Quem Governa o Estado Palestino Após Onda de Reconhecimentos?

noticias
Artigos Relacionados

📚 Continue Lendo

Mais artigos do nosso blog

Uma recente e expressiva onda de apoio internacional, materializada no reconhecimento formal de um Estado Palestino por diversas nações europeias e aliadas tradicionais de Israel, reacendeu o debate global sobre o futuro dos territórios palestinos. Em setembro de 2025, um evento notável foi o reconhecimento da Palestina como Estado pelo Reino Unido, Canadá, Austrália e Portugal, com a França seguindo a mesma medida. O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, oficializou a decisão do Reino Unido em 21 de setembro, reiterando o objetivo de manter viva a perspectiva de paz e uma solução de dois Estados, defendendo um Israel seguro e um Estado palestino viável, cenários que, segundo ele, ainda não são realidade.

Essas ações vieram na sequência de um apelo do diplomata palestino Husam Zomlot, que em um debate na Chatham House, em Londres, em setembro de 2025, caracterizou o momento como “a última tentativa real de implementar a solução de dois Estados”. À época, a Bélgica já havia sinalizado seu compromisso. As declarações de Zomlot sublinhavam a urgência e a relevância de tal reconhecimento no contexto da Assembleia Geral da ONU em Nova York.

Quem Governa o Estado Palestino Após Onda de Reconhecimentos?

Atualmente, cerca de 150 dos 193 Estados-mmembros da ONU, incluindo o Brasil, reconhecem a existência do Estado da Palestina. No entanto, o desafio central reside na sua intangibilidade prática: inexistem fronteiras, capital ou mesmo um Exército reconhecidos internacionalmente. Consequentemente, o impacto desse reconhecimento é, até o momento, majoritariamente simbólico. Apesar das críticas contundentes do governo israelense, das famílias dos reféns mantidos em Gaza e de alguns setores conservadores, que culminaram na afirmação do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de que um Estado palestino “não vai acontecer”, figuras como Xavier Abu Eid, ex-funcionário palestino, destacam o crescimento da força da Palestina no cenário internacional, com o mundo se mostrando cada vez mais mobilizado pela causa.

Contudo, a definição concreta do que constitui a Palestina gera questionamentos complexos. Conforme a Convenção de Montevidéu de 1933, são quatro os critérios fundamentais para a formação de um Estado. A Palestina preenche, em parte, dois deles: uma população permanente – embora ameaçada pelo conflito em Gaza – e a capacidade de estabelecer relações internacionais, exemplificada pela atuação do diplomata Husam Zomlot. Os critérios pendentes, contudo, são de ordem crucial. Há uma lacuna no que tange a um “território definido” e um “governo funcional”, tornando difícil determinar as fronteiras finais em um cenário sem um processo de paz ativo.

O Estado palestino idealizado pelos palestinos abrange Jerusalém Oriental, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, áreas que se encontram sob ocupação israelense desde a Guerra dos Seis Dias em 1967. A realidade geográfica agrava essa complexidade. Cisjordânia e Faixa de Gaza, separadas por Israel desde 1948, vivem contextos distintos. Na Cisjordânia, a presença militar israelense e os assentamentos de colonos limitam a Autoridade Palestina (AP) a aproximadamente 40% do território. Desde 1967, a expansão contínua desses assentamentos fragmentou a região, erodindo sua coesão política e econômica. Jerusalém Oriental, tida pelos palestinos como sua capital, viu-se cercada por assentamentos judaicos que a isolaram progressivamente da Cisjordânia. A situação em Gaza, após quase dois anos de intensos conflitos desde outubro de 2023, é ainda mais calamitosa, com grande parte de seu território em ruínas.

Para além das questões territoriais, o quarto critério da Convenção de Montevidéu – um governo funcional – apresenta-se como um dos maiores desafios contemporâneos para os palestinos. A Autoridade Nacional Palestina, estabelecida em 1994 a partir de um acordo entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), exerce controle parcial sobre os palestinos na Cisjordânia e Gaza. Entretanto, desde 2007, a divisão política é uma realidade. Após o confronto sangrento entre o Hamas e a facção Fatah da OLP, os palestinos foram divididos sob dois governos rivais: o Hamas na Faixa de Gaza e a Autoridade Palestina, reconhecida internacionalmente e presidida por Mahmoud Abbas, na Cisjordânia.

A separação geográfica de 77 anos e a divisão política de 18 anos acentuaram o distanciamento entre a Cisjordânia e Gaza. Esse cenário solidificou um ceticismo generalizado na população em relação à sua liderança e ao potencial de reconciliação interna, muito menos ao avanço em direção a um Estado. A última vez que palestinos votaram em eleições presidenciais ou parlamentares foi em 2006, o que significa que nenhum cidadão palestino com menos de 36 anos participou desses processos na Cisjordânia ou em Gaza. Diana Buttu, advogada palestina, ressalta a ininteligibilidade da ausência de eleições e a necessidade urgente de uma nova liderança. Com a eclosão da guerra em Gaza em outubro de 2023 e o imenso número de vítimas, a Autoridade Palestina, com sede na Cisjordânia, viu seu papel reduzido ao de uma espectadora incapaz de agir.

As tensões históricas na liderança palestina são profundas. Quando o então presidente da OLP, Yasser Arafat, retornou do exílio para chefiar a Autoridade Palestina, políticos locais se sentiram marginalizados pelo estilo autoritário dos “de fora”. Rumores de corrupção em seu círculo contribuíram para minar a imagem da AP. Mais grave ainda, a recém-formada Autoridade Palestina mostrou-se impotente para frear a colonização israelense com assentamentos na Cisjordânia ou para concretizar a promessa de soberania simbolizada pelo acordo entre Arafat e o premiê israelense Yitzhak Rabin em 1993. Os anos subsequentes foram marcados por negociações infrutíferas, a incessante expansão de assentamentos, episódios de violência extremista e o racha violento de 2007 entre Hamas e Fatah.

O historiador palestino Yezid Sayigh observa que, “em condições normais, novas figuras, novas gerações teriam surgido”, mas a fragmentação dos palestinos em territórios ocupados inviabilizou o surgimento e a união de novas lideranças. Nesse contexto desafiador, emergiu a figura de Marwan Barghouti. Nascido na Cisjordânia e filiado ao Fatah aos 15 anos, Barghouti ascendeu como um líder popular durante a Segunda Intifada palestina (2000-2005) antes de ser detido por Israel e acusado de organizar ataques que vitimaram cinco israelenses, acusações que ele consistentemente negou. Detido desde 2002, seu nome persiste como uma das opções mais frequentemente mencionadas para a futura liderança palestina, apesar de sua prisão prolongada.

Quem Governa o Estado Palestino Após Onda de Reconhecimentos? - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

Uma pesquisa recente do Palestinian Centre for Policy and Survey Research, na Cisjordânia, revelou que 50% dos palestinos escolheriam Barghouti como presidente, colocando-o muito à frente de Mahmoud Abbas, que está no cargo desde 2005. Apesar de ser um dirigente do Fatah, facção em conflito com o Hamas, Marwan Barghouti estaria entre os prisioneiros políticos que o grupo islâmico almeja libertar em troca dos reféns israelenses mantidos em Gaza. No entanto, Israel não demonstrou interesse em sua libertação. Uma aparição pública rara em agosto de 2025 mostrou Barghouti, 66 anos, em estado abatido, sendo hostilizado pelo ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben Gvir, em sua primeira aparição pública em anos.

A oposição veemente do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, à criação de um Estado palestino é anterior ao atual conflito em Gaza. Em fevereiro de 2024, Netanyahu afirmou ter “bloqueado o estabelecimento de um Estado palestino que colocaria nossa existência em risco” por décadas. Mesmo diante da pressão internacional para que a Autoridade Palestina reassuma o controle de Gaza, ele insiste que a AP não terá papel no futuro governo do território, alegando a não condenação de Mahmoud Abbas aos ataques do Hamas de 7 de outubro. Em agosto, a aprovação final de um projeto de assentamento por Israel, prevendo 3.400 moradias e a segmentação de Jerusalém Oriental da Cisjordânia, foi classificada pelo ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, como um plano que “enterraria a ideia de um Estado palestino”. O historiador Yezid Sayigh resume a situação afirmando que as condições de trabalho inviabilizam qualquer sucesso, independentemente da liderança. Você pode obter mais informações sobre o papel de organizações independentes na mediação de conflitos globais consultando as publicações do Chatham House.

Se um Estado palestino vier a ser formado, é certo que não será sob o governo do Hamas. Em julho, uma conferência conjunta de França e Arábia Saudita produziu a “Declaração de Nova York”, com apoio de todos os países árabes e de 142 membros da Assembleia-Geral da ONU, que exigiu que o Hamas “encerre seu governo em Gaza e entregue suas armas à Autoridade Palestina”. Em contrapartida, o Hamas expressou disposição de ceder sua autoridade em Gaza a uma administração independente composta por tecnocratas.

Com Marwan Barghouti na prisão, Abbas perto dos 90 anos, o Hamas debilitado e a Cisjordânia em estado de fragmentação, a ausência de liderança e coesão palestina é notória. Ainda assim, o reconhecimento internacional possui valor. A advogada Diana Buttu pondera que seu “valor é enorme”, mas sua eficácia depende das intenções e do porquê os países estão realizando esses reconhecimentos. Um oficial do governo britânico, em condição de anonimato, afirmou que o simbolismo puro não basta, sendo essencial progredir para que a Assembleia Geral da ONU “não se torne apenas uma festa de reconhecimento”.

A “Declaração de Nova York” vinculou os signatários, incluindo o Reino Unido, a “medidas concretas, com prazos definidos e irreversíveis, para a solução pacífica da questão da Palestina”. Autoridades britânicas mencionam pontos como a unificação de Gaza e Cisjordânia, o suporte à AP, eleições palestinas e um plano de reconstrução árabe para Gaza como passos essenciais após o reconhecimento. Os obstáculos permanecem, entretanto, imensos. Israel mantém-se irredutível e ameaça com retaliações, como a anexação formal de partes ou da totalidade da Cisjordânia. O ex-presidente dos EUA, Donald Trump, já manifestou discordância sobre o tema e os EUA, com poder de veto na ONU, tomaram medidas drásticas como revogar vistos de dezenas de autoridades palestinas em agosto de 2025. O “Plano Riviera” de Trump, que propõe uma “posição de propriedade de longo prazo” dos EUA sobre Gaza, não contempla a Autoridade Palestina e não prevê vínculo entre Gaza e Cisjordânia. O futuro de Gaza provavelmente emergirá de uma complexa interseção entre a Declaração de Nova York, o plano de Trump e a proposta árabe de reconstrução. No entanto, para palestinos como Diana Buttu, a prioridade máxima é o cessar da violência. Ela conclui: “O que eles precisam que esses países façam é interromper as mortes”.

A complexidade em torno da governança e do futuro do Estado Palestino exige uma compreensão aprofundada dos acontecimentos geopolíticos. Para continuar explorando análises sobre os desenvolvimentos políticos e econômicos da região, explore nossa editoria de Política e mantenha-se informado sobre os desdobramentos deste tema crucial.

Crédito, Getty Images


Links Externos

🔗 Links Úteis

Recursos externos recomendados

Deixe um comentário