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A iminente extinção dos jumentos no Nordeste brasileiro, impulsionada pela voraz demanda chinesa por ejiao, mobiliza pesquisadores em busca de soluções inovadoras. Uma notável invenção brasileira, desenvolvida pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), apresenta uma luz no fim do túnel para esses animais, ameaçados por um comércio bilionário global.
O declínio acentuado na população de jumentos é uma consequência direta do comércio de peles, utilizadas na fabricação do ejiao – um milenar elixir da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), reputado por promover vitalidade e outros benefícios à saúde. Essa crescente busca por uma matéria-prima específica resultou em uma dramática redução de 94% no contingente de jumentos no Brasil ao longo das últimas décadas, alertam os cientistas.
Em resposta a essa crise ambiental e cultural, a
Invenção brasileira busca salvar jumentos da extinção
por meio de um projeto ambicioso da UFPR. A iniciativa visa a produção de colágeno de jumento em laboratório, utilizando uma técnica de fermentação de precisão, conhecida como agricultura celular. Espera-se que os resultados preliminares desta pesquisa biotecnológica estejam disponíveis até o final de 2026, abrindo caminho para uma alternativa sustentável ao abate desses equídeos.
A Inovação da Agricultura Celular para Jumentos
Esta abordagem biotecnológica avançada representa a vanguarda na cultura de células para a produção de tecidos, prometendo transformar o panorama do bem-estar animal globalmente. As etapas iniciais do projeto foram reveladas no 13º Congresso Mundial de Alternativas e Uso de Animais nas Ciências da Vida (WC13), sediado no Rio de Janeiro no começo de setembro, marcando um passo significativo na proteção da espécie Equus asinus.
A ameaça aos jumentos não é um fenômeno isolado; o continente africano, berço desses animais, já sentiu o impacto devastador da procura por colágeno, registrando proibições. No Brasil, a espécie, que chegou em 1534 com Martim Afonso de Souza e formou a maior população sul-americana com 90% concentrada no Nordeste, enfrenta uma das maiores crises de sua história. A substituição por veículos motorizados na década de 1990 já indicava uma redução, mas a demanda pelo ejiao acentuou exponencialmente esse processo. De acordo com a ONG internacional The Donkey Sanctuary, um montante de pelo menos 248 mil jumentos foi abatido na Bahia entre 2018 e 2024, em apenas três frigoríficos licenciados pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF) no estado, sendo o Frinordeste, em Amargosa, o principal. Para informações mais aprofundadas sobre o combate global a essa prática e o esforço de salvar jumentos da extinção, os dados da The Donkey Sanctuary são uma referência essencial.
“Estamos próximos de perder nossos jumentos no Brasil”, alerta Carla Molento, doutora em zootecnia e coordenadora dos Laboratórios de Bem-Estar Animal (Labea) e Zootecnia Celular da UFPR. “Esse não é um comércio defensável, nem do ponto de vista puramente pragmático. É um impasse que exige uma interrupção antes que a espécie seja totalmente dizimada, pois a caça só cessará quando não houver mais jumentos para abate”, enfatiza Molento.
Proteção da Espécie e Consequências do Comércio de Ejiao
O ejiao, considerado um tesouro cultural na China, levou à diminuição dos rebanhos não apenas no Brasil e na Ásia, mas também na África. Este último, em uma decisão unânime na Cúpula da União Africana em 2024, implementou uma moratória de 15 anos para o abate e o comércio de pele de jumento, demonstrando um forte compromisso com a proteção do Equus asinus, espécie domesticada e disseminada globalmente há quase 7 mil anos. Tal deliberação, mesmo confrontando seu maior parceiro comercial, a China, foi baseada na importância sociocultural da espécie.
Historicamente, os jumentos têm sido companheiros inestimáveis na evolução humana, auxiliando na agricultura familiar, transporte de água e como animais de estimação, especialmente em nações em desenvolvimento. No Nordeste brasileiro, o jumento transcende sua função prática, sendo um ícone cultural celebrado na literatura de cordel e nas canções de Luiz Gonzaga, como na famosa “Apologia ao Jumento”.
