Imigrantes Brasileiros Massachusetts Criam Táticas Anti-ICE

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A comunidade de imigrantes brasileiros em Massachusetts tem mobilizado grupos de WhatsApp e até mesmo drones em uma resposta estratégica e inovadora às operações de fiscalização do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE), carinhosamente apelidado de “gelo” pelos imigrantes. A partir do primeiro fim de semana de setembro, celulares do mineiro Júnior e da mato-grossense Lorena fervilharam com alertas constantes sobre a presença e as ações do ICE no estado norte-americano, que detém a maior concentração de brasileiros no exterior – estimativas não oficiais indicam mais de 300 mil, contra os 150 mil registrados oficialmente, conforme dados do Instituto Diáspora Brasil.

Esta intensa movimentação na comunidade teve início com a Operação Patriot 2.0, deflagrada pelo governo Donald Trump em 6 de setembro, focando precisamente em Massachusetts, um estado de inclinação democrata. O comunicado emitido pelo Departamento de Segurança Interna (DHS) não deixou dúvidas sobre a postura federal: “Se você vier ao nosso país ilegalmente e violar nossas leis, nós vamos caçá-lo, prendê-lo, deportá-lo, e você nunca mais voltará”, declarava a nota oficial. A expectativa era de que esta ofensiva de caráter ampliado perdurasse por “semanas” após um período de relativa calmaria na área metropolitana de Boston, onde se encontram cidades com forte presença brasileira, como Framingham e Milford.

Imigrantes Brasileiros em Massachusetts Intensificam Redes de Alerta

Ao contrário dos primeiros meses da administração Trump, quando muitos na comunidade acreditavam que as ações do ICE se limitariam a “criminosos”, a Operação Patriot 2.0 solidificou a certeza entre os brasileiros de que qualquer pessoa indocumentada poderia ser alvo de detenção. Essa percepção impulsionou a ativação e a expansão de grupos de WhatsApp, que reúnem milhares de imigrantes em Massachusetts e servem como plataformas vitais de comunicação para os que não possuem documentos regulares. A equipe da BBC News Brasil acompanhou esses grupos, observando a profunda alteração de rotinas e o sentimento generalizado de apreensão que se instaurou na comunidade brasileira.

A dinâmica desses grupos é intensa, com milhares de mensagens diárias. As manhãs costumam iniciar com informações precisas sobre blitzes do ICE pelo estado, frequentemente acompanhadas de imagens de detidos e de veículos abandonados em vias públicas, na esperança de que algum familiar identifique as pessoas envolvidas. Lorena Betts, de 37 anos, fundadora de uma rede de voluntários dedicada a documentar e filmar prisões, relatou o aumento preocupante de casos de indivíduos que “simplesmente desapareceram” após serem detidos. Residente legal nos EUA após casamento e atualmente candidata a deputada democrata em Massachusetts, Lorena enfatiza que essas plataformas são “ferramenta essencial da comunicação imigrante”, ajudando a rastrear detidos que são frequentemente transferidos para outras localidades, como Nova York ou Louisiana, onde, segundo ela, os juízes tendem a proferir sentenças mais severas. Além dos alertas, os grupos são um espaço para compartilhar angústias e dicas sobre como proceder diante do cerco migratório, como evitar sair com os filhos ou falar português em público.

A Estratégia de Júnior: Informação Precoce e Disfarces do ICE

Júnior, de 27 anos, originário de Caratinga (MG) e entregador por aplicativo na região de Lowell, é o administrador e fundador de um dos grupos observados pela BBC News Brasil. Ele revelou que, desde o lançamento da Operação Patriot 2.0, as mensagens com alertas começam invariavelmente às 5h da manhã. “É o horário que os agentes estão se reunindo, então o grupo já começa a pipocar com notícias”, explica. Júnior criou o grupo há três anos, quando Trump reassumiu a presidência, com o objetivo de construir uma rede de informações focada na imigração. Ele destaca a importância de compartilhar detalhes como vídeos de veículos e placas de agentes, já que carros do ICE frequentemente operam disfarçados. Contudo, o mineiro alerta para o risco de desinformação e pistas falsas que também circulam nos chats.

A Operação Patriot 2.0 é amplamente percebida como uma resposta direta do governo Trump à prefeita democrata de Boston, Michelle Wu. Boston, classificada como uma “cidade-santuário”, adota a política de não colaborar com as agências federais na repressão a imigrantes, postura que Wu defendeu publicamente contra as incursões migratórias. “Se Boston não proteger seus cidadãos contra crimes cometidos por imigrantes ilegais, este Departamento de Justiça o fará”, declarou o governo ao lançar a operação, a terceira onda de ações do ICE no estado, após avanços em março e maio. Donald Trump construiu sua plataforma eleitoral prometendo conter a imigração ilegal e deportar pessoas sem documentos, usando retórica como a de que a imigração “envenenaria o sangue” do país e “tomaria vagas de emprego” de cidadãos, além de sobrecarregar os serviços públicos. Críticos e organizações defensoras dos direitos civis denunciam que as políticas da Casa Branca violam direitos constitucionais.

Os números refletem a intensidade da política migratória de Trump. Segundo dados do Departamento de Segurança Interna (DHS), órgão governamental de referência nos EUA (consulte o site oficial do DHS para mais informações), 400 mil indivíduos já foram deportados desde que Trump retornou à Casa Branca, um total que abrange tanto os detidos internamente quanto os barrados nas fronteiras. Desse montante, cerca de 2 mil imigrantes foram repatriados ao Brasil em voos de deportação a partir de fevereiro. Atualmente, há aproximadamente 60 mil imigrantes detidos em centros de detenção, um recorde se comparado aos 39 mil do início da presidência de Trump, com o governo almejando prender 3 mil imigrantes por dia. Essa política também resultou em uma queda de 92% no número de imigrantes que conseguem cruzar ilegalmente a fronteira com o México, comparado ao ano anterior, conforme dados do governo americano. A BBC News Brasil buscou informações junto ao ICE sobre as detenções específicas de brasileiros em Massachusetts, mas não obteve resposta.

