📚 Continue Lendo
Mais artigos do nosso blog
A gestão de Javier Milei tem enfrentado sua fase mais desafiadora desde que o presidente assumiu o poder na Argentina em dezembro de 2023. Uma série de reveses, que incluem uma recente derrota legislativa em sua principal província, sinais de declínio em sua popularidade, denúncias de corrupção envolvendo sua irmã, renovadas inquietações econômicas e conflitos contínuos com o Congresso, configuram um período de intensa turbulência para o líder argentino. Observadores e analistas de diversas correntes políticas descrevem o cenário atual como os “piores dias” de seu mandato, com o “inferno astral” do mandatário, que completará 55 anos em 22 de outubro, tendo se iniciado em agosto.
Desde então, uma cascata de eventos tem contribuído para a erosão da imagem presidencial e a complexidade de sua governabilidade. Os desafios não se limitam apenas à esfera política, mas reverberam fortemente na economia e na percepção pública, pondo à prova as bases de seu discurso anticorrupção e pró-Estado mínimo que o catapultaram ao poder. O embate com as forças tradicionais, a oposição e os crescentes problemas internos delineiam um período de teste crucial para a administração Milei.
Javier Milei: Crise política e econômica abala governo argentino
Em agosto, veio à tona um escândalo envolvendo Karina Milei, irmã do presidente e secretária-geral da Presidência, com a revelação de áudios que sugeriam um esquema de cobrança de propinas. As denúncias indicavam o envolvimento de Karina e seu assessor direto, Eduardo “Lule” Menem, com empresas da indústria farmacêutica e a Agência Nacional de Pessoas com Deficiência (Andis). Diego Spagnuolo, então diretor da Andis e advogado do presidente, teria mencionado em conversas vazadas a exigência de até 8% do faturamento dessas empresas para garantir contratos de medicamentos com o governo. Essa situação abalou a credibilidade de Javier Milei e a pauta central de sua campanha, centrada na “motosserra” contra a corrupção e a “casta” política, da qual Karina era um pilar central, sendo referida por seu irmão como “o chefe”. A controvérsia gerou incertezas no mercado financeiro e um notável desgaste na imagem do presidente argentino.
O apoio internacional emergiu como um ponto de luz em meio às dificuldades da gestão Milei. Na semana passada, o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, expressou seu “apoio completo e total” a Milei, projetando-o para uma eventual reeleição. Além disso, Scott Bessent, secretário do Tesouro dos EUA, anunciou um auxílio financeiro substancial de US$ 20 bilhões em 22 de setembro, enfatizando a Argentina como um “aliado sistematicamente importante” e a disposição do Tesouro americano em “fazer o necessário para apoiar” o país. Embora classificada por analistas como um “resgate que evitou um naufrágio”, a efetividade e a chegada concreta dessa ajuda ainda carecem de detalhes. O presidente Milei será recebido por Trump em visita oficial à Casa Branca em 14 de outubro. No entanto, o analista político Facundo Nejamkis, da Opina Argentina, observou em 30 de setembro que tais manifestações de apoio não se traduzem automaticamente em impacto positivo no eleitorado argentino, uma vez que a realidade econômica e o humor dos eleitores operam em uma lógica distinta do respaldo internacional. Esta perspectiva reforça a tese de que, mesmo com o apoio de Washington, o presidente argentino continua em seus “piores dias”.
Denúncias e Relação Conturbada no Congresso
Diego Spagnuolo, antes de ser afastado “preventivamente” após a divulgação dos áudios de corrupção, era uma figura próxima do círculo íntimo do presidente, frequentando a residência presidencial de Olivos. Os relatos de interlocutores, que mantiveram anonimato, ajudam a delinear a personalidade solitária do presidente e a profunda influência de seu reduzido círculo, onde Karina Milei se destaca. O presidente, apaixonado por ópera, encontra momentos de deleite discutindo músicos e árias, mas permanece solitário após os poucos encontros sociais.
O governo de Javier Milei, com apenas 37 assentos na Câmara dos Deputados (de um total de 257) e 6 de 72 no Senado, enfrenta uma batalha constante para aprovar suas pautas. Embora a “Lei Bases e Pontos de Partida para a Liberdade” tenha obtido amplo apoio no ano passado (142 a favor, 106 contra e 5 abstenções), recentes votações demonstraram a fragilidade da base governista. Um exemplo marcante foi a rejeição ao veto de Milei sobre o aumento de recursos para universidades em 17 de setembro, quando o governo somou apenas 67 votos, contra 174 da oposição. Este cenário reflete a crescente dificuldade em manter alianças, com 40 projetos oficiais sendo barrados em ambas as Casas Legislativas desde março.
