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O Acidente Nuclear Windscale, ocorrido em 10 de outubro de 1957 no noroeste da Inglaterra, permanece como o desastre nuclear mais severo já registrado no Reino Unido. Apesar de sua gravidade, comparável em escala internacional a incidentes como Chernobyl, Fukushima e Three Mile Island, ele é frequentemente menos conhecido. Este evento, que hoje tem seu local rebatizado como Sellafield, teve seu impacto inicial sistematicamente minimizado pelas autoridades da época.
Inicialmente, estimativas atribuíam ao vazamento radioativo uma parcela de até 240 casos de câncer, uma crença que foi recentemente reavaliada por estudos mais aprofundados. No entanto, o potencial para uma catástrofe de proporções muito maiores, capaz de transformar vastas áreas do norte da Inglaterra em uma região inabitável, foi evitado por uma intervenção que alguns chamaram de “loucura” de um físico premiado com o Nobel.
Classificado como nível 5 na Escala Internacional de Eventos Nucleares (INES), estabelecida pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o incidente de 1957 é um lembrete contundente das complexidades e dos perigos associados à energia atômica, mesmo em um contexto de sigilo e urgência como o da Guerra Fria, durante o qual se deu o
Acidente Nuclear Windscale: Pior Desastre Britânico Revivido
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O Contexto e o Desenvolvimento da Usina de Windscale
A usina de Windscale foi concebida no final da década de 1940, em meio ao fervor da Guerra Fria e à decisão do governo britânico de desenvolver seu próprio arsenal atômico de maneira independente. A principal finalidade dos dois reatores, também chamados de “pilhas” ou torres, era a produção de plutônio, essencial para a fabricação de armas nucleares. O projeto e a construção foram executados em um ritmo impressionante.
Em apenas cinco anos, entre 1947 e 3 de outubro de 1952, o Reino Unido já realizava seu primeiro teste nuclear, batizado de “Operação Furacão”, na Austrália, utilizando plutônio diretamente de Windscale. Embora demonstrasse a capacidade e determinação britânicas, essa rapidez no desenvolvimento e operação dos reatores levantaria mais tarde sérias questões sobre as precauções de segurança, culminando no desastre de 1957.
Como o Incêndio no Reator de Windscale Começou
O cenário para o acidente catastrófico foi estabelecido dois dias antes, em 8 de outubro de 1957. Naquela ocasião, uma operação rotineira de liberação de energia, que se acumula no moderador de grafite durante o funcionamento normal do Reator 1 de Windscale, foi iniciada. Conforme os achados do relatório da Comissão de Inquérito da Autoridade Britânica de Energia Atômica, a sequência de eventos culminou no superaquecimento dos elementos combustíveis de urânio. Esse aquecimento excessivo causou a falha do revestimento do combustível, expondo o urânio ao ar e precipitando sua oxidação.
À medida que as temperaturas nas zonas afetadas continuavam a aumentar descontroladamente, o grafite presente nos reatores de Windscale entrou em combustão, intensificando ainda mais o incêndio. As chamas no interior do reator atingiram temperaturas de impressionantes 1.300 graus Celsius, criando um desafio sem precedentes para os trabalhadores no local, que lutaram heroicamente por dias para conter a conflagração e impedir uma explosão em toda a instalação nuclear.
A Batalha para Extinguir as Chamas e Suas Consequências
O combate ao incêndio no reator de Windscale foi uma tarefa árdua e perigosa. Trabalhadores, vestindo equipamentos de proteção contra radiação, empregaram tubos de andaimes na tentativa desesperada de empurrar as barras de combustível incandescentes para fora do reator de grafite e em direção à piscina de resfriamento. Contudo, os tubos não suportavam o calor extremo; emergiam derretidos e incandescentes, tornando a estratégia inviável. Os altos níveis de radiação no local limitavam a permanência das equipes a apenas algumas horas, forçando-as a buscar mais voluntários, que foram recrutados até em um cinema nas proximidades.
A água, medida usual para combate a incêndios, provou ser ineficaz e até perigosa neste cenário. Apenas a decisão drástica de cortar completamente o fornecimento de ar para a sala do reator, sufocando as chamas, permitiu finalmente extinguir o fogo. O incêndio persistiu por três dias contínuos, durante os quais uma quantidade significativa de material radioativo, predominantemente iodo-131, foi liberada. Esse material se dispersou amplamente, alcançando regiões por todo o Reino Unido e se espalhando pela Europa.
Estima-se, no entanto, que a liberação de material radioativo no desastre de Windscale tenha sido apenas um milésimo do volume liberado no trágico acidente de Chernobyl, na Ucrânia, que ocorreu em 26 de abril de 1986 e é considerado o pior acidente nuclear da história global. Como resultado direto do incidente, os reatores da usina de Windscale foram desativados e selados, permanecendo assim até o final da década de 1980, quando finalmente iniciou-se o processo de descontaminação do local.
As Imprecisas Consequências do Desastre de Windscale
Por muitas décadas após o ocorrido, acreditava-se que o vazamento de substâncias radioativas da usina de Windscale estaria associado a cerca de 240 casos de câncer, englobando câncer de tireoide, leucemia e outras formas da doença. No entanto, investigações mais recentes vêm colocando esses dados em questão. Por exemplo, um estudo conduzido pela Universidade de Newcastle em 2017 sugeriu que, embora a liberação de iodo-131 representasse um risco aumentado de câncer de tireoide, especialmente para crianças expostas nas regiões do noroeste da Inglaterra, Cumbria e Lancashire, as análises não encontraram evidências sólidas de que essa exposição tenha provocado um aumento estatisticamente significativo nos casos da doença.
A quantidade exata de radioatividade que vazou durante o incidente de Windscale nunca foi totalmente determinada. As autoridades britânicas implementaram um extenso programa de monitoramento ambiental imediatamente após o acidente, e as estimativas de deposição de iodo radioativo no solo e em filtros de ar no Reino Unido e em todo o continente europeu forneceram a base para avaliações posteriores. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) desempenha um papel crucial na segurança nuclear mundial, fornecendo diretrizes e analisando acidentes como o de Windscale para evitar futuras catástrofes.

Imagem: bbc.com
Como uma medida de extrema cautela, toda a produção de leite em uma área de 800 quilômetros quadrados foi imediatamente suspensa e o produto foi descartado por um período de um mês. Além disso, a distribuição de leite foi completamente proibida em uma faixa costeira em Cumbria devido à detecção de iodo-131, reconhecido como o principal perigo radiológico. À época, não existiam limites pré-definidos para a quantidade de iodo-131 permitida no leite, o que levou à imposição de um limite protetor de 0,1 µCi/L, especificamente para salvaguardar a saúde infantil, visando proteger a glândula tireoide de possíveis danos.
O físico britânico Richard Wakeford, em um artigo de 2007 no “Journal of Radiological Protection”, destacou que a decisão de proibir o consumo e a distribuição do leite foi “corajosa e sábia”, uma vez que efetivamente preveniu uma dose coletiva de radiação muito maior entre a população local. O acidente, segundo Wakeford, “dificilmente pode ser considerado trivial”, reafirmando sua classificação como Nível 5 na INES e reiterando a possibilidade de que o desfecho pudesse ter sido ainda mais calamitoso.
As Repercussões Políticas e o Legado Esquecido de Windscale
O incidente de Windscale não apenas gerou consequências ambientais e de saúde, mas também teve profundas implicações políticas, transformando a Autoridade de Energia Atômica do Reino Unido de maneira irreversível, como apontou um professor da Universidade de Manchester. O governo britânico da época, liderado pelo Primeiro-Ministro Harold Macmillan, que estava em meio a delicadas negociações com os Estados Unidos para restabelecer a cooperação em armas nucleares, prontamente abriu um inquérito para investigar os eventos.
O comitê, presidido pelo renomado matemático William Penney, apresentou seu relatório ao governo já em 26 de outubro, poucas semanas após o desastre. No entanto, Macmillan tomou a decisão de publicar apenas um sumário do Relatório Penney, mantendo o conteúdo integral em segredo. Somente três décadas depois, a íntegra do relatório seria finalmente tornada pública, revelando a extensão real do incidente. Apesar de ter sido esquecido por muitos, inclusive no próprio Reino Unido, o desastre de Windscale tem experimentado um renovado interesse, parcialmente estimulado por obras como o videogame “Atomfall”, que buscam reavivar este sombrio capítulo da história nuclear britânica.
A “Loucura” de Cockcroft: Um Prêmio Nobel que Salvou Milhões
As consequências do acidente de Windscale poderiam ter sido consideravelmente piores, não fosse pela tenaz persistência do físico nuclear britânico John Cockcroft. Premiado com o Nobel de Física em 1951, ao lado de Ernest Walton, pela notável façanha de conseguir pela primeira vez a desintegração de um núcleo atômico, Cockcroft era à época diretor do Atomic Energy Research Establishment, um think tank do governo britânico. Ele insistentemente defendeu a instalação de filtros nas chaminés da usina de Windscale, sublinhando que seriam a única barreira eficaz contra vazamentos radioativos em um cenário de incêndio.
Inicialmente, os responsáveis pela construção da usina consideraram a proposta de Cockcroft uma medida excessiva, um dispêndio desnecessário de tempo e recursos. No entanto, dada a autoridade e a insistência do físico laureado, os filtros acabaram sendo adicionados de última hora. “Ele percebeu que, se ocorresse um incêndio, o que era provável, não haveria como impedir que a poeira radioativa escapasse para a atmosfera”, relembrou seu filho, Christopher Cockcroft, em entrevista à BBC em 2014.
Considerando que a construção já estava em estágio avançado, os filtros foram instalados no topo das chaminés de 110 metros, e não na base, o que conferiu à usina sua silhueta singular. Os engenheiros, sentindo que o ganhador do Prêmio Nobel estava interferindo indevidamente, começaram a referir-se às torres como as “Cockcroft Follies” — as loucuras de Cockcroft. Todavia, como observou Terence Price, um dos físicos que trabalhou com Cockcroft, a designação de “loucura” perdeu completamente o sentido após a ocorrência do acidente. “Eles não achavam que haveria problemas e, mesmo depois que os filtros foram instalados, acho que ninguém pensou seriamente que haveria um incêndio, mas é claro que houve”, acrescentou Wakeford.
A importância vital desses filtros foi demonstrada no dia do acidente. “A poeira radioativa escapou, mas os filtros capturaram cerca de 95% dela”, afirmou Christopher Cockcroft. Ele enfatizou que, se os filtros não tivessem sido instalados, uma porção considerável do Distrito dos Lagos e de Cumbria teria sido permanentemente vedada, tanto para fins agrícolas quanto, possivelmente, para assentamento humano, evidenciando que a persistência de Cockcroft foi, na realidade, um ato de notável previdência que evitou um desastre ecológico e humano de proporções muito maiores.
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O incidente de Windscale serve como um lembrete crucial das complexidades da segurança nuclear e da importância da prudência científica em face de pressões políticas e de tempo. Para continuar explorando tópicos relacionados a grandes eventos históricos e suas implicações sociais e políticas, visite nossa editoria de Análises e mantenha-se informado sobre os acontecimentos que moldam nosso mundo.
Crédito: Getty Images
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