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Ricos no Brasil: Um estudo aprofundado sobre a elite financeira do país desvenda a complexidade da desigualdade social e a peculiar fascinação da sociedade nacional por indivíduos abastados, muitas vezes motivada por uma ilusória crença na ascensão social. Essa pesquisa, fruto de 15 anos de trabalho do renomado antropólogo Michel Alcoforado, foi consolidada no livro “Coisa de Rico: A Vida dos Endinheirados Brasileiros”, publicado pela editora Todavia. Em um curto período de dois meses após seu lançamento, a obra já registrou a venda de mais de 37 mil exemplares e alcançou a sétima tiragem, com a primeira edição esgotada antes mesmo de chegar às livrarias.
Alcoforado, reconhecido como “antropólogo do luxo”, defende que a verdadeira compreensão da riqueza no país transcende as simples métricas de renda ou patrimônio. Para ele, a opulência é uma questão de performance e domínio de códigos sociais intrínsecos a esse grupo. O sucesso editorial de sua obra reforça a tese de que os brasileiros possuem uma curiosidade inerente pelos super-ricos, imaginando que, a qualquer momento, podem integrar esse seleto grupo – uma crença que ele considera otimista demais frente aos “muros” intransponíveis da estrutura social.
Ricos no Brasil: O Ilusório Sonho da Mobilidade Social
A gênese da pesquisa de Alcoforado, doutor pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e fundador da consultoria Consumoteca, reside na constatação de que, apesar da ascensão da classe média e da popularidade dos debates sobre desigualdade social, o universo dos super-ricos brasileiros permanecia largamente inexplorado pela academia. Ao longo da história do Brasil, notou-se a persistência dos níveis de desigualdade, independentemente das políticas econômicas ou dos regimes políticos. As melhorias na vida dos mais pobres frequentemente se alinhavam com avanços equivalentes, ou até maiores, na condição dos ricos, demonstrando que as classes mais altas desempenham um papel decisivo na configuração social do país.
Ao abordar a elite brasileira, as ciências sociais, que historicamente priorizaram o estudo das camadas populares – como quilombolas e indígenas – para inseri-las na agenda nacional, haviam deixado a análise das elites em segundo plano. O livro de Alcoforado preenche essa lacuna, oferecendo uma perspectiva crucial sobre como a desigualdade é mantida e perpetuada por esses grupos privilegiados. Ao examinar as práticas e comportamentos dos ricos, torna-se possível compreender as engrenagens que perpetuam a estratificação social no Brasil.
Os “Testes de Reconhecimento” da Elite e a Infiltração na Pesquisa
A imersão de Alcoforado no mundo da elite não foi isenta de desafios. Em uma entrevista, o antropólogo descreveu os “testes de reconhecimento” empregados por esse grupo para identificar se um outsider era, de fato, parte de seu círculo. Inicialmente, deparou-se com a barreira da “vida muito ocupada”, um desempenho performático que sugeria indisponibilidade. Alcoforado adaptou-se, passando a expressar gratidão excessiva pelo tempo cedido, uma forma de deferência percebida como reconhecimento de status. Outro aspecto revelador foi a encenação de situações, como jantares e chás com rituais complexos, que serviam para avaliar o nível de inserção do pesquisador. O conhecimento prévio sobre o universo dos ricos e suas redes sociais também era uma moeda de entrada.
Para se infiltrar nesse ambiente e coletar dados etnográficos, Alcoforado compreendeu que precisaria “se transformar”. Sem pertencer financeiramente a esse grupo, as únicas portas de entrada eram a de empregado ou a de “especialista”. Ele escolheu a segunda via, tornando-se o “antropólogo do luxo”, um especialista no consumo de elite, cujas percepções se tornaram valiosas para os próprios ricos. Essa “coisificação” do seu saber e sua habilidade em facilitar novos encontros permitiram que ele acessasse esses círculos, observando suas dinâmicas internas e enriquecendo sua pesquisa com experiências de campo autênticas.
Anecdotas e a Manifestação da Distinção Social
Alcoforado compartilha uma anedota emblemática, ocorrida em Genebra, na Suíça, onde se viu aconselhando uma herdeira em um dilema moral sobre gastar 15 mil euros para copiar um perfume ancestral. A decisão da brasileira de proceder com a cópia, apesar da consciência da desigualdade social, ilustra como a elite investe na perpetuação de tradições e distinções que se tornam inacessíveis para a maioria. Esse episódio revela uma “distância enorme, até no cheiro”, evidenciando que a separação entre as classes transcende o poder econômico puro e simples.
Outro momento violento, porém sutil, vivenciado com a mesma herdeira, foi a forma como os ricos moldam os encontros sociais. Ao convidar para um restaurante, eles tendem a ditar escolhas de pratos fora do cardápio, decidir o que o convidado vai comer e beber, pagar a conta e até determinar o fim da interação. Essa “violência sutil”, embora possa parecer trivial diante de problemas sociais mais urgentes no Brasil, serve para reiterar as posições hierárquicas e reforçar os muros invisíveis que se erguem a cada interação.
A pesquisa também observou a “crise moral” entre os novos ricos, como em uma viagem a Miami, onde, após compras exuberantes, emergia um sentimento de “pena” – não culpa pelo consumo, mas pena daqueles familiares que não puderam ascender da mesma forma. Este comportamento, de acordo com o antropólogo, é uma manifestação clássica da maneira como as distinções de classe são percebidas e internalizadas no contexto brasileiro.
“O Conquistador da Riqueza”: A Lógica Brasileira vs. o Modelo Americano
No Brasil, a lógica da riqueza é diferente do modelo norte-americano. Enquanto nos Estados Unidos predomina a narrativa do “self-made man”, onde o percurso da construção do patrimônio é valorizado, no Brasil, a elite opera com uma lógica do “conquistador”. O “conquistador” é aquele que chega, reivindica e naturaliza sua posição, fazendo com que pareça que sempre esteve ali. Frases como “sempre tive essa faceta”, “sempre viajei a Paris”, “meus filhos estudam na mesma escola desde sempre” são comuns, visando a eternização da posição de poder.
Essa naturalização desestimula a valorização de histórias de superação, como se vê na ausência de biografias de sucesso financeiro no mercado editorial brasileiro, em contraste com a profusão nos EUA. A sociedade brasileira prefere contemplar o status quo do rico – o “Deus, que vida maravilhosa” – sem questionar o trajeto percorrido para alcançá-la. Esse fenômeno realça a profunda conexão entre a manutenção do status social e a ideia de uma posse “desde sempre”, contribuindo para a imobilidade das classes.
A percepção de que a riqueza pode ser conquistada sem o devido percurso é um reflexo do que Alcoforado denomina a lógica do “conquistador” no Brasil. Ao contrário do “self-made man” americano, que valoriza a trajetória de construção de um império, a elite brasileira tende a naturalizar sua posição de poder, transmitindo a ideia de que sempre esteve ali. Essa dinâmica reflete a manutenção de um status quo, onde as distinções de classe são reforçadas pela “performance da riqueza” – a ostentação de hábitos e consumos que emulam o alto poder aquisitivo.

Imagem: bbc.com
A manutenção da desigualdade social no Brasil não é um fenômeno isolado, sendo um tema de ampla discussão no cenário global. Estudos sobre a distribuição de renda e acesso a serviços evidenciam que, mesmo em períodos de avanço econômico, a proporção de melhoria nas condições de vida entre ricos e pobres nem sempre se dá de forma equitativa, revelando a complexidade dos desafios estruturais enfrentados pelo país para promover uma sociedade mais igualitária.
Definindo a Riqueza no Contexto Brasileiro e o Racismo Social
Para Alcoforado, a discussão sobre os “ricos no Brasil” deve ir além de métricas como patrimônio e renda. Alguém que possui um apartamento espaçoso em um bairro nobre de São Paulo, uma renda superior a R$ 26 mil (inserindo-o no 1% mais rico da sociedade brasileira), filhos em escolas particulares, plano de saúde e que vê férias como viagens intercontinentais frequentes, precisa ser classificado como rico. Essa é uma “vida de rico” no contexto de um país tão desigual, mesmo que o indivíduo não se compare aos super-ricos que vivem em mansões ou viajam de helicóptero.
Comparando esse estilo de vida com países onde a renda é melhor distribuída, como Uruguai ou França, a percepção de riqueza seria unânime. A dificuldade em reconhecer essa condição no Brasil é uma forma de atenuar a brutal realidade da desigualdade.
Em relação à questão racial, Alcoforado, que é um homem negro, aponta que o racismo enfrentado nas elites não difere daquele encontrado na sociedade brasileira como um todo. A ausência de indivíduos negros entre os super-ricos com quem interagiu na pesquisa é um reflexo contundente do racismo estrutural. O desafio não foi o racismo exacerbado nesse grupo específico, mas a perpetuação de uma chaga social que atravessa todas as esferas da sociedade. Sua própria experiência demonstrou que, por mais que houvesse uma “transformação física” ou a tentativa dos interlocutores de “embranquecê-lo”, a realidade racial e seus impactos permaneciam inabaláveis.
Ponderações Finais sobre as Classes e a Chamada à Transformação
As classificações de “novo rico”, “super-rico” e “rico tradicional” são descritas por Alcoforado como “rinhas de rico”, disputas que reforçam distinções e, paradoxalmente, mantêm as grandes distâncias sociais. Ele defende a urgência de um Brasil que construa mais pontes e necessite de menos muros, abandonando a crença de que a harmonia só existe com segregação e privilégios exclusivos. Aceitar que encontros entre diferentes são possíveis e benéficos, sem que isso resulte em “ebulição social”, é o caminho para um país mais pacífico e integrado.
A recepção do livro por parte da elite e do público geral tem sido marcada por uma ampla identificação, já que a obra não revela identidades específicas, mas retrata um fenômeno social mais amplo. “Coisa de Rico” serve como um espelho da sociedade brasileira, chamando cada um de seus leitores a reconhecer seu papel na invenção e perpetuação de um modelo social que, embora não seja culpa individual, exige um compromisso coletivo para a transformação e a construção de um futuro mais equitativo.
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Aprofundar a compreensão sobre os ricos no Brasil e os mecanismos que perpetuam a desigualdade social é crucial para qualquer debate sobre o futuro da nação. Convidamos você a continuar acompanhando nossa editoria para mais análises sobre economia e sociedade.
Crédito: Fernando Otto/BBC
Crédito: Todavia
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