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O sionismo cristão representa uma confluência ideológica e religiosa que explica o frequente apoio de cristãos, especialmente evangélicos, ao Estado de Israel em manifestações políticas no Brasil e no mundo. Embora a adesão de fiéis a uma nação primariamente judaica possa parecer contraditória à primeira vista, especialistas indicam que esta vertente fundamentalista baseia-se em uma leitura particular dos textos bíblicos.
Esta interpretação exalta o povo judeu como escolhido por Deus para a Terra Prometida, localizada no Oriente Médio, e advoga pelos interesses israelenses. Teólogas e sociólogas como Brenda Carranza, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ressaltam que os adeptos do sionismo cristão acreditam que a posse e habitação dessa terra pelos judeus são de concessão divina, uma promessa registrada na Bíblia Hebraica.
Sionismo Cristão: Entenda o Apoio Evangélico a Israel
A natureza do movimento é interdenominacional, abarcando membros de diversas denominações protestantes, incluindo igrejas evangélicas tradicionais históricas, pentecostais e neopentecostais. Conforme Maria das Dores Campos Machado, professora aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora de pesquisas na área, o sionismo cristão configura-se como um movimento ideológico transnacional com claras dimensões religiosas e políticas. Ele engaja atores sociais cristãos, majoritariamente evangélicos, na sustentação a Israel.
A Cosmovisão do Dispensacionalismo e suas Raízes Teológicas
O pilar teológico que embasa grande parte deste apoio cristão a Israel é o dispensacionalismo. Trata-se de uma cosmovisão bíblica que advoga pela interpretação literal das escrituras, compreendendo as profecias relativas a Israel como eventos que terão um cumprimento físico e terrestre no futuro da nação. Maria das Dores Campos Machado observa que, desde o início do século XX, o pensamento dispensacionalista já justificava esse suporte, vinculando o retorno dos judeus à Terra Santa como uma etapa crucial para a segunda vinda de Cristo.
Ainda segundo a socióloga, o desenvolvimento subsequente de novas teologias forneceu renovados arcabouços para o apoio ao Estado de Israel em múltiplas conjunturas. O historiador e teólogo Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, critica essa leitura que equipara “Israel de hoje” à “Igreja” ou ao “povo de Deus”, argumentando que ela diverge significativamente dos princípios do Novo Testamento. No entanto, do ponto de vista histórico, o sionismo cristão floresce a partir dessa interpretação, fundindo-se com o fundamentalismo religioso do século XX e ganhando uma notável projeção política com o avanço da extrema-direita globalmente.
Distinções entre Sionismo Judaico e Cristão
A teóloga Brenda Carranza categoriza o sionismo cristão como um movimento político devido à sua ligação direta com a causa sionista. Para seus militantes, Israel possui um direito legítimo, divinamente outorgado, de ocupar seu território, desconsiderando frequentemente debates contemporâneos acerca da divisão territorial com outras populações, como a palestina. Carranza explica que ambos, o sionismo e o sionismo cristão, têm uma origem bíblica, enraizada na crença religiosa do retorno à “Cidade de Davi” e à “Terra Prometida”.
O sionismo, movimento de autodeterminação do povo judeu, surgiu em meados do século XIX e serviu de base para a criação do Estado de Israel em 1947. Os judeus, historicamente vítimas de antissemitismo, buscaram o retorno à terra a que estavam ligados ancestralmente. O termo foi oficializado em Viena, em 1892, e “Sião” se tornou sinônimo de Jerusalém, com os israelitas sendo referidos como “filhos de Sião” nas escrituras bíblicas. Contudo, não há consenso sobre a forma de apropriação territorial na região, habitada também por árabes muçulmanos e cristãos.
Maria das Dores Campos Machado pontua que a desconsideração por essas outras populações é um problema central, caracterizando o sionismo cristão como um conceito preso a um “passado mítico” que exclui os palestinos. A principal diferença reside no embasamento: enquanto o sionismo judaico parte de uma base histórica amalgamada com a religiosidade, o sionismo cristão advoga em prol do Estado judaico por uma motivação nitidamente religiosa.
Para Machado, os sionistas cristãos não adotam uma perspectiva histórica. Eles veem a formação do moderno Estado de Israel como um sinal do cumprimento profético e uma condição essencial para o retorno de Jesus Cristo, confundindo o Estado atual com o imaginário bíblico e endossando a geopolítica israelense como divinamente legítima.
Do Protesto Inglês à Geopolítica Contemporânea
Historicamente, o sionismo cristão ganhou força no protestantismo a partir do século XVI. Gerson Leite de Moraes explica que os protestantes têm uma “simpatia natural por Israel” por serem leitores da Bíblia, onde encontram símbolos e histórias judaicas. Com a tradução da Bíblia para as línguas vernáculas, interpretações literais das profecias do Antigo Testamento, como o retorno dos judeus à Terra Prometida, difundiram-se entre fiéis, a exemplo dos puritanos ingleses. Essa crença divergia da “teologia da substituição”, que defendia que a Igreja havia tomado o lugar de Israel como povo eleito.

Imagem: bbc.com
Se o sionismo judaico era impulsionado pela busca de segurança diante do antissemitismo (motivada por pensadores como Theodor Herzl), o sionismo cristão objetivava “preparar o palco” para os eventos do Apocalipse, como a segunda vinda de Cristo. Essa convergência, apesar das distintas agendas, levou a uma colaboração prática, fortalecendo ambos os movimentos e contribuindo para a fundação de Israel em 1947.
Maria das Dores Campos Machado aponta que, ao longo do tempo, o movimento se expandiu para as Américas, e os evangélicos norte-americanos tornaram-se aliados estratégicos de Israel. Embora existam católicos sionistas, eles são minoria e menos politicamente ativos que os evangélicos. No Brasil, igrejas batistas e pentecostais são centrais no movimento, mas parlamentares católicos também demonstram apoio a Israel.
Aliança com Governos de Direita e Expansão Territorial
Brenda Carranza detalha que, após a Guerra dos Seis Dias em 1967, houve um crescimento na sucessão de governos de direita em Israel. Gradualmente, a ideia de “habitar” a Terra Prometida metamorfoseou-se em uma “busca incessante de legitimação religiosa” com o verbo “possuir”. Essa virada fez com que discursos religiosos se conectassem a pautas conservadoras e de direita, reforçando a toada sionista que congrega cristãos.
Manter esse laço religioso é de interesse do Estado de Israel contemporâneo, especialmente para a extrema-direita, que usa um fervor religioso para legitimar a ocupação territorial com base em um “mandato divino”, como destaca Carranza. Ela reforça que, para cristãos fundamentalistas, citando Isaías 51, a bênção a Israel é retribuída a quem a concede. Essa teologia restaurativa faz com que muitos cristãos vejam os israelenses como “povo escolhido por Deus” e temam punições divinas caso “amaldiçoem” o governo de Israel.
A socióloga ainda argumenta que o sionismo cristão é crucial para a vitalidade do apoio a Israel, tanto no imaginário bíblico quanto no apoio à experiência geopolítica do atual governo de extrema-direita israelense. Ela descreve essa tendência como um esforço geopolítico internacional que busca influenciar políticas para assegurar a preservação territorial do Estado de Israel como ele se encontra, impulsionada por uma perspectiva de extrema-direita, expansionista e colonizadora.
Maria das Dores Campos Machado finaliza que a extrema-direita mobiliza segmentos religiosos cristãos em vários países, sendo os evangélicos pentecostais brasileiros protagonistas na difusão das bandeiras de Israel em eventos políticos. Ademais, políticos não evangélicos utilizam a bandeira de Israel como estratégia para atrair e consolidar apoio desse segmento religioso. Para Gerson Leite de Moraes, associar a Israel bíblica à Israel atual serve primordialmente a interesses políticos.
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Em suma, o sionismo cristão transcende a fé, manifestando-se como um complexo fenômeno geopolítico e teológico que mobiliza milhões em apoio ao Estado de Israel, fundamentado em crenças bíblicas e alianças políticas. Para aprofundar suas reflexões sobre as intersecções entre fé, sociedade e cenários políticos globais, continue explorando nossas Análises aprofundadas sobre política nacional e internacional em nosso portal.
Crédito, Cadu Pinotti/Agência Brasil
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