Anistia para Bolsonaro: impasses e negociações na Câmara

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O debate sobre a proposta de uma ampla anistia para Bolsonaro e outros indivíduos condenados por crimes contra a democracia ganha celeridade na Câmara dos Deputados, contudo, o destino da medida e o potencial benefício para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) permanecem cercados de incerteza. Enquanto uma ala parlamentar, majoritariamente alinhada ao bolsonarismo, busca um perdão extenso que possa inocentar o ex-presidente da prisão e reverter sua inegibilidade para a disputa eleitoral de 2026, a bancada de esquerda opõe forte resistência a qualquer tentativa de atenuar a condenação imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF), relacionada à acusação de liderança em uma tentativa de golpe de Estado.

Em meio a este complexo cenário, surge uma articulação liderada pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), que visa angariar apoio para uma proposição alternativa. Sua iniciativa foca na redução de penas, distanciando-se da ideia de um perdão completo para crimes cometidos. Importante destacar que Bolsonaro foi previamente condenado a uma pena superior a 27 anos de prisão por seu envolvimento nos eventos citados. O relator, escolhido por Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara, terá a responsabilidade de redigir o texto final, buscando consenso entre as diversas lideranças políticas.

Anistia para Bolsonaro: impasses e negociações na Câmara

A escolha de Paulinho da Força para esta função não foi aleatória; ele é reconhecido por seu trânsito no STF e por um perfil considerado mais independente no Congresso Nacional, mantendo distância tanto da base bolsonarista quanto da articulação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele já havia sinalizado publicamente a inviabilidade de uma anistia de alcance total, como pleiteiam Bolsonaro e seus apoiadores. A concepção de focar apenas na diminuição das sentenças, sem perdoar os atos ilícitos, encontra respaldo nas figuras de Hugo Motta, na Câmara, e de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente do Senado, sugerindo uma via mais conciliadora para a proposta.

Concomitantemente às negociações intramuros, movimentos sociais e personalidades artísticas, incluindo Anitta e Caetano Veloso, convocaram manifestações em diversas cidades do Brasil para o domingo (22/9). O propósito dos atos é veicular forte oposição a qualquer concessão de anistia. A mobilização se intensificou, também, como reação à recém-aprovada PEC da Blindagem na Câmara, uma emenda constitucional destinada a resguardar parlamentares de processos criminais. Este conjunto de eventos culmina em um “cabo de guerra” político sobre a anistia e a contestação social.

As negociações lideradas por Paulinho da Força e a busca por consenso

As ações de Paulinho da Força para construir um caminho intermediário começaram na noite de quinta-feira (18/9), em São Paulo, durante um jantar que reuniu o ex-presidente Michel Temer (MDB) e o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), que já presidiu a Câmara. Relatos de Paulinho ao portal Metrópoles indicam que, nesse encontro, Temer contatou os ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. A proximidade de Mendes com Temer, antiga amizade, e a indicação de Moraes ao STF em 2017, durante o período em que foi seu ministro da Justiça, demonstram a rede de contatos mobilizada.

Na sequência da reunião, o relator reiterou, em declarações proferidas na sexta-feira (20/9), a prioridade de uma proposta focada na redução das penalidades. “O projeto de lei que teve urgência aprovada não se tratava mais da anistia. Nós estamos tentando mudar o nome do PL, é um ‘PL da Dosimetria’. Ou seja, estamos tratando de um projeto de lei para reduzir penas”, explicou Paulinho da Força à rádio CBN. Essa abordagem visa diminuir a resistência no Supremo Tribunal Federal, onde a aprovação de uma anistia abrangente no Congresso provavelmente seria declarada inconstitucional pela maioria da Corte. Pelo menos seis ministros do STF – Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia – já expressaram posicionamento contrário a um perdão para crimes que atentam contra a democracia.

Rafael Cortez, cientista político da consultoria Tendências, observa que a conjuntura política favorece Paulinho da Força na construção de um acordo para uma alternativa mais branda à anistia. Para Cortez, a escolha do relator “ficou distante do governo [Lula] e que enxerga nas mudanças potenciais em São Paulo, dado a possibilidade do projeto [presidenciável] do governador Tarcísio, uma oportunidade de aumentar capital eleitoral”. Este movimento, na sua análise, reflete o desejo de uma porção da elite política de retomar o protagonismo no espectro antipetista, posição que foi outrora dominada por Bolsonaro. Paulinho da Força manifestou pressa em pautar a proposta, com a intenção de submetê-la à apreciação da Câmara até a próxima quarta-feira (24/9), programando reuniões com governadores e bancadas partidárias. Dentre os governadores já procurados estão aliados de Bolsonaro, como Tarcísio de Freitas (SP), Cláudio Castro (RJ), Ronaldo Caiado (GO) e Romeu Zema (MG), além de Helder Barbalho (PA), conhecido pelo bom diálogo com o atual governo federal.

