Donald Trump e alegações sobre Paracetamol, Vacinas, Autismo

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As alegações recentes de Donald Trump sobre a ligação entre paracetamol, vacinas e autismo geraram intensa controvérsia e críticas contundentes da comunidade médica e científica. O ex-presidente dos Estados Unidos, em uma coletiva de imprensa acompanhada por seu secretário de Saúde, Robert F. Kennedy Jr., procurou estabelecer uma conexão entre o uso de medicamentos como o Tylenol (reconhecido no Brasil e Reino Unido como paracetamol) e o Transtorno do Espectro Autista (TEA), provocando uma série de reações adversas de especialistas globais.

Profissionais da área da saúde e instituições respeitadas prontamente contestaram as declarações. O Colégio Americano de Ginecologistas e Obstetras qualificou o anúncio como “preocupante” e enfaticamente “não baseado em dados confiáveis”. No Reino Unido, a Sociedade Nacional de Autismo rotulou as afirmações de Trump como “perigosas, contra a ciência e irresponsáveis”. Essas reações unificadas destacam a grande preocupação com a disseminação de informações equivocadas sobre temas tão cruciais para a saúde pública.

Donald Trump e alegações sobre Paracetamol, Vacinas, Autismo

Em sua explanação na Casa Branca, Donald Trump também manifestou a intenção de orientar médicos a não mais recomendar paracetamol a mulheres grávidas. Tais declarações, que carecem de embasamento em consensos científicos estabelecidos, foram alvo de verificação rigorosa pela BBC Verify, o setor de checagem de fatos da renomada emissora, que examinou detalhadamente as principais alegações apresentadas por Trump e Kennedy em público.

Análise do Aumento dos Diagnósticos de Autismo nos Estados Unidos

Durante o evento, Donald Trump apresentou diversas estatísticas que, segundo sua interpretação, demonstram um rápido crescimento dos diagnósticos de autismo nos Estados Unidos ao longo das últimas duas décadas. O ex-presidente mencionou um salto impressionante na incidência, alegando que passou de “um a cada 10 mil… provavelmente, 18 anos atrás” para “um a cada 31” em 2025. Ao submeter os dados à verificação, constatou-se que a estatística mais recente apresentada, de “um a cada 31”, está de fato correta. Dados de 2022 dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos indicam que essa é a taxa de diagnóstico entre crianças com oito anos de idade, observada em 16 Estados americanos pesquisados.

É inegável que os índices de autismo aumentaram consideravelmente ao longo dos últimos 18 anos. Contudo, a base numérica apresentada por Donald Trump para o período “18 anos atrás” (“um a cada 10 mil”) difere significativamente dos registros históricos. Embora não haja números exatos disponíveis para o ano de 2007, que foi o ponto de referência temporal mencionado por Trump, em 2006, o CDC estimava que a incidência de autismo entre a população dos Estados Unidos era de 1 a cada 110 pessoas. Em 2008, esse número foi revisado para 1 a cada 88 indivíduos.

A maioria dos especialistas na área da saúde atribui o crescimento dos índices de autismo a múltiplos fatores, como as constantes melhorias e mudanças nas metodologias de diagnóstico da condição, o aumento do reconhecimento dos sintomas em idades mais precoces e o maior número de indivíduos que são submetidos a exames específicos. Portanto, o aumento relatado reflete primariamente uma maior e mais eficaz capacidade de identificação de casos, e não necessariamente um incremento na ocorrência real da condição.

Donald Trump ainda apontou a Califórnia como um Estado com um “problema mais grave” em relação ao autismo, comparado a outras localidades pesquisadas pelo CDC. De fato, a agência estimou que, em 2022, aproximadamente 1 a cada 12 meninos de oito anos na Califórnia tinha autismo – o que representa o índice mais elevado entre os meninos estudados em 16 Estados. Entretanto, os CDC ressaltam que o Estado da Califórnia mantém uma iniciativa local robusta, treinando centenas de pediatras para “selecionar e encaminhar as crianças para avaliação o mais cedo possível, o que poderá resultar em maior identificação” de casos do Transtorno do Espectro Autista.

O Mito das Vacinas e Autismo: Desmistificando a Vacina Tríplice Viral

Outra afirmação de Donald Trump que gerou controvérsia diz respeito aos efeitos da vacina tríplice viral, que confere proteção contra caxumba, sarampo e rubéola. O ex-presidente americano defendeu que a vacinação “deveria ser separada”, e não combinada em uma única aplicação. De acordo com suas palavras, “parece que, quando você as mistura, pode surgir um problema”. Tais declarações levantaram severos receios de que a desinformação possa levar pais a interromperem ou atrasarem a vacinação de seus filhos, o que eleva significativamente o risco de ressurgimento de doenças já controladas, como o sarampo.

A ideia, há muito refutada pela ciência, de que as vacinas infantis estariam de alguma forma ligadas ao autismo, ganhou proeminência pela primeira vez em 1998, com a publicação de um artigo na revista médica The Lancet. Este trabalho foi assinado pelo médico britânico Andrew Wakefield. Posteriormente, foi descoberto que Wakefield possuía significativos conflitos de interesse, incluindo a relação de alguns dos participantes do teste com uma ação judicial em andamento contra empresas produtoras de vacinas. O Conselho Médico Geral do Reino Unido (GMC) concluiu que Wakefield falsificou os resultados de sua pesquisa, levando ao recolhimento do documento da pesquisa da revista e ao subsequente cancelamento de seu registro profissional em 2010.

Desde o episódio Wakefield, diversos estudos extensivos, de alta qualidade e com rigor metodológico, foram conduzidos ao redor do mundo para investigar a suposta relação entre a vacina tríplice viral e o autismo. Nenhum deles encontrou qualquer conexão estatisticamente ou cientificamente relevante. Um dos mais recentes e abrangentes é um estudo dinamarquês de 2019, que analisou a saúde de 657.461 crianças e concluiu categoricamente que os dados disponíveis não sustentam a hipótese de que a vacina tríplice viral possa causar ou despertar o autismo.

No seu site oficial, o CDC dos Estados Unidos recomenda que as crianças recebam duas doses da vacina tríplice viral, sendo a primeira dose entre 12 e 15 meses de idade e a segunda dose entre quatro e seis anos. No Brasil, o Ministério da Saúde orienta a administração da primeira dose da tríplice viral para crianças com 12 meses de idade. Já a segunda dose é recomendada aos 15 meses, e é administrada por meio da vacina tetraviral, que, além de reforçar a proteção contra sarampo, caxumba e rubéola (configurando a segunda dose da tríplice viral), inclui também a primeira dose contra a varicela (catapora).

Donald Trump e alegações sobre Paracetamol, Vacinas, Autismo - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

É crucial ressaltar o contexto atual da saúde pública: nos Estados Unidos, o ano corrente registrou o maior índice de casos de sarampo em mais de três décadas, com 1.491 casos confirmados e três óbitos até o momento, segundo dados do CDC. O governo britânico, por sua vez, reitera enfaticamente que “não há evidências” que justifiquem a separação das vacinas em doses múltiplas, alertando que qualquer decisão nesse sentido “seria experimental”.

O professor de saúde infantil David Elliman, do University College de Londres, reforçou a falta de provas de que o cronograma atual de imunização nos Estados Unidos seja prejudicial ou que a administração da vacina tríplice viral seja insegura. Ele também lembrou que o próprio artigo original de Wakefield, apesar da enorme polêmica, não provou uma relação causal, mas apenas sugeriu a necessidade de novas pesquisas. Essas pesquisas, quando foram devidamente realizadas, não encontraram nenhuma evidência da alegada relação. Especialistas adicionam que espaçar as aplicações de vacinas aumenta a vulnerabilidade das crianças a contrair doenças no período entre as doses e o risco de que percam a imunização completa devido à complexidade de múltiplas visitas.

Comunidades Isoladas: Amish, Cuba e a Incidência de Autismo

Outra observação de Donald Trump, igualmente desprovida de qualquer evidência factual, mencionou os grupos amish nos Estados Unidos como uma comunidade que “virtualmente não tem autismo”. Trump sugeriu que essa suposta baixíssima taxa estaria intrinsecamente relacionada aos hábitos de vida desse grupo, caracterizado por um reduzido uso de Tylenol e uma menor aderência à vacinação, dado que os amish frequentemente evitam muitos aspectos da vida moderna e de produtos farmacêuticos industrializados.

No entanto, existem pouquíssimos estudos detalhados e abrangentes sobre a verdadeira incidência de autismo na comunidade amish. É relevante considerar que o diagnóstico de autismo muitas vezes ocorre no ambiente escolar, e a maioria das crianças amish deixa o sistema de ensino formal após o oitavo ano, por volta dos 14 anos de idade. A professora de neurociências cognitivas Eva Loth, do King’s College de Londres, afirmou ser “muito, muito improvável que não existam pessoas autistas entre os amish”, levantando questionamentos sobre a amplitude e a metodologia dos estudos populacionais realizados com os amish, bem como a sua propensão a buscar diagnóstico formal para a condição.

Um estudo realizado em 2010 por um grupo de geneticistas observou que o autismo afetava aproximadamente uma a cada 271 crianças amish. Esta pesquisa analisou 1.899 crianças em duas comunidades amish grandes nos Estados de Ohio e Indiana. Contudo, é crucial notar a limitação das pesquisas sobre este tema e, de maneira mais importante, a completa ausência de estudos que liguem diretamente baixas taxas de imunização ou uso de paracetamol à incidência de autismo em grupos específicos como o amish. De forma semelhante, Donald Trump fez afirmações sobre uma suposta baixa taxa de autismo em Cuba, associando-a ao escasso abastecimento de Tylenol na ilha. Novamente, tais declarações foram feitas sem apresentar bases sólidas ou evidências para tal avaliação. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a “incidência de autismo, em muitos países de baixa e média renda, é desconhecida”, evidenciando a carência de dados oficiais que pudessem fundamentar as alegações de Trump.

O Histórico de Donald Trump em Relação ao Autismo e Vacinas

Donald Trump tem expressado, de forma intermitente, sua preocupação com o aumento da incidência de autismo entre crianças americanas há quase duas décadas. Em 2007, ele articulou publicamente pela primeira vez sua crença em uma possível ligação entre vacinas e o crescimento dos casos de autismo. Seu interesse pelo trabalho de Robert F. Kennedy Jr. data, no mínimo, de 2017, ano em que o então secretário da Saúde afirmou que Trump o havia convidado para liderar uma força-tarefa sobre a segurança das vacinas.

Sete anos após esses eventos, Kennedy retirou sua candidatura à Presidência dos Estados Unidos – onde obtinha cerca de 5% nas pesquisas eleitorais – para expressar seu apoio a Donald Trump. Durante o período de campanha eleitoral, uma gravação vazou, mostrando Trump tentando convencer Kennedy a se juntar à sua chapa. Nessa ocasião, ambos foram ouvidos discutindo afirmações já desmentidas pela comunidade científica sobre os riscos à saúde relacionados às vacinas na infância. Após a eleição, Trump designou Kennedy para liderar o Departamento de Saúde e Serviços Humanos, com a missão declarada de “tornar a América saudável novamente”.

Contudo, durante seu primeiro mandato, a postura de Donald Trump foi, em alguns momentos, de apoio explícito às campanhas de vacinação. Durante um surto de sarampo ocorrido nos Estados Unidos em 2019, ele declarou enfaticamente que as pessoas “precisam tomar vacina. A vacinação é muito importante”. Além disso, foi sob a sua administração que se deu o rápido desenvolvimento e os primeiros lançamentos das vacinas contra a covid-19, em uma ação considerada histórica na saúde pública.

A controvérsia em torno das declarações de Donald Trump sobre o paracetamol, vacinas e autismo reflete um desafio contínuo para a sociedade e para a comunicação em saúde: a distinção clara entre alegações sem embasamento e a sólida ciência. Manter-se informado com base em fontes credíveis e factuais é fundamental para a saúde pública e para decisões individuais bem fundamentadas. Para acompanhar mais notícias e análises aprofundadas sobre temas relevantes para o país e o mundo, com foco na precisão e no jornalismo de qualidade, continue explorando nossa editoria de Política e saúde pública.

Crédito, Reuters / Getty Images


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