Pesquisa de Ponta em Colágeno de Jumento da UFPR
Na busca por salvar jumentos da extinção, Carla Molento, uma autoridade internacional em zootecnia celular, lidera a equipe científica da UFPR. Com suporte financeiro do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e da Fundação Araucária do Paraná, e em parceria com a Universidade de Wageningen, na Holanda, a pesquisa almeja criar uma alternativa rastreável, segura e ambientalmente responsável. O objetivo primordial é desvincular a demanda de mercado do abate de jumentos e do consequente sofrimento.
“A grande inovação reside na maneira como produzimos colágeno idêntico ao do jumento, geneticamente codificado, mas de uma forma desassociada da morte do animal, que hoje é o único meio de obtê-lo”, detalha a cientista. Embora a técnica de produção de colágeno seja conhecida, sua aplicação especificamente para jumentos é inédita.
O processo desenvolvido insere o DNA do jumento em microrganismos que, programados geneticamente, se multiplicam e geram o colágeno. Diferentemente da extração convencional da pele inteira, a fermentação de precisão permite purificar o colágeno a partir de uma biomassa. Esta metodologia garante a continuidade de um produto exportável sem comprometer a espécie e com um menor impacto ambiental.
Contudo, a cientista reconhece a urgência da situação e os desafios do processo. Embora o investimento de R$ 500 mil do MMA e da Fundação Araucária seja fundamental, Carla Molento aponta a necessidade de recursos adicionais para acelerar as fases de escalonamento, otimização de custos e a obtenção das aprovações regulatórias essenciais, tanto nacionais quanto internacionais, sobretudo na China, considerando o vasto mercado consumidor de ejiao.
Potencial de Mercado e Estratégias Complementares
A viabilidade comercial do colágeno de jumento produzido em laboratório é promissora. Um estudo de 2021 da The Donkey Sanctuary e uma pesquisa de 2020 da YouGov na China indicam que 58% dos consumidores chineses de ejiao considerariam comprar produtos de agricultura celular se estes estivessem disponíveis e acessíveis. O mercado do ejiao, avaliado em mais de 58 bilhões de yuans (cerca de R$ 42 bilhões), consome aproximadamente 5,9 milhões de peles de jumentos anualmente.
A união de pesquisadores para proteger os jumentos ganhou força após a trágica descoberta em 2019 de 200 jumentos mortos por fome em Canudos, Bahia, com outros 800 à espera do abate. Este evento catalisou a formação de uma rede colaborativa entre universidades federais brasileiras. Professor Pierre Barnabé Escodro, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e coordenador do Grupo de Pesquisa em Equídeos e Saúde Integrativa (Grupequi), ressalta que as soluções abrangem aspectos tecnológicos, socioeconômicos, ecológicos e de biossegurança, visando o bem-estar animal e o reconhecimento dos jumentos como patrimônio cultural.

Imagem: bbc.com
O Grupequi propõe um censo preciso da população de jumentos e ações de melhoramento genético da raça nordestina, em paralelo à suspensão do abate de jumentos, para evitar futuras explosões populacionais que poderiam justificar novamente a captura e abate.
As pesquisas desdobram-se em quatro frentes principais: apoio à produção de colágeno de jumento no Paraná, reinserção dos animais na vida rural nordestina como patrimônio cultural e genético na agricultura familiar, utilização em terapia assistida (similar aos cavalos) e desenvolvimento de bioprodutos, como leite de jumenta na USP e vacinas. Apesar das resistências, busca-se reintegrar os jumentos em cadeias produtivas éticas, frente à crueldade do extrativismo. A lenta gestação dos jumentos (11 a 12 meses) e o tempo até o abate (até três anos) são fatores que dificultam a criação intensiva.
Patrícia Tatemoto, porta-voz da The Donkey Sanctuary no Brasil, defende que a preservação dos jumentos é uma questão de justiça social, ecoando a posição da União Africana.
Impactos Econômicos e Ações Legais Contra a Exploração de Jumentos
O agrônomo Roberto Arruda Souza Lima, da Esalq, destaca que o comércio de ejiao beneficia predominantemente a indústria chinesa, sem trazer retornos financeiros substanciais para os municípios nordestinos. Ele argumenta que o setor emprega um número reduzido de pessoas (aproximadamente 100) e tem impacto fiscal marginal, caracterizando uma transferência de recursos do Brasil para a China. O professor Barnabé Escodro reforça