Desperdício de Alimentos no Brasil: Desafios e Ações

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O desperdício de alimentos no Brasil permanece como um obstáculo considerável, mesmo diante da celebração da significativa redução da insegurança alimentar no país. Um avanço notável na reputação global do Brasil foi a queda de 85% na insegurança alimentar severa durante o ano de 2023, marco que levou à sua exclusão do Mapa da Fome.

Essa conquista, amplamente elogiada pelo governo e por setores da sociedade civil, configura-se como um dos principais temas da participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Fórum Mundial da Alimentação. O evento, agendado para a próxima segunda-feira, 13 de outubro, em Roma, Itália, marca o octagésimo aniversário da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) e congrega líderes de diversas nações para abordar pautas vitais sobre a nutrição global.

Desperdício de Alimentos no Brasil: Desafios e Ações

A expectativa é que o mandatário brasileiro compartilhe os progressos internos e obtenha um respaldo ampliado para a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Esta iniciativa multilateral, idealizada pelo Brasil, foi acolhida pelos países do G20 em 2024. A agenda do presidente inclui a solenidade de abertura do Fórum, uma reunião do Conselho de Campeões da Aliança e um encontro bilateral com Qu Dongyu, diretor-geral da FAO.

A Contradição Brasileira: Alta Produção e Insegurança Alimentar

Apesar de reconhecerem os êxitos do Brasil na diminuição da fome, especialistas ressaltam que a nação ainda enfrenta um conjunto de desafios, particularmente o problema do elevado desperdício de alimentos. Essa questão, embora intimamente ligada à subnutrição e à equidade no acesso à comida, frequentemente é marginalizada em discussões públicas e na lista de prioridades nacionais, conforme observações de analistas do setor.

Maria Siqueira, cofundadora e diretora de políticas públicas no movimento Pacto Contra a Fome, caracteriza a situação do desperdício alimentar como uma “incoerência gravíssima” para o contexto brasileiro. “Simultaneamente à nossa vasta capacidade de produção, que bastaria para suprir a totalidade da população, descartamos uma porção muito relevante dela”, pontua Siqueira, evidenciando o dilema.

Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) revelam que, no período entre 2022 e 2024, 28,5 milhões de pessoas no Brasil encontravam-se em condição de insegurança alimentar. Em um contraste acentuado, o Brasil ocupa posições de destaque no ranking global de nações produtoras de alimentos, com uma geração aproximada de 1,1 bilhão de toneladas de produtos agropecuários anualmente. Essa discrepância expõe falhas na sistemática de distribuição e no acesso aos alimentos.

Siqueira adiciona que o desperdício, a fome e a insegurança alimentar são reflexos de como o modelo de produção, distribuição e acesso à comida é estruturado, transformando-a em mercadoria e não em um direito humano básico. A discussão ultrapassa a segurança nutricional, englobando também a proteção do meio ambiente, uma relação que Gustavo Porpino, pesquisador da Embrapa Alimentos e Territórios, salienta.

Impactos Ambientais do Desperdício de Alimentos

O desperdício de alimentos carrega sérias implicações ambientais. De acordo com o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, o Brasil produz cerca de 800 milhões de toneladas de resíduos orgânicos por ano, sendo que menos de 2% desse montante recebe destinação correta. Quando descartados inadequadamente em aterros sanitários e lixões, esses materiais orgânicos liberam gases do efeito estufa e produzem chorume tóxico, contaminando o solo, a água e a atmosfera.

Conforme Porpino, o setor de resíduos é a segunda maior fonte de metano no Brasil, perdendo apenas para a agropecuária, e este gás possui um potencial de aquecimento global 28 vezes maior que o do gás carbônico. Apesar do compromisso do Brasil de reduzir suas emissões em 59% a 67% até 2035, a redução de perdas e desperdício de alimentos não está explícita nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que são as metas climáticas internacionais assumidas pelo país.

O pesquisador da Embrapa enfatiza a necessidade de “criar metas específicas”, que poderiam “dar mais visibilidade ao tema e gerar mais ações concretas.” Vale ressaltar que a diminuição pela metade do desperdício de alimentos per capita mundial, nos níveis de varejo e consumidor, até 2030, é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, indicando a criticidade do problema global. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) estima que o custo global da perda e do desperdício de alimentos na economia mundial se aproxima de US$ 1 trilhão, com 1,05 bilhão de toneladas descartadas mundialmente em 2022, conforme seu Índice Global do Desperdício de Alimentos 2024.

Dimensão do Desafio Brasileiro: Medição e Números

O Brasil enfrenta o gargantuesco desafio de dimensionar o desperdício, já que inexiste um mapeamento oficial nacional abrangendo toda a cadeia produtiva, do cultivo ao consumidor. Contudo, estudos parciais fornecem um panorama. O Índice Global do Desperdício de Alimentos 2024, do PNUMA, por exemplo, analisou resíduos domiciliares em cinco bairros do Rio de Janeiro ao longo de 2023, revelando o descarte de 94 kg de comida por pessoa anualmente.

Um estudo de 2022, desenvolvido pelo Pacto Contra a Fome em parceria com a consultoria Integration Consulting, também oferece insights, embora o próprio instituto admita a insuficiência de dados completos como um dos principais entraves. O Relatório Diagnóstico sobre a Fome e o Desperdício de Alimentos no Brasil (2022) indica que, das 161,3 milhões de toneladas de alimentos produzidas anualmente, 55,4 milhões são perdidas. Impressionantes 84% desse desperdício ocorrem antes mesmo que o alimento chegue à residência do consumidor, com 17,3 milhões de toneladas (equivalente a 31,2%) desperdiçadas nas fases de produção e colheita.

As estimativas do Pacto revelam que, mesmo se o Brasil aumentasse sua eficiência de aproveitamento de alimentos em dez pontos percentuais, igualando-se ao patamar de grandes produtores como os Estados Unidos na redução do desperdício do produtor ao varejo, o volume anual ainda seria de cerca de 39 milhões de toneladas. Esse volume seria, por ano, aproximadamente 5,4 vezes a quantidade de alimentos necessária para erradicar a fome no país. Gustavo Porpino sugere que o valor estimado de 55 milhões de toneladas pode, na verdade, subestimar a real dimensão do problema brasileiro, principalmente devido à dificuldade de monitoramento em setores como a agricultura e a distribuição.

Para fins de comparação, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos estima um desperdício alimentar que varia entre 30% e 40% de sua oferta total, o que corresponde a aproximadamente 103 milhões de toneladas. Já na Alemanha, o governo calcula que cerca de 10,8 milhões de toneladas de desperdício alimentar são geradas a cada ano.

Desperdício de Alimentos no Brasil: Desafios e Ações - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

Causas Primárias e Etapas do Desperdício

As razões para o desperdício são multifacetadas e se manifestam em diversas fases da cadeia de produção. No campo, o manejo inadequado de pragas representa um problema primordial; a FAO estima que aproximadamente 40% da produção agrícola global seja atualmente perdida devido a tais surtos. Técnicas ineficazes de colheita, variações climáticas e a utilização de maquinário obsoleto também contribuem, somados a erros no planejamento da safra, como ressalta Maria Siqueira, do Pacto Contra a Fome.

Durante as etapas pós-colheita, armazenamento e transporte, o manuseio impróprio de frutas e hortaliças, seja na fazenda ou nas centrais de abastecimento, a aplicação de métodos de transporte e embalagens inadequadas (como caixas de madeira para frutas sensíveis), e a organização ineficaz dos setores de hortifrúti em pontos de venda como supermercados e sacolões, encurtam substancialmente a vida útil dos alimentos, exacerbando o desperdício, detalha Gustavo Porpino. Adicionalmente, as exigências estéticas do varejo resultam no descarte de frutas e vegetais que, embora plenamente aptos para consumo, não se encaixam nos padrões visuais estabelecidos.

Na etapa final do processo, os estabelecimentos comerciais e os lares também se configuram como fontes de desperdício. Todas essas perdas se traduzem não apenas em menos alimentos, mas em oportunidades perdidas de nutrir milhões de pessoas em condições de vulnerabilidade, conforme sublinham os especialistas.

Impactos do Desperdício: Encarecimento e Redução de Acesso

A consequência mais direta e severa do desperdício alimentar é o aumento dos preços, o que compromete a capacidade de famílias de baixa renda acessarem uma alimentação suficiente e nutritiva. Observa-se uma redução na disponibilidade de alimentos, tanto em âmbito global quanto local. As perdas de safras ou danos no transporte, por exemplo, impelem produtores e distribuidores a superproduzir ou intensificar o transporte, buscando compensar os prejuízos, o que inevitavelmente eleva os custos ao longo de toda a cadeia produtiva.

“O prejuízo econômico sempre recai sobre o consumidor”, adverte Gustavo Porpino, destacando que o elevado custo de certos alimentos no Brasil está, em parte, ligado às perdas e ao desperdício em todo o processo produtivo. Os produtos perecíveis, como frutas e hortaliças, são os mais afetados por essas perdas. Embora esses alimentos estejam abundantemente disponíveis para uma parte da população, isso frequentemente não ocorre nos chamados “desertos alimentares”, áreas com limitada disponibilidade de alimentos saudáveis, nem nos “pântanos alimentares”, regiões onde a oferta de ultraprocessados, ricos em calorias e pobres em nutrientes, é farta. A segurança alimentar, que pressupõe quantidade e adequação nutricional, é comprometida nessas situações, alertam os analistas.

Para uma análise aprofundada sobre as questões alimentares e o combate à fome global, consultar o site da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO Brasil) oferece perspectivas relevantes sobre a agenda internacional.

Estratégias de Mitigação do Desperdício Alimentar

O enfrentamento eficaz do desperdício alimentar ultrapassa a simples conscientização individual sobre perdas domésticas, exigindo uma responsabilidade compartilhada entre os setores público e privado. Maria Siqueira, do Pacto Contra a Fome, enfatiza a relevância dos líderes e gerentes de varejo, bem como dos funcionários que trabalham com reposição de produtos, na implementação de medidas para reduzir o desperdício. No contexto agrícola, agricultores, compradores diretos e permissionários das centrais de abastecimento desempenham papéis fundamentais ao estabelecer metas, medir e agir na diminuição de perdas.

O governo, por sua vez, assume um papel primordial na concepção de políticas públicas, arcabouço regulatório e infraestruturas que promovam avanços nesta área. Tais ações incluem melhorar o acesso a crédito para agricultores, com o intuito de modernizar maquinário e a infraestrutura rural, e fortalecer o apoio em aprimoramento genético e assistência técnico-rural para reduzir as perdas na produção. A expansão do quadro jurídico e regulatório, através de novas leis, normativas e programas com orçamentos dedicados ao tema, é igualmente vital, segundo a especialista. Siqueira nota que, embora exista espaço para aprimoramentos, o Brasil tem progredido, com a Política Nacional de Combate à Perda e ao Desperdício de Alimentos (PNCPDA), sancionada recentemente pelo presidente Lula, e outros decretos. A Lei 14.016, da gestão Bolsonaro, que faculta a estabelecimentos doarem o excedente de alimentos, é apontada como outra ação positiva nesse sentido.

Gustavo Porpino também frisa a importância da colaboração dos governos locais nos esforços contra o desperdício, estendendo-se a setores como hotelaria, instituições de ensino e centrais de abastecimento.

Alívio Imediato: O Potencial da Doação de Alimentos

Pesquisadores são categóricos ao afirmar que, mesmo com a completa erradicação do desperdício, a fome persistiria no Brasil, por ser uma manifestação de problemas mais profundos como a pobreza e a desigualdade socioeconômica, de acordo com Maria Siqueira. Contudo, ela ressalta que o controle do desperdício apresenta um “potencial de alívio emergencial”. Cálculos do movimento Pacto Contra a Fome indicam que, das mais de 55 milhões de toneladas de alimentos anualmente desperdiçadas no Brasil, aproximadamente 12 milhões estariam em condições de serem doadas. “São alimentos que poderiam chegar à mesa das pessoas. No entanto, atualmente, somente 1% desse volume é redirecionado para o consumo”, alerta Siqueira, sublinhando uma grande oportunidade de transformar a realidade de milhões de brasileiros.

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Este artigo detalhou a complexa realidade do desperdício de alimentos no Brasil, contextualizando os esforços da nação no combate à fome e os desafios que ainda persistem. A compreensão aprofundada dessa dinâmica é crucial para as discussões, tanto em nível nacional quanto global, sobre segurança alimentar e sustentabilidade. Convidamos você a continuar acompanhando as Análises de Impacto em nosso portal para obter mais informações relevantes sobre temas fundamentais do cenário brasileiro.

Crédito da Imagem: Getty Images / Mauro Pimentel / Caroline Souza – BBC News Brasil


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