O Monitoramento Aéreo: Drones na Vigia Contra o ICE

Na terceira semana de setembro, a mobilização da comunidade brasileira ganhou um novo e sofisticado elemento: drones. Mensagens provenientes de um condomínio conhecido por abrigar imigrantes brasileiros no noroeste de Boston mostravam fotos e vídeos de carros do ICE bloqueando as saídas e até mesmo o estacionamento do complexo de edifícios. Durante dois dias, relatos de moradores davam conta de que se sentiam encurralados, receosos de deixar suas casas. Em 16 de setembro, um vídeo com imagens aéreas do condomínio circulou, revelando que os próprios moradores haviam colocado um drone no ar. A estratégia era aproximar a câmera de veículos suspeitos para verificar a presença de agentes do ICE. Nos EUA, drones com peso inferior a 250 gramas e destinados a “voo recreativo” não exigem registro de permissão, mas há uma altura máxima de 120 metros a ser respeitada. Não foi possível confirmar se os moradores seguiram essas regulamentações.

O temor e a incerteza geraram uma máxima entre os imigrantes nos grupos: o único lugar seguro é dentro de casa. Uma mensagem animada, bastante compartilhada, clamava para que as pessoas não saíssem para trabalhar. “Uma semana ou duas sem trabalhar vai te deixar rico? Qual seria melhor, perder o trabalho e depois consegue outro ou ficar meses trancados em detenção longe dos filhos?”, dizia o cartaz. É importante notar que, sem um mandado assinado por um juiz, agentes do ICE não podem adentrar residências. Eles geralmente portam um mandado administrativo quando procuram alguém específico, permitindo a prisão dessa pessoa em locais públicos. Além disso, podem abordar e deter indivíduos que considerem “suspeitos” caso encontrem irregularidades.

Imigrantes Brasileiros Massachusetts Criam Táticas Anti-ICE - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

Um marco legal relevante ocorreu em 8 de setembro, quando a Suprema Corte dos EUA autorizou o governo Trump a abordar e deter imigrantes com base em critérios como raça ou idioma. Isso significa que, por exemplo, o sotaque latino ao falar inglês já pode ser suficiente para uma abordagem do ICE, classificando a pessoa como “suspeita”. Esta decisão judicial, combinada com a nova operação em Massachusetts, foi vista pela comunidade como uma “carta branca” para as detenções, intensificando a mudança de comportamento.

Em meio a esse cenário, estratégias de autodefesa surgiram. Uma mulher, por exemplo, enviou um vídeo com dicas para aprender a linguagem de sinais, pedindo aos participantes do chat para “nada de falar mais”. Outra imigrante aconselhou os brasileiros a se tornarem “americanizados”, sugerindo não levar crianças que falem português para a rua, usar óculos escuros e até colar um adesivo de apoiador de Trump no carro. Júnior, a partir das informações recebidas nos grupos, avalia que o ICE age muitas vezes sem se prender estritamente aos mandados, agindo de forma “prende e depois pergunta”.

Medos Pessoais e Redes de Suporte Voluntárias

Mesmo em processo de obtenção do green card por um visto U (dado a vítimas de crimes em solo americano), herdado da mãe, Júnior expressa apreensão com a situação. Ele teme pela namorada e pelo filho dela, ambos brasileiros vivendo ilegalmente. “Se veem que fala inglês mal, te pegam na hora, não quer nem saber se você é cidadão, se tem green card”, relata o brasileiro. Apesar do medo, Júnior não cogita retornar ao Brasil, onde, durante férias no ano passado, foi assaltado. Ele reconhece, contudo, a dificuldade de manter um monitoramento eficaz: “Eles são muito rápidos, em quatro minutos já prendem e somem do lugar”.

Em contraste, operam redes de voluntários como a LUCE, composta por diversas organizações comunitárias em Massachusetts. O grupo é acionado por ligações de imigrantes que denunciam possíveis ações do ICE, enviando pessoas para verificar e confirmar as informações. A LUCE também implementou uma linha para imigrantes que não falam inglês ou têm receio de buscar as autoridades locais em casos de violação de direitos básicos ou abordagens violentas. Lorena Betts, responsável pelo braço português da LUCE e com 15 anos de vivência nos EUA (chegou ao país como au pair e atuou como intérprete em tribunais), descreve o trabalho do grupo: “Não vamos interferir no trabalho policial, só exercitar o direito constitucional de documentar”. Os voluntários vão aos locais com telefones para filmar e, se encontram ruas vazias, abordam moradores para reconstituir eventos ou coletar imagens de câmeras de segurança. Eles também encaminham imigrantes para advogados e oferecem auxílio com compras de supermercado para famílias que perderam renda ou membros presos. As comunicações da LUCE ocorrem em seus próprios grupos de WhatsApp ou em chats públicos, como os de igrejas. À medida que setembro se encerrava, a Operação Patriot 2.0 não dava sinais de conclusão em Massachusetts, gerando esperança entre os brasileiros de que ela não se prolongaria em outubro.

A situação dos imigrantes brasileiros em Massachusetts destaca a resiliência e a capacidade de organização da comunidade em face de políticas migratórias desafiadoras. Para continuar acompanhando as notícias sobre temas de relevância social e as repercussões das políticas internacionais em solo nacional, confira mais artigos em nossa seção de Cidades.

Crédito: Reprodução


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