Crise política na França intensifica-se em setembro de 2025

Artigos Relacionados

📚 Continue Lendo

Mais artigos do nosso blog

A crise política na França atingiu um novo patamar de turbulência em setembro de 2025, transformando a nação em um foco de preocupação na Europa. A situação atual provocou, inclusive, reações irônicas na imprensa italiana, que fez piadas sobre o caos político francês nesta semana, um cenário atípico para um país tradicionalmente visto como uma das grandes potências do continente. Em um período inferior a dois anos, a França testemunhou a sucessão de cinco primeiros-ministros, um fato que supera até mesmo os tempos mais instáveis da política italiana pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945), sublinhando a gravidade do momento.

O cenário atual é agravado por um Parlamento francês reconfigurado, resultado da decisão do presidente Emmanuel Macron de convocar eleições antecipadas em julho de 2024. Desde então, a assembleia tem enfrentado desafios significativos para consolidar uma maioria estável, essencial para aprovar questões cruciais como o orçamento nacional. A instabilidade institucional somada a movimentos de contestação popular acende o alerta sobre o futuro da governabilidade do país, impactando diretamente a percepção internacional.

A França, que tem sido observada de perto pelos países vizinhos, enfrenta desafios de grandes proporções. Com a

crise política na França intensifica-se em setembro de 2025

em um ponto crítico, a necessidade de estabilidade e de soluções para a crescente dívida pública se torna ainda mais premente.

Greve Geral e Protestos Massivos Aprofundam Crise

A tensão social foi manifesta em uma greve geral realizada na quinta-feira, 19 de setembro de 2025, articulada por sindicatos contrários às propostas orçamentárias anteriormente apresentadas pelo governo. Milhares de trabalhadores se uniram à paralisação: enquanto os organizadores da greve estimaram a adesão de um milhão de pessoas, o Ministério do Interior francês contabilizou cerca de 500 mil participantes. Para conter os protestos, o Ministério mobilizou 80 mil policiais em todo o território nacional. Como resultado da escalada da insatisfação, mais de 300 indivíduos foram detidos em diferentes localidades francesas.

Este movimento paredista ocorre apenas uma semana após a posse de Sébastien Lecornu como primeiro-ministro. Lecornu, um aliado próximo de Macron, assumiu o cargo em sucessão ao governo de François Bayrou, que também havia sido indicado pelo atual presidente. A agilidade com que os chefes de governo se sucedem reflete a fragilidade da base política de Macron e a dificuldade em construir consenso, levando à humilhação do recém-destituído primeiro-ministro Bayrou, à sombra de uma dívida crescente e à perspectiva de socorro do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Dívida Pública Alerta para Futura Instabilidade

A situação econômica francesa também contribui significativamente para o quadro de crise. Estima-se que o custo do serviço da dívida pública neste ano seja de 67 bilhões de euros (equivalente a aproximadamente R$ 436,2 bilhões). Esse montante é superior aos orçamentos de todos os ministérios, com exceção da Educação e da Defesa, demonstrando a magnitude do problema financeiro do país. Projeções apontam que, até o final desta década, esse gasto poderá atingir a marca de 100 bilhões de euros anuais (cerca de R$ 652 bilhões), superando inclusive os investimentos nesses dois importantes setores.

O alarme financeiro foi acentuado na última sexta-feira, quando a agência de classificação de risco Fitch rebaixou a dívida francesa. Tal medida tem o potencial de elevar os custos de empréstimos para o governo, evidenciando as crescentes incertezas sobre a solidez financeira da nação e sua aptidão para honrar os compromissos. Com a agravação, a possibilidade de o país ter que recorrer, de “chapéu na mão”, a empréstimos do Fundo Monetário Internacional ou de necessitar da intervenção do Banco Central Europeu deixou de ser uma mera hipótese, e se tornou uma preocupação palpável. Este cenário desenrola-se em um contexto global de turbulência, marcado por conflitos na Europa, afastamento dos Estados Unidos e a ascensão ininterrupta do populismo global.

Para contextualizar melhor o rebaixamento de dívida e seus impactos, recomenda-se consultar as últimas análises no site oficial da Fitch Ratings.