Mais recentemente, o presidente argentino sofreu outras derrotas, como a derrubada de seu veto para aumento de verbas em hospitais pediátricos pela Câmara e a rejeição dos senadores ao veto que limitava as transferências de recursos para as províncias. Em 30 de setembro, enquanto tentava fazer campanha para seus candidatos em Ushuaia, na Patagônia, o presidente foi compelido a interromper uma de suas atividades devido a protestos, indicando o crescente descontentamento popular.
O ministro da Economia, Luis Caputo, argumentou que essas decisões legislativas minam o equilíbrio fiscal e a meta de déficit zero do governo. No entanto, o historiador e analista político Rosendo Fraga, do Centro de Estudos Nova Maioria, avalia que o verdadeiro obstáculo de Milei reside não na economia, mas na “falta de apoio no sistema político”. Fraga sugere que, para recompor a base popular e política, Milei precisaria alterar sua personalidade política, algo que ele considera “impossível”. O especialista ainda compara a situação de Milei com a de Donald Trump, apontando que, diferentemente de Trump, Milei não detém o controle do Congresso, da Corte de Justiça e dos governadores.
Derrotas Eleitorais e Queda de Popularidade
No início de setembro, a província de Buenos Aires, que concentra quase 40% do eleitorado nacional, trouxe mais um revés para a coalizão A Liberdade Avança (LLA) de Javier Milei. Nas eleições legislativas locais, o partido presidencial ficou 13 pontos percentuais atrás da coalizão Força Pátria, liderada pelo governador kirchnerista Axel Kicillof. Esta derrota representou uma perda significativa de cadeiras para o LLA e um fortalecimento do kirchnerismo na província. No decorrer do ano, o partido já havia experimentado resultados negativos em outras eleições provinciais. Após o baque, Milei surpreendeu ao adotar um tom mais conciliador em rede nacional, chegando a evitar seu usual bordão “Viva la libertad, carajo”, em um claro sinal da necessidade de reajuste estratégico diante do desgaste.
Pesquisas recentes corroboram o cenário de “cansaço” do eleitorado com o estilo agressivo de Milei e as persistentes dificuldades econômicas. Um levantamento da Bloomberg/AtlasIntel, de 10 a 14 de setembro, mostrou que 53,7% dos entrevistados desaprovam o presidente, enquanto apenas 42,4% o aprovam. Este é o pior índice de aprovação para Milei desde sua posse. Sobre o governo, 49,5% o consideram “ruim ou muito ruim”, versus 33,4% que o avaliam como “bom ou excelente”. A analista Shila Vilker, da Trespuntozero, apontou uma queda de 10 pontos percentuais no apoio ao governo nos dois meses anteriores às eleições de Buenos Aires, caindo para 39,9%. Vilker atribui essa queda, inicialmente, aos vetos presidenciais sobre o aumento de aposentadorias e verbas para pessoas com deficiência, intensificando-se após o escândalo de corrupção envolvendo a irmã do presidente. Outro fator foi o caso da criptomoeda $Libra, promovida por Milei em fevereiro, que teve seu valor disparado e subsequentemente desabou, gerando uma investigação pela Justiça argentina e de Nova York. Apesar de um breve cessar na queda de apoio em meados de setembro, uma pesquisa da Universidade Di Tella divulgada em 29 de setembro registrou o pior Índice de Confiança no Governo (ICG) desde a chegada de Milei ao poder, marcando apenas 1,8 ponto em uma escala de 5.

Imagem: bbc.com
Economia: Da Inflação às Dificuldades Pós-Ajuste
A percepção da população argentina sobre a economia tem sido um fator crucial na queda da popularidade de Milei, segundo Shila Vilker. Apesar da queda acentuada na inflação — de 211,4% em 2023 para 117,8% em 2024, com expectativa de 28,2% em 2025, de acordo com o Levantamento de Expectativas do Mercado (REM) —, o custo de vida elevado, a falta de geração de empregos e a estagnação econômica persistem. Milei admitiu que a economia está “paralisada”, atribuindo a culpa à oposição no Congresso, mas dados como a perda de 30% do poder de compra do salário mínimo (segundo o CIFRA em setembro) refletem um profundo estresse financeiro para a população, especialmente as classes média e baixa. O especialista em consumo Guillermo Olivetto destaca que a frase “o dinheiro acaba muito antes do fim do mês” é comum entre os argentinos. Para aprofundar-se nos relatórios e projeções sobre a economia argentina, o site do Fundo Monetário Internacional (FMI) oferece dados detalhados.
