📚 Continue Lendo
Mais artigos do nosso blog
A **PEC da Blindagem**, apelidada por seus críticos de “PEC das Prerrogativas” e por seus defensores de “PEC do Fortalecimento”, avança no Congresso Nacional, reacendendo debates cruciais sobre a extensão da imunidade parlamentar no Brasil. O texto-base da proposta de emenda à Constituição (PEC) foi aprovado na Câmara dos Deputados nesta terça-feira, 16 de setembro. Este projeto estabelece a exigência de aval do Legislativo para que o Supremo Tribunal Federal (STF) possa dar prosseguimento a processos criminais contra parlamentares. Após a análise dos destaques pelos deputados, prevista para esta quarta-feira, 17 de setembro, a matéria seguirá para deliberação no Senado Federal.
A proposta legislativa visa reintroduzir um modelo de imunidade parlamentar que esteve em vigor entre 1988 e 2001. Naquele período, conforme o artigo 53 da Constituição promulgada em 1988, a abertura de um processo criminal contra um congressista no STF dependia de uma licença concedida pela Câmara ou pelo Senado. Tal regra, no entanto, gerou fortes críticas ao longo de 13 anos, com muitos argumentando que resultava em impunidade para membros do parlamento envolvidos em denúncias, já que alguns jamais chegaram a ser processados.
A aprovação do texto base dessa matéria reaquece um antigo debate no cenário jurídico e político nacional sobre a delimitação das prerrogativas dos legisladores. A proposta é objeto de análises minuciosas sobre seus potenciais desdobramentos na Justiça brasileira, lembrando períodos históricos de discussão. É nesse contexto de significativas discussões que se insere a pergunta:
PEC da Blindagem: O Que Muda na Imunidade Parlamentar
A medida visa modificar o artigo 53 da Constituição, reestabelecendo um modelo de imunidade parlamentar semelhante ao que vigorou entre os anos de 1988 e 2001.
Diferentes análises históricas indicam que, no período anterior a 2001, a concessão de licenças para processar parlamentares era uma raridade. Muitas solicitações permaneciam sem deliberação por anos, beneficiando os envolvidos em acusações criminais. O deputado Kim Kataguri (União Brasil-SP), que se manifestou contra a PEC, citou dados contundentes: “Durante o período da Constituição de 88, quando o texto que querem aprovar agora estava em vigor, nenhuma investigação contra parlamentar foi autorizada. Nem em caso de homicídio, como houve. Nem em casos de corrupção, como houve. Nem em caso de tráfico, como houve.” Segundo o parlamentar, foram feitos mais de 300 pedidos de investigação quando a redação constitucional exigia a permissão do Congresso, e nenhum resultou em processo criminal.
A nova PEC estabelece que o Congresso terá até 90 dias, contados do recebimento da ordem emitida pelo STF, para deliberar sobre a licença. Em caso de negação, o processo ficará suspenso enquanto durar o mandato do parlamentar. Um ponto mantido na proposta é a votação secreta para avaliar a prisão em flagrante de membros do Congresso, aspecto que também gerou controvérsias no debate público e político.
Casos Notórios: O Deputado da Motosserra e o Governador Abalizado
A imagem pública da imunidade parlamentar, especialmente sob a ótica da regra que vigorou antes de 2001, foi marcada por casos emblemáticos de grande repercussão. Esses episódios contribuíram significativamente para a percepção de impunidade, impulsionando a aprovação da Emenda Constitucional 35 em 2001. Tal emenda eliminou a exigência de autorização do Congresso para a abertura de processos criminais contra congressistas. Como pontua um artigo na Revista de Informação Legislativa, uma publicação especializada do Senado, “Diante de inúmeros fatos ocorridos à época, instalou-se a preocupação em evitar que a imunidade se degenerasse como mecanismo que lograsse acobertar atos delituosos que não deveriam fugir da atuação do Poder Judiciário.”