A resistência no Senado e as divergências sobre o escopo da anistia

Caso a proposta de anistia ou de redução de pena avance na Câmara, ela precisará ser aprovada também pelo Senado Federal. O presidente da Casa, Davi Alcolumbre, tem se manifestado insatisfeito com as pressões do bloco bolsonarista e posiciona-se contra uma “anistia ampla”. Na quinta-feira, Alcolumbre afirmou já possuir uma proposta alternativa elaborada, embora não tenha revelado detalhes de seu conteúdo. “Vou esperar o que a Câmara vai decidir primeiro. O texto está pronto, mas vou esperar lá”, declarou, indicando que, se o tema não for resolvido, tomará uma decisão na semana seguinte.

Anistia para Bolsonaro: impasses e negociações na Câmara - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

A expectativa é que a versão de Alcolumbre foque apenas na redução de penas. Contudo, persiste a dúvida se sua proposta beneficiaria somente os envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023 ou se incluiria também aqueles condenados por liderar a tentativa golpista, como é o caso de Bolsonaro. Esta indefinição gera críticas. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) expressou seu descontentamento: “A anistia tem que ser pra todo mundo. Não dá pra anistiar a Débora do Batom sem anistiar também o Jair Bolsonaro. Sabe por quê? Porque eles estão respondendo pelos mesmos crimes”, disse durante um evento pela anistia no Rio de Janeiro, em 7 de setembro. Por sua vez, Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, lançou duras críticas a Alcolumbre na última sexta-feira, prometendo obstruir a pauta do Senado caso a proposta de anistia não seja votada. Ele afirma contar com o apoio de maioria dentro dos partidos PSD, PP, Republicanos e União Brasil, além de sua própria legenda. Valdemar ainda questionou a capacidade de reeleição de Alcolumbre na presidência do Senado, acusando-o de trabalhar para o Supremo em vez do Legislativo, e que pagaria caro por essa postura.

Rafael Cortez, da consultoria Tendências, antevê um possível terreno para o Senado aprovar a redução de penas, possivelmente em uma versão “mais suave”. “Acho que o governo vai tentar, contudo, manter o projeto sem referência ao núcleo decisório e mais para os ‘peixes pequenos'”, ponderou o cientista político. Tal abordagem, entretanto, apresenta riscos para o governo, podendo prolongar o impasse sobre a anistia. Cortez sublinha que o Executivo tem interesse em superar este tópico para fazer avançar seu “pacote” de reeleição no Congresso, que inclui, por exemplo, a elevação da isenção do Imposto de Renda para rendimentos de até R$ 5 mil mensais. O fator decisivo para a aprovação de qualquer benefício aos condenados dependerá “se o bolsonarismo aceita versão light e se o governo está disposto a pagar a conta para ter o pacote de reeleição”. Em entrevista exclusiva à BBC na quarta-feira, Lula já havia afirmado que vetaria uma proposta de anistia. Embora projetos de lei dependam da sanção ou veto presidencial, o Congresso detém a prerrogativa de derrubar um eventual veto.

O impacto dos atos populares contra a anistia

Atos contrários à anistia e à PEC da Blindagem estão agendados para este domingo (22/9) em várias capitais brasileiras, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Recife, Belém e Porto Alegre. A mobilização ganhou projeção com a confirmação de grandes nomes da música e da arte nacional, como Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil, que estão anunciados para se apresentar na manifestação programada para a tarde em Copacabana, Rio de Janeiro. Caetano Veloso, inclusive, convocou a população através de suas redes sociais: “A gente tem que ir pra rua, pra frente do Congresso, como já fizemos outras vezes”.

Pesquisas recentes revelam que a maioria da população brasileira se opõe à concessão de anistia. Dados do Datafolha da última semana indicam que 54% dos entrevistados são contrários ao perdão para Bolsonaro, enquanto 39% apoiam a medida. Paralelamente, a aprovação da PEC da Blindagem na Câmara gerou forte repercussão e críticas nas redes sociais, perpassando diferentes espectros políticos. No entanto, o cientista político Rafael Cortez avalia que a convocação para esses atos, claramente associada a setores da esquerda, pode ter um alcance limitado. Em sua visão, não se espera uma participação social ampla o suficiente para que a mobilização se converta em uma pressão política significativa além dos círculos já identificados com a esquerda. A complexidade do cenário político, somada à movimentação social, apenas realça a intensa polarização. A conjunção de forças no Legislativo sugere um cenário de complexas negociações, como ocorre frequentemente em temas de grande repercussão nacional no cenário político brasileiro, onde a ação do Supremo Tribunal Federal desempenha papel crucial.

Este embate em torno da anistia reflete a polarização política e as manobras legislativas que caracterizam o cenário atual. As negociações nos bastidores, a pressão do judiciário, as estratégias partidárias e a mobilização popular continuam a moldar o futuro do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros condenados por crimes contra a democracia. Para aprofundar a compreensão sobre os desenvolvimentos políticos recentes e os reflexos para o país, explore nossa seção de Política e fique por dentro das últimas notícias e análises.

Crédito da imagem: Agência Brasil


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