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Um levantamento inédito realizado pelo Sindifisco Nacional, que representa os auditores-fiscais da Receita Federal, aponta que os super-ricos pagam menos Imposto de Renda (IR) que a classe média no Brasil. Desde 2009, contribuintes com ganhos milionários têm uma carga tributária proporcionalmente inferior, uma tendência que se intensificou ao longo das últimas duas décadas, com a alíquota de IR dos mais abastados recuando quase 40% entre 2007 e 2023.
A disparidade é atribuída principalmente aos lucros distribuídos por empresas a acionistas, conhecidos como dividendos, que estão isentos de tributação no país desde 1996. Enquanto isso, a classe média tem enfrentado um aumento progressivo na sua carga fiscal devido ao congelamento da tabela do IR, que não acompanha a inflação. O contraste resulta numa situação em que milionários, com ganhos mensais acima de 320 salários mínimos, chegam a pagar menos da metade do IR efetivo da classe média, uma diferença que tem se acentuado a cada ano.
Frente a essa realidade, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) encaminhou uma reforma do Imposto de Renda que busca alterar este panorama. A proposta inclui a criação de um imposto mínimo de até 10% para contribuintes de alta renda e a elevação do limite de isenção do IR para rendas mensais de até R$ 5 mil. O projeto tem votação prevista na Câmara dos Deputados para esta quarta-feira (1/10).
Como a Desigualdade na Tributação do IR se Intensificou
O estudo do Sindifisco, cujos detalhes foram disponibilizados à BBC News Brasil, utiliza dados da Receita Federal para calcular a alíquota efetiva média do imposto pago por diferentes faixas de renda de 2007 a 2023. A alíquota efetiva representa o percentual real da renda total que é destinado ao IR, evidenciando que, mesmo contribuindo com valores absolutos maiores, os super-ricos perdem uma parcela menor de seus ganhos globais.
Em 2023, indivíduos com rendimentos anuais acima de R$ 5,068 milhões (equivalente a mais de 320 salários mínimos mensais) pagaram uma alíquota efetiva média de apenas 4,34%. Em contrapartida, brasileiros na faixa de renda entre 5 e 30 salários mínimos mensais (com ganhos anuais de R$ 79,2 mil a R$ 475,2 mil em 2023) foram tributados em média 9,85%. Essa disparidade se torna ainda mais evidente ao recordar que, em 2007, as alíquotas efetivas dos dois grupos eram próximas, com os mais ricos contribuindo com 6,9% e a classe média com 6,3%.
O salário mínimo em 2007, de R$ 380, implicava que uma renda de 320 salários mínimos na época equivaleria a cerca de R$ 1,459 milhão anual, que, ajustado pela inflação, seria próximo de R$ 4 milhões hoje. Para o grupo intermediário (5 a 30 salários mínimos), os valores de 2007 corresponderiam a ganhos anuais entre R$ 61 mil e R$ 370 mil na cotação atual, refletindo o impacto da defasagem na percepção do poder de compra.
O presidente do Sindifisco Nacional, auditor fiscal Dão Real, explica que a redução da alíquota efetiva para os milionários deve-se ao aumento da parcela de sua renda que não é tributada. Em grande parte, isso ocorre pela crescente participação de lucros e dividendos. Este fenômeno se intensificou pós-pandemia, com lucros e dividendos crescendo 43% entre 2020 e 2023, superando o crescimento de 31% nas rendas totais. Essa realidade permite que uma porção maior dos rendimentos dos mais ricos permaneça isenta.
Na outra ponta, o congelamento da tabela do Imposto de Renda é apontado como o principal fator para o aumento da alíquota efetiva para a classe média e rendas mais baixas. Com reajustes salariais anuais que buscam compensar a inflação, os trabalhadores acabam subindo de faixa de contribuição, passando a pagar mais IR, mesmo sem um ganho real no poder de compra. A tabela, que mantém seus valores desde 2015, possui cinco faixas de renda após a isenção, com alíquotas progressivas que vão de 7,5% a 27,5% para ganhos mensais acima de R$ 4.664,68. Para mais informações sobre a tributação de Imposto de Renda no Brasil, acesse o portal oficial do governo sobre Meu Imposto de Renda.
Proposta do Governo Lula para a Reforma do Imposto de Renda
Atualmente, o limite legal de isenção do IR para todos os brasileiros é de R$ 2.259. Entretanto, um “desconto simplificado” implementado pelo governo Lula desde 2023 já garante, na prática, a isenção para quem recebe até dois salários mínimos (R$ 3.036).

Imagem: bbc.com
A proposta de reforma enviada pelo presidente ao Congresso Nacional em março visa ampliar a isenção para rendimentos de até R$ 5 mil e reduzir a tributação para aqueles que ganham entre R$ 5 mil e R$ 7,350 mil (valor ajustado pela comissão especial da Câmara). Para equilibrar a perda de arrecadação resultante dessas mudanças, o projeto institui um imposto mínimo progressivo de até 10% para contribuintes com rendimentos anuais a partir de R$ 600 mil (R$ 50 mil mensais), com a alíquota máxima incidindo sobre ganhos superiores a R$ 1,2 milhão por ano.
O mecanismo proposto funciona da seguinte forma: contribuintes com renda anual a partir de R$ 1,2 milhão que, após o cálculo anual, constatem que pagaram menos de 10% de sua renda total em IR, terão de recolher a diferença. Se já tiverem contribuído com um valor superior a 10%, nenhuma cobrança adicional será realizada.
Embora Dão Real, presidente do Sindifisco, considere que a reforma do governo resolve “parcialmente” as distorções tributárias, ele observa que a classe média continuaria pagando uma alíquota semelhante à dos ricos. Contudo, ele enfatiza o mérito da proposta em interromper a escalada do IR sobre os contribuintes de menor renda, uma elevação que também era consequência do congelamento da tabela. O Sindifisco defende uma reforma ainda mais ambiciosa, com a correção integral da tabela do IR pela inflação e um imposto mínimo de até 15% sobre os super-ricos, visando uma desoneração maior para rendas intermediárias.
Em 2023, a alíquota efetiva média dos declarantes com renda de até 5 salários mínimos alcançou 2,66%, um valor cerca de 12 vezes superior ao de 2007 (0,22%). A aprovação da isenção para rendas até R$ 5 mil e a redução para as que chegam a R$ 7.350 devem promover uma queda significativa na alíquota média dos que ganham até 5 salários mínimos (atualmente R$ 7.590). Em resumo, a reforma proposta impacta ambos os extremos da pirâmide de renda: diminui a alíquota efetiva dos rendimentos mais baixos e aumenta a dos mais elevados. Apesar das resistências políticas ao imposto mínimo de 10%, a pauta reflete a urgência de debates sobre a equidade fiscal no Brasil.
O estudo do Sindifisco ilumina a profunda desigualdade na tributação do Imposto de Renda, onde os super-ricos beneficiam-se de isenções em dividendos, enquanto a classe média e as rendas mais baixas sofrem com a tabela defasada. A proposta de reforma do governo Lula representa um passo inicial para mitigar essas distorções, mesmo enfrentando desafios para sua implementação integral. Continue acompanhando nossas análises sobre o cenário econômico e as políticas fiscais em nossa editoria de Economia.
Crédito: vergani_fotografia/ GETTY; Reuters
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