Um dos mais chocantes foi o caso de Hildebrando Pascoal, ex-coronel e deputado federal cassado que se tornou nacionalmente conhecido como o “deputado da motosserra”. Ele foi acusado de liderar um esquadrão da morte e condenado por homicídio, formação de quadrilha e narcotráfico, somando mais de 100 anos de prisão. Desde sua detenção em 1999, Pascoal segue cumprindo pena. Entre seus crimes, destacou-se a brutal morte do mecânico Agílson Firmino, cujo corpo foi desmembrado com uma motosserra. O filho da vítima, de 13 anos, também foi assassinado, assim como duas testemunhas cruciais. Pascoal foi alvo da CPI do Narcotráfico e, em fevereiro de 1999, o STF, sob a presidência do ministro Celso de Mello, instaurou inquérito para investigar seu envolvimento com grupos de extermínio no Acre, com base em relatório do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, do Ministério da Justiça. Embora a Câmara dos Deputados não tenha concedido licença para o processo no STF, optou por cassar seu mandato, permitindo que Pascoal fosse julgado em primeira instância. Em 2018, ao analisar a competência do Supremo para julgar parlamentares, o ministro Dias Toffoli salientou que, no passado, o Congresso frequentemente preferia cassar deputados e senadores para que enfrentassem a Justiça comum, citando Pascoal como exemplo.

Imagem: bbc.com
Outro episódio de grande repercussão ocorreu em 1993, envolvendo o então governador da Paraíba, Ronaldo Cunha Lima. Ele atirou contra um adversário político, o ex-governador Tarcísio Burity, no restaurante Gulliver, em João Pessoa. Burity permaneceu em coma por alguns dias e faleceu quase uma década após o atentado. Após o incidente, Cunha Lima foi eleito senador em 1995, garantindo-lhe imunidade parlamentar por oito anos. Nesse período, o STF buscou processá-lo, chegando a solicitar licença ao Senado em setembro de 1995. O pedido só foi analisado e negado quatro anos depois, em 1999. O processo só foi retomado no STF após a aprovação da Emenda Constitucional 35, em dezembro de 2001, que dispensou a necessidade de licença. Entre 2003 e 2007, com o processo próximo ao julgamento, Ronaldo Cunha Lima, já como deputado federal, renunciou ao mandato em 31 de outubro de 2007. Sua intenção, segundo ele, era ser julgado por um Tribunal do Júri em João Pessoa, “apenas como cidadão”. A renúncia foi criticada pelo relator, ministro Joaquim Barbosa, e outros juristas, que a viram como uma manobra para alongar a tramitação da ação. A viúva de Burity, Glauce, expressou sua indignação: “Se passaram 14 anos até agora, acha que vão julgar em quatro anos? Eu não acredito. Ele passou 14 anos ludibriando a Justiça. Agora, quando sabia que ia ser julgado, renunciou para ser julgado pelo Tribunal do Júri. É uma palhaçada.” Ronaldo Cunha Lima faleceu em 2012, quase 20 anos após o incidente, sem que seu processo tivesse sido concluído.
Fortalecimento ou Impunidade: As Divergências no Debate
Durante a votação da PEC na Câmara, a noite de terça-feira foi marcada por fortes declarações. O deputado Hugo Motta (Republicanos/PB), um dos apoiadores da medida e presidente da Casa, defendeu que a mudança “fortalece o mandato dos parlamentares” e restaura o propósito original da Constituição de 1988. “Nada mais é do que o retorno ao texto constitucional de 1988. Texto que foi aprovado pela então Constituinte. É um texto que garante, na minha avaliação, o fortalecimento do mandato parlamentar de cada um que está nesta Casa. Essa não é uma pauta de governo ou de oposição, do PT ou do PL, da direita ou da esquerda,” afirmou.
Entretanto, vozes contrárias ressaltaram os riscos de impunidade. A deputada Fernanda Melchionna (PSOL/RS) foi incisiva: “Esta é a PEC da impunidade. Quem ousa comparar o que foi o processo da Constituinte, em que parlamentares eram perseguidos por enfrentar a ditadura, tem que usar muito óleo de peroba para tanta falta de vergonha na cara. […] O povo sabe que o que está sendo votado aqui é escandaloso.” A discussão evidencia a polarização entre o argumento de proteger o exercício do mandato e a preocupação de não blindar a classe política de responsabilidades criminais.
A aprovação da PEC da Blindagem na Câmara e sua tramitação subsequente pelo Senado trarão, inevitavelmente, novas discussões sobre os limites da atuação parlamentar e o papel do sistema de Justiça. Este debate, alimentado por fatos históricos e projeções futuras, permanece essencial para a saúde democrática do país. Para acompanhar as próximas etapas e outros desdobramentos no cenário político nacional, continue explorando as análises aprofundadas em nossa editoria de Política.
Crédito das imagens: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados e Câmara dos Deputados.
Recomendo
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados