautor do aclamado livro “Como as Democracias Morrem”, em uma recente entrevista.

Levitsky, que atua como professor na Universidade Harvard, explicou à BBC News Brasil que, idealmente, os próprios membros do Supremo reconhecerão a necessidade de reduzir sua ingerência em questões que não são estritamente judiciais. Ele ressaltou que alguns ministros já se manifestaram publicamente, afirmando que a intervenção se deu em um contexto de emergência, essencial para a salvaguarda do regime democrático.

STF precisou agir contra Bolsonaro e proteger democracia

A entrevista ocorreu em um momento chave, após a condenação de Jair Bolsonaro e outros sete réus pela acusação de tentativa de golpe de Estado, um veredicto proferido pelo próprio STF. O acadêmico reiterou a urgência de uma mudança no comportamento da Corte: “Mas, no momento em que a crise passar, o tribunal precisa ser um pouco mais circunspecto em seu comportamento.” Ele adverte para a dificuldade de restringir a ação de uma instituição que adquiriu tamanha envergadura e influência, uma vez que, por natureza, “ninguém gosta de abrir mão do poder voluntariamente”. O cientista político enfatizou a cautela necessária ao conceder grande poder a órgãos não eleitos em uma estrutura democrática.

Não é a primeira vez que Levitsky manifesta preocupações sobre o assunto. Em julho do mesmo ano, enquanto o processo avançava na Primeira Turma do Supremo, ele já havia indicado à BBC que o cenário enfrentado pelo Brasil entre 2018 e 2023 foi tão extraordinário que a defesa da democracia se tornou imperativa. Naquela ocasião, ele considerou a atuação do Supremo Tribunal Federal como “ultimamente positiva” para o Brasil, ao julgar o ex-presidente por uma tentativa de golpe, afirmando que a Corte estava em “seu devido lugar” naquele momento específico. Levitsky confirmou que já dialogou com ministros do STF sobre a questão e salientou que, caso a Corte não redefina sua postura voluntariamente, a sociedade civil e o Congresso Nacional devem exercer pressão para restabelecer a normalidade institucional. Ele indicou que existem mecanismos democráticos, mesmo que lentos, para reequilibrar o poder no país.

Um dos aspectos complexos mencionados por Levitsky diz respeito ao voto divergente do ministro Luiz Fux durante o julgamento do ex-presidente. Fux foi o único a votar pela anulação do processo e pela absolvição de Bolsonaro em relação aos cinco crimes imputados pela Procuradoria-Geral da República: liderança de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Apesar do placar final de maioria na Primeira Turma ter culminado na condenação do ex-presidente a 27 anos e 3 meses de prisão em regime fechado, a divergência de Fux pode ser usada no futuro para tentativas de “desacreditar, subverter ou reverter” a decisão judicial. Levitsky, todavia, ressaltou que a dissidência de Fux não é incomum em tribunais, mas que “governos dos EUA e bolsonaristas certamente vão se aproveitar do posicionamento do ministro.”

Para o especialista, a condenação de um ex-presidente por tentativa de golpe envia uma mensagem global vital: “A mensagem mais importante é a de que as democracias podem se defender.” Ele contrastou essa situação com regimes em que líderes eleitos livremente subvertem a democracia (Hungria, Turquia, Venezuela, Nicarágua, El Salvador e até os Estados Unidos). Neste cenário contemporâneo, a lição brasileira, juntamente com a da Coreia do Sul, é de que democracias precisam defender vigorosamente o Estado de Direito e responsabilizar líderes que atentam contra ele.

Questionado sobre um possível impacto nos Estados Unidos, Levitsky criticou a ineficácia das instituições americanas em responsabilizar um ex-presidente que atacou a democracia, em contraste com o desempenho brasileiro. Ele também comentou as reações de políticos americanos como Marco Rubio, Secretário de Estado, que propuseram sanções bizarras contra o Brasil, como as baseadas na Lei Magnitsky contra um ministro do Supremo. Para Levitsky, é “uma enorme desinformação” por parte dos EUA, tratando o Brasil como um “Estado pária”, o que distorce a realidade de uma democracia funcional. Hipóteses como a imposição de novas tarifas ou a ampliação das sanções Magnitsky a outros ministros foram consideradas possíveis, dada a imprevisibilidade do governo anterior dos EUA.

STF precisou agir contra Bolsonaro e proteger democracia - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

Sobre as implicações do voto de Fux na percepção social do julgamento, Levitsky reconheceu que um placar não unânime introduz certo nível de dissenso, embora não seja extraordinário em cortes do porte do STF. Contudo, ele enfatizou que “Bolsonaro e os bolsonaristas vão se agarrar a isso”, e que a opinião minoritária será instrumentalizada por aqueles que buscam desacreditar ou reverter a decisão. As defesas e os apoiadores do ex-presidente certamente verão Fux como um “herói”, conforme expressado.

A respeito de um possível herdeiro político de Bolsonaro, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, Levitsky fez uma análise complexa. Ele destacou que a relação entre Tarcísio e Bolsonaro não é de amor, mas de conveniência política. Tarcísio, considerado inteligente, sabe que precisa manter uma conexão com a base bolsonarista sem abdicar completamente de seu próprio perfil político. O especialista ponderou que Tarcísio não agiu para reverter o processo judicial, o que implica em uma aceitação tácita de que Bolsonaro fora das eleições de 2026 pavimenta seu próprio caminho político. Um eventual perdão presidencial para Bolsonaro, caso Tarcísio se torne presidente, é discutido na elite, mas o consenso majoritário seria manter Bolsonaro afastado do processo eleitoral para evitar que o Brasil siga um “caminho autoritário” como o dos Estados Unidos, onde um líder com tendências golpistas pode ser reeleito.

Para minimizar as tentativas de descredibilizar as instituições democráticas, Levitsky apontou a necessidade de uma coalizão política ampla, que transcenda a esquerda e a direita, em defesa do regime democrático. Ele elogiou o histórico brasileiro nesse aspecto, citando a aceitação dos resultados de 2022 por figuras importantes da direita, incluindo Tarcísio, e a resistência do Congresso, com membros conservadores, às tentativas de Bolsonaro de minar o processo eleitoral. Esses exemplos, segundo Levitsky, mostram um comportamento muito mais saudável do que o observado nos EUA.

Retornando à questão sobre o papel futuro do STF, Levitsky confirmou que essa foi uma de suas pautas com ministros. Ele reiterou a dificuldade de fazer uma instituição poderosa “voltar para sua gaveta”, comparando, embora com ressalvas, a luta para reinserir as Forças Armadas em seu devido papel após a ditadura militar. A pressão pública, o trabalho político, a mobilização da sociedade civil e de intelectuais são meios legítimos para pressionar o Tribunal. Em última instância, o Congresso pode atuar, aprovando leis ou reformas constitucionais para definir os limites de atuação da Corte. Acesse o portal do Supremo Tribunal Federal para mais informações sobre o papel da instituição na democracia brasileira: https://www.stf.jus.br.

Apesar dos desafios, Steven Levitsky mantém o otimismo em relação ao futuro da democracia brasileira. Ele salientou a robustez e eficácia das instituições brasileiras em comparação com as dos EUA, destacando o Brasil como uma das democracias mais bem-sucedidas da América Latina nas últimas quatro décadas. Mesmo diante de crises recentes — como a pandemia de Covid-19, instabilidade econômica e investigações como a Lava Jato —, a democracia brasileira provou sua solidez. Sobre os mercados, Levitsky esclareceu que eles não são os salvadores da democracia, uma responsabilidade que cabe às pessoas e às instituições. Para aprofundar seu entendimento sobre as dinâmicas políticas que moldam o cenário nacional, confira outras matérias em nossa editoria de Política e mantenha-se informado.

Crédito, Arquivo pessoal


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