A situação do mercado de trabalho também é complexa. O desemprego ficou em 7,6% no segundo trimestre, ligeiramente abaixo do trimestre anterior (7,9%), mas o total de empregos registrados (públicos e privados) diminuiu em 258.300 postos entre novembro de 2023 e abril deste ano. Além disso, a informalidade no trabalho aumentou para 43,2% no segundo trimestre, superior aos 41,6% do trimestre anterior. Os preços dos serviços públicos, como transporte, água e energia, subiram drasticamente após a redução ou eliminação de subsídios. O tão esperado aumento de investimentos estrangeiros também não se concretizou, e a União Industrial Argentina (UIA) registrou queda de 3% na atividade industrial em agosto. Taxas de juros para PMEs saltaram de 44% para mais de 60% entre julho e agosto. A expectativa do economista Orlando Ferreres é de uma queda nos juros após as eleições legislativas de outubro, na esperança de um fortalecimento de Milei, apesar dos resultados negativos nas províncias. A Argentina se encontra em um período crítico, onde os benefícios macroeconômicos não foram plenamente absorvidos pelo cotidiano dos cidadãos, evidenciando que reduzir a inflação “não está sendo suficiente” para convencer a população, nas palavras do economista Enrique Szewach.
Na segunda-feira, 22 de setembro, após turbulências no mercado financeiro argentino, com queda brusca nas ações, títulos e desvalorização do peso, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, reiterou o apoio ao presidente Milei via rede social X, classificando a Argentina como “aliado sistematicamente importante”. A declaração de Bessent, que havia se encontrado com Milei em abril, serviu para aplacar temporariamente a tensão financeira.
O Futuro Político e Eleições Cruciais
A intensidade da crise leva a questionamentos sobre a sustentabilidade do mandato de Javier Milei, previsto para encerrar no final de 2027, e sobre suas chances de reeleição. Em um evento no Teatro Colón, após a derrota em Buenos Aires, discussões informais já abordavam se o governo Milei completaria seu mandato. Um executivo empresarial atribuiu a derrota à forma de agir de Milei, que, em sua visão, continua “no palanque de campanha, e não governando”, focando em insultos a opositores (“porcos” para jornalistas, “farsantes” para economistas, “sujo” e “imundo” para Axel Kicillof) em vez de governar.
Políticos de oposição manifestaram ceticismo, com o líder do peronismo no Senado, José Mayans, declarando que “o governo está acabado”. A senadora Sandra Mendoza, também peronista, expressou “sérias dúvidas” de que o governo chegue a 26 de outubro, data das próximas eleições legislativas. Governadores como Ricardo Quintela (La Rioja) também manifestaram preocupação com o país. Em resposta, membros do governo, como o subsecretário de Políticas Universitárias, Alejandro Álvarez, e o ministro da Economia, Luis Caputo, denunciaram tramas da oposição para um “golpe suave” ou a “derrubada” do governo.
No dia 26 de outubro, uma nova “prova de fogo” aguarda o governo Milei: as eleições nacionais para renovar metade da Câmara dos Deputados e um terço do Senado. Estas eleições, que ocorrem na metade do mandato presidencial, são tradicionalmente vistas como um plebiscito sobre a gestão. Resta saber se, após celebrar seu aniversário e com as urnas abertas, Javier Milei conseguirá reverter o complexo “inferno astral” que o tem acompanhado ou se verá sua posição ainda mais enfraquecida no cenário político argentino.
Confira também: crédito imobiliário
Este cenário político e econômico intrincado na Argentina exige acompanhamento contínuo. Para mais análises aprofundadas sobre os desdobramentos na América Latina e as repercussões globais das políticas econômicas, convidamos você a continuar explorando nossa seção de Economia ou a navegar pela editoria de Política de Hora de Começar, para não perder nenhum detalhe do que acontece no continente.
Crédito, Getty Images / Reuters
Recomendo
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados