📚 Continue Lendo
Mais artigos do nosso blog
À medida que minúsculas partículas de plástico se disseminam pelos oceanos do planeta, formações naturais de algas marinhas, conhecidas como bolas de Netuno, têm uma função surpreendente: elas agem como filtros naturais, coletando microplásticos e subsequentemente os depositando nas praias costeiras. Este processo intrigante ocorre predominantemente no Mar Mediterrâneo, onde estas peculiares esferas fibrosas são encontradas em grande quantidade, atuando como um inesperado mecanismo de depuração marinha.
As formações de Posidonia oceanica, comumente denominadas “bolas de Netuno”, são aglomerados esféricos e densos de algas marinhas, amplamente distribuídos pelo leito do Mediterrâneo. Ao longo de séculos, a humanidade as utilizou de diversas formas, desde embalagens e forragens até materiais de isolamento para construções. Contudo, pesquisadores da renomada Universidade de Barcelona, na Espanha, fizeram uma descoberta significativa: essas estruturas esponjosas exercem, de forma espontânea, a importante tarefa de extrair resíduos plásticos do fundo oceânico, revelando um novo e crucial papel ambiental.
Bolas de Netuno Coletam Microplástico e o Devolvem às Praias
No ambiente marinho, os microplásticos – definidos como fragmentos de plástico com menos de 5 milímetros – surgem tipicamente da degradação de itens como sacolas plásticas, garrafas e redes de pesca abandonadas. A presença desses fragmentos não apenas contamina os ecossistemas, mas também pode acarretar sérios riscos à saúde humana, afetando sistemas biológicos variados, desde a integridade óssea e as funções cerebrais até o delicado equilíbrio hormonal.
Embora a maior parte da poluição por plástico tenha origem terrestre, os oceanos, e especificamente os vastos campos de algas marinhas, comportam-se como grandes sumidouros para esses resíduos. A professora Anna Sánchez-Vidal, autora principal do estudo espanhol, explica que as folhas de Posidonia oceanica têm um efeito notável sobre o fluxo da água, reduzindo sua velocidade. “Observa-se um decréscimo das correntes nas pradarias de algas marinhas”, ela esclarece, destacando que essa condição favorece a captura de carbono e sedimentos, além de propiciar um refúgio para a rica biodiversidade local. Paradoxalmente, esses dinâmicos ecossistemas subaquáticos também acumulam altas concentrações de partículas plásticas.
Anualmente, uma estimativa de 1,15 a 2,41 milhões de toneladas de plástico é carregada pelos rios e despejada no mar. Quando esses fluxos fluviais encontram áreas onde a Posidonia cresce abundantemente, parte desse material plástico acaba aprisionada e acumulada. No entanto, o destino final do plástico não se limita à retenção nas pradarias subaquáticas. Em cada outono, a Posidonia perde suas folhas. Esses cordões fibrosos, repletos de lignina – um polímero orgânico de alta resistência –, se entrelaçam de forma complexa, originando as densas bolas esféricas que dão nome ao fenômeno.
“No processo de movimento, essas bolas transportam o plástico que foi aprisionado em suas fibras”, afirma Sánchez-Vidal. Os cientistas calcularam que os vastos campos de algas marinhas do Mediterrâneo podem recolher aproximadamente 900 milhões de fragmentos de plástico por ano. Entre 2018 e 2019, a equipe de Sánchez-Vidal realizou exames minuciosos nas bolas de algas marinhas que foram naturalmente lançadas em quatro praias na ilha de Mallorca, Espanha, abrangendo as áreas de Sa Marina, Son Serra de Marina, Costa dels Pins e Es Peregons Petits.
Os resultados da investigação revelaram que em metade das amostras de folhas de algas marinhas soltas, foram encontrados fragmentos de plástico, chegando a cerca de 600 fragmentos por quilograma de folhas. Adicionalmente, embora apenas 17% das bolas de Netuno examinadas contivessem plástico, a quantidade de material encontrado nessas esferas era substancialmente maior, alcançando cerca de 1,5 mil pedaços por quilograma. Foi notado que as bolas com maior rigidez tendiam a ser mais eficazes na retenção do plástico. Após a publicação dos achados, a pesquisadora Anna Sánchez-Vidal relata ter recebido inúmeras imagens de “bolas de Netuno monstruosas”, contendo pedaços de plástico de tamanho maior e mais visíveis. Esses achados incluíam absorventes higiênicos, lenços umedecidos e outros objetos ricos em celulose que, devido à sua composição, afundam e são aprisionados pelas bolas.
O transporte das bolas até a linha costeira ocorre impulsionado por mares turbulentos, particularmente durante tempestades intensas e grandes variações de maré, que podem descolar as bolas de Netuno do leito oceânico, conforme explica Sánchez-Vidal. Algumas dessas bolas submergem para águas mais profundas, enquanto outras são carregadas em direção ao litoral. “É um modo pelo qual o oceano parece nos restituir o lixo que nunca deveria ter alcançado o seu leito”, pontua Sánchez-Vidal, utilizando uma metáfora. Para saber mais sobre o problema da poluição por microplásticos no Mediterrâneo, você pode consultar o relatório da Agência Europeia do Ambiente sobre lixo marinho.

Imagem: bbc.com
Entretanto, a cientista ressalta que as bolas de Netuno não constituem uma solução para o problema crônico da poluição plástica nos oceanos. “Em momento algum consideramos essas bolas como uma saída ou um meio eficaz para erradicar o lixo do mar”, pondera. Ela também faz um apelo para que qualquer pessoa que encontre essas bolas as mantenha onde estão, seja na praia ou na água. “As bolas de Netuno são importantes pois fornecem umidade e nutrientes essenciais para o ecossistema da praia”, ela explica. “Ao removê-las, estamos interrompendo este ecossistema que se forma na costa.”
Esta descoberta coincide com um período crítico de declínio global das pradarias de algas marinhas. Um estudo alarmante concluiu que a área total coberta por algas marinhas em todo o mundo encolheu 29% desde o final do século XIX. As causas desse encolhimento são multifacetadas, incluindo a deterioração da qualidade da água, o avanço do desenvolvimento costeiro, a proliferação de espécies invasoras e, significativamente, o aquecimento global com o consequente aumento das temperaturas dos oceanos e dos níveis do mar. No Mediterrâneo Oriental, a Posidonia oceanica enfrenta uma ameaça persistente e crescente decorrente das ondas de calor marinhas e da poluição industrial. Uma espécie aparentada na Austrália, a Posidonia australis, também registra declínio, apesar dos consideráveis esforços de conservação.
Em resposta a esse panorama, diversas iniciativas locais estão em andamento para reverter o declínio das algas marinhas, como a “Floresta Marinha da Red Eléctrica” na baía de Pollença, Espanha, e o projeto de ciência cidadã “Jardineiros de Posidonia”, atuante na Sicília, Itália, e em Malta. As pradarias de algas marinhas são ecossistemas cruciais, prestando serviços vitais: aprimoram a qualidade da água, absorvem dióxido de carbono, protegem as costas contra a erosão e funcionam como berçários e abrigos para uma vasta gama de espécies marinhas. Contudo, Sánchez-Vidal adverte: “Simplesmente plantar mais campos de algas marinhas em todas as partes para que atuem como filtros de plástico também não representa uma solução eficaz.”
Ela enfatiza que a verdadeira solução reside na origem do problema da poluição plástica. “É fundamental que simplesmente impeçamos que o plástico continue chegando ao mar, e isso implica, necessariamente, uma drástica redução em sua produção”, conclui a pesquisadora, destacando a necessidade urgente de ações na fonte.
Este fascinante fenômeno das “bolas de Netuno” sublinha a complexidade da interação entre a natureza e a ação humana. Compreender melhor esses mecanismos pode oferecer novas perspectivas sobre a resiliência dos nossos ecossistemas e a urgência de mudarmos nossos hábitos de consumo. Para continuar acompanhando as principais notícias e análises sobre o meio ambiente e outros temas relevantes, visite a seção de notícias do portal Hora de Começar.
Crédito, Getty Images
Recomendo
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados