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A história do Dia do Professor, comemorado em 15 de outubro, remonta a iniciativas singulares que convergiram para valorizar o trabalho docente no Brasil. Longe de ser um mero feriado, a data nasceu de um impulso para oferecer descanso e confraternização aos educadores, consolidando-se ao longo do tempo como um marco da importância do magistério e de lutas por reconhecimento profissional. Este percurso envolve figuras proeminentes como Salomão Becker e Antonieta de Barros, que, de diferentes formas, contribuíram para sua instituição e significado.
A semente para o que se tornaria o Dia do Professor foi plantada em 1947 por Salomão Becker (1922-2006), professor do Ginásio Caetano de Campos, em São Paulo. Ele observou o cansaço dos colegas durante o segundo semestre letivo, notavelmente sem pausas, e buscou uma solução. Recordando uma tradição de sua cidade natal, Piracicaba, onde alunos e mestres se confraternizavam com quitutes, Becker propôs uma pausa nas atividades escolares. A escolha da data, 15 de outubro, não foi aleatória; ela coincidia com a Lei Imperial de 1827, sancionada por D. Pedro I, que formalizou a educação pública primária no país. O sucesso da ideia no “Caetaninho” foi tal que, no ano seguinte, em 1948, o dia foi legalmente instituído como lei paulista, expandindo a celebração para outras escolas do estado.
Origem do Dia do Professor: Como a Data Foi Criada
De acordo com Rinaldo Allara Filho, publicitário e pesquisador em educação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a iniciativa de Salomão Becker representa a “gênese afetiva e comunitária” da data. Becker, ao identificar o esgotamento físico e mental de seus colegas, propôs um dia de folga e confraternização, um ato “profundamente humano”. Allara esclarece que o propósito não era estabelecer um feriado nacional, mas sim criar um período de pausa e reflexão, onde os professores pudessem se reunir, compartilhar experiências sobre os desafios da profissão e, sobretudo, sentir-se valorizados. Essa iniciativa, nascida “de baixo para cima” a partir da realidade da sala de aula, focava no congraçamento e na formação de uma comunidade de apoio mútuo, essencial para um ofício que pode ser isolador.
Paralelamente à ação de Becker em São Paulo, e inserida em um contexto nacional de busca pela valorização do educador nos anos 1940, a professora e deputada estadual catarinense Antonieta de Barros (1901-1952) promulgou uma lei instituindo o Dia do Professor como feriado escolar em Santa Catarina. Antonieta de Barros é uma figura histórica de grande relevância, sendo a primeira mulher negra a ser eleita para um cargo público no Brasil. Seu pioneirismo se estende ao movimento negro e à causa feminista, tornando-a um ícone. Italo Francisco Curcio, consultor da Fundação Eduardo Carlos Pereira, destaca que Barros agiu com o mesmo sentido de Becker, valorizando o magistério através da criação de uma efeméride.
Embora não existam evidências de uma colaboração direta entre Becker e Barros, Allara sublinha a importância de compreender o “espírito do tempo” daquela época. O Brasil vivia um período de redemocratização pós-Estado Novo, com intensos debates sobre os rumos da nação e o papel vital da educação. A valorização do magistério era uma pauta central na sociedade. O professor Allara interpreta as duas iniciativas, independentes em sua concepção, como manifestações complementares de uma mesma necessidade: uma brotou da prática e solidariedade docente em São Paulo, e a outra, da visão política e compromisso social em Santa Catarina. Essa complementaridade ressalta que a luta pela valorização não é abstrata, mas conduzida por pessoas reais com motivações concretas. Becker lembra a saúde mental docente e o cuidado mútuo; Antonieta inspira resiliência e visão política.
A força da proposta de dedicar um dia ao professor cresceu em todo o país. O reconhecimento oficial em nível nacional viria em outubro de 1963, quando o então presidente João Goulart (1919-1976) assinou um decreto instituindo o feriado escolar do Dia do Professor em todo o território nacional, selando a relevância da data.
Quem foram Salomão Becker e Antonieta de Barros
Salomão Becker, com formação em filosofia pela Universidade de São Paulo, dedicou 49 anos à docência, ensinando história e geografia em escolas públicas e privadas. Filho de imigrantes moldávios que chegaram ao Brasil no início do século XX, ele superou uma paralisia total no braço direito desde o nascimento. Embora tenha tido uma breve passagem pelo jornalismo como repórter da “Folha da Tarde”, encontrou sua verdadeira vocação no magistério. Após a aposentadoria, cursou Direito e se tornou professor de direito internacional na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Italo Francisco Curcio observa que, apesar da escassez de detalhes biográficos, a criação do Dia do Professor foi suficiente para imortalizar sua notabilidade. Segundo Curcio, Becker visava “muito mais do que a efeméride”, buscava celebrar e dar destaque aos professores.

Imagem: bbc.com
Antonieta de Barros, por sua vez, é uma figura que tem sido resgatada do apagamento histórico, tendo seu nome inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria em 2023. Filha de uma lavadeira ex-escravizada e com uma infância pobre em Florianópolis, ela se alfabetizou na pensão da família, onde sua mãe recebia estudantes. Tornou-se professora, lecionando em escolas e mantendo um curso particular para alfabetizar crianças pobres. Também atuou como jornalista, fundando e dirigindo o jornal “A Semana” e contribuindo para a imprensa local com críticas sociais. Na política, começou como ativista da Liga do Magistério Catarinense, tornando-se deputada estadual e uma das primeiras mulheres eleitas no país, além da primeira mulher negra a ocupar um cargo eletivo, sendo também constituinte em 1935. Allara ressalta que a história de Antonieta ressignifica a data, ligando a valorização do professor à luta por uma sociedade justa e equitativa, reafirmando a educação como pilar da democracia. Sua trajetória inspira a lutar por um futuro onde a valorização do professor seja uma prioridade para a sociedade brasileira.
O Legado da Lei Imperial de 1827 na Data do Professor
Para Vicente de Paula da Silva Martins, linguista e professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), que há 30 anos estuda a história do magistério, a data de 15 de outubro é crucial por ser o “marco fundador do sistema nacional de ensino e da valorização jurídica da profissão docente”, em referência à Lei Imperial de 1827. A escolha dessa data não é apenas comemorativa; é um reconhecimento da origem legal, institucional e simbólica da docência no Brasil. A legislação original de 1827 estabeleceu as bases que definiram o papel dos professores, sua autoridade pedagógica e como o ensino seria organizado no país recém-independente, um projeto de sociedade cujas marcas ainda moldam a percepção do magistério.
Martins aponta que a lei de 1827 distinguia “professor” de “mestre”, sendo este último uma posição mais elevada de supervisão e liderança. Esse arranjo institucional criava uma hierarquia sociopedagógica, marcando o ensino com desigualdades de função, prestígio e gênero. Embora as “mestras” fossem reconhecidas formalmente, operavam sob os limites da sociedade patriarcal. Essa distinção legal ecoa até hoje nos debates sobre valorização docente. Para o professor da UVA, a lei de 1827 é um “documento fundamental” para compreender a educação pública no Brasil, sendo moderna em sua valorização do mérito e da profissionalização, mas limitada pela centralização imperial. A tentativa de D. Pedro I de universalizar o ensino básico com escolas de “primeiras letras” foi ousada para a época, transformando a educação em um serviço público essencial para a construção de uma identidade nacional e cívica, e reconhecendo o professor como agente fundamental na formação moral e intelectual dos cidadãos. Inclusive, a legislação de 1827 previa remuneração para os professores, que, atualizada, varia de R$ 5.733 a R$ 14.336 mensais, e um currículo que incluía leitura, escrita, aritmética, gramática, moral cristã, religião católica, geometria, constituição e história do Brasil.
Ainda hoje, a data do Dia do Professor é fundamental para fomentar a valorização do magistério, embora com “menos pompa do que em outras épocas”, como aponta Curcio. Allara descreve uma “dualidade” no feriado escolar: um reconhecimento afetivo por parte de alunos e famílias, que é valioso para o bem-estar emocional dos docentes, mas que contrasta com desafios estruturais. A celebração, embora sentimental, ainda não impulsiona a valorização profissional que a categoria merece. É preciso, segundo Allara, superar a imagem de uma profissão meramente vocacionada, para consolidar o magistério como um pilar estratégico na construção de futuros cidadãos. A busca por políticas eficazes que valorizem o trabalho do professor persiste, pois, como afirma Curcio, “eu ainda creio que o professor é uma figura respeitada e celebrada”. Para entender melhor a evolução das políticas educacionais e o reconhecimento da profissão docente, explorar o site do Ministério da Educação (MEC) oferece perspectivas sobre o tema.
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O 15 de outubro permanece um momento de profunda reflexão sobre a essencialidade do educador para a sociedade, unindo a memória das primeiras iniciativas para sua celebração à persistente demanda por políticas que elevem sua condição profissional. Este dia convida à valorização e ao reconhecimento de todos os que dedicam suas vidas ao ensino. Para continuar acompanhando notícias e análises sobre educação e sociedade, mantenha-se conectado à nossa editoria de Política.
Crédito da imagem: Acervo do Museu da Escola Catarinense (Mesc/Udesc)
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