Contestações Sociais e Opinião de Especialistas

Os protestos no país ganharam tração com a mobilização de diversos grupos. Na quarta-feira, 10 de setembro de 2025, houve uma manifestação nacional coordenada pelo movimento de extrema esquerda “Bloquons Tout” (Vamos Bloquear Tudo). Apesar de ter um impacto limitado, foi marcado por confrontos em vias públicas. Contudo, o verdadeiro teste de força ocorreu em 18 de setembro, com grandes atos organizados por sindicatos e partidos de esquerda em oposição aos planos do governo. Para o comentarista político Nicolas Baverez, “neste momento crítico, em que estão em jogo a própria soberania e liberdade da França e da Europa, o país se encontra paralisada pelo caos, pela impotência e pela dívida”. Em meio a tudo isso, o presidente Macron sustenta que é capaz de reverter a situação, embora restem apenas 18 meses para o término de seu segundo mandato.

Decisões Políticas Passadas e o Parlamento Dividido

A atual conjuntura crítica na França remonta à dissolução “desastrosa” da Assembleia Nacional pelo presidente Macron no início do verão de 2024. Longe de fortalecer sua base de governo, a medida resultou em um novo Parlamento dividido em três grandes blocos: centro, esquerda e extrema-direita. Essa fragmentação tornou a formação de um governo funcional quase impossível, visto que qualquer tentativa de um grupo se uniria aos outros dois para se opor.

Ao longo dos meses seguintes à dissolução, Michel Barnier e, posteriormente, François Bayrou, tentaram ocupar a posição de primeiros-ministros, mas ambos fracassaram diante da questão mais desafiadora da governança francesa: a gestão da arrecadação e dos gastos do Estado. Bayrou, um político centrista de 74 anos, elevou a dívida francesa – que ultrapassou 3 trilhões de euros (cerca de R$ 18,8 trilhões), ou aproximadamente 114% do Produto Interno Bruto (PIB) – ao centro do debate político. Ele propôs estabilizar os pagamentos através de um corte de 44 bilhões de euros (aproximadamente R$ 286,9 bilhões) no orçamento de 2026. A oposição, que incluía parlamentares de esquerda e extrema-direita, derrubou Bayrou em uma moção de confiança na semana anterior, enquanto pesquisas revelaram a impopularidade de suas ideias, como a proposta de suprimir dois feriados nacionais para custear o aumento no orçamento da Defesa.

Crise política na França intensifica-se em setembro de 2025 - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

A Tarefa Hercúlea de Lecornu e a Busca por Consenso

Após a remoção de François Bayrou, Emmanuel Macron agiu rapidamente, confiando a Sébastien Lecornu a tarefa de testar uma nova abordagem para o impasse político. Lecornu, de 39 anos e proveniente da Normandia, conhecido por seu tom moderado, consolidou-se como um confidente presidencial em encontros noturnos no Palácio do Eliseu. Em sua nomeação, Macron expressou confiança na possibilidade de “um acordo entre as forças políticas, respeitando as convicções de cada um”, e valoriza a lealdade de Lecornu, além de sua ausência de obsessão com o próprio futuro político.

Alinhados, conforme afirma o economista Philippe Aghion, que já foi assessor presidencial, “Macron e Lecornu são, essencialmente, um só”, o novo primeiro-ministro tem a missão de promover uma mudança na orientação política. A expectativa de Macron é que Lecornu se incline mais à direita e busque um acordo com a esquerda, especialmente com o Partido Socialista (PS). A legislação impõe que Lecornu apresente um Orçamento até meados de outubro, que deverá ser aprovado até o final do ano.

A única forma viável de sucesso, aritmeticamente, depende do apoio dos “moderados” à direita — os conservadores Republicanos (LR) — e à esquerda — os socialistas (PS) — ao bloco centrista de Lecornu. Contudo, essa equação apresenta um problema complexo: qualquer concessão feita a um lado tem o potencial de afastar o outro. Os socialistas, que se sentem fortalecidos, defendem uma redução menor da dívida, além de um imposto sobre empresários ultrarricos e a revogação da reforma da Previdência de 2023 de Macron, que elevou a idade de aposentadoria para 64 anos. Estas propostas, no entanto, são inaceitáveis para os Republicanos, de perfil pró-negócios, que já sinalizaram voto contrário a qualquer Orçamento que as contemple. A principal federação de empregadores, Medef (Movimento das Empresas da França), inclusive, prometeu “manifestações em massa” caso o governo aumente impostos em resposta ao impasse orçamentário.

A conjuntura atual agrava ainda mais a dificuldade da situação: a iminente saída de Macron torna improvável que qualquer um dos lados esteja disposto a ceder. Com eleições municipais em março e presidenciais em maio de 2027, partidos extremistas — como o Rassemblement National (RN), à direita, e La France Insoumise (LFI), à esquerda — aguardam qualquer sinal de comprometimento com o centro para taxar de “traidor” seus adversários. Além disso, existe a possibilidade de políticos relevantes buscarem reduzir ao mínimo o contato com a imagem do presidente Macron, cujo prestígio está em rápido declínio. O fracasso de Lecornu pode culminar em mais uma renúncia de primeiro-ministro ou, no cenário mais temido por Macron, uma nova dissolução do Parlamento que abra caminho para uma vitória do Rassemblement National, de Marine Le Pen, ou até mesmo à exigência da renúncia do próprio Macron.

Duas Vias: Otimismo ou Cenário Catastrófico?

Ao se debruçar sobre a França, alguns analistas adotam uma visão menos “catastrofista”, lembrando que o país já superou crises no passado e sempre conseguiu manter-se firme. Aspectos da França de Macron ainda são admirados, como aponta o ex-presidente dos Republicanos (LR), Jean-François Copé, que observa que “os fundamentos da economia francesa, incluindo o equilíbrio entre importações e exportações, continuam sólidos”. Copé ressalta que, embora o desemprego seja historicamente maior que no Reino Unido, “não há nada desastroso”, e o país apresenta “alto nível de criação de empresas e crescimento melhor que o da Alemanha”. Philippe Aghion, ex-assessor de Macron, compartilha desse otimismo, afirmando: “Não estamos prestes a afundar, como a Grécia”, e considera o alerta de Bayrou sobre a dívida “eficaz”.

No entanto, para outros especialistas, o dinamismo das relações globais torna essas observações excessivamente otimistas e, por vezes, complacentes. Philippe Dessertine, diretor do instituto de finanças da Universidade Sorbonne (IHFI), compara a situação a um dique: “Todos estão em cima dele, e continuam nos dizendo que é firme. Mas por baixo, o mar vai corroendo, até que um dia tudo desmorona de repente.” Segundo ele, essa será a triste realidade se nada for feito. Françoise Fressoz, do jornal Le Monde, acrescenta que “todos nós nos tornamos totalmente viciados em gastos públicos”, um método utilizado por governos de diferentes ideologias nos últimos cinquenta anos para “apagar os incêndios da insatisfação e comprar paz social”. Atualmente, segundo ela, há uma percepção de que “esse sistema já deu o que tinha que dar” e que “estamos no final do antigo Estado de bem-estar social. Mas ninguém quer pagar o preço ou enfrentar as reformas necessárias”.

A atual conjuntura na França é marcada pela convergência de múltiplas crises — política, econômica e social — tornando este período particularmente significativo. Na descrição do pesquisador Jérôme Fourquet, “é como uma peça incompreensível sendo encenada diante de um teatro vazio”, onde a seriedade da dívida pública é questionada por eleitores que, ou não acreditam em sua relevância, ou não compreendem por que deveriam arcar com seus custos. No centro deste vendaval, encontra-se um presidente que chegou ao poder em 2017 com a promessa de conciliar divergências ideológicas e sociais. Contudo, após os recentes reveses, Nicolas Baverez concluiu no jornal Le Figaro que “Emmanuel Macron é o verdadeiro alvo do desdém popular e assume inteira responsabilidade por este naufrágio”, e que, como todos os demagogos, ele “transformou nosso país em um campo de ruínas”.

Este complexo panorama demonstra que a crise na França não é apenas um problema doméstico, mas um fator que pode redefinir o equilíbrio político e econômico da Europa. Para aprofundar a sua compreensão sobre a dinâmica política em cenários de crise, continue explorando nossos conteúdos em Hora de Começar Política e fique por dentro das análises mais recentes.

Crédito da imagem: Reuters e EPA


Links Externos

🔗 Links Úteis

Recursos externos recomendados

Deixe um comentário

Share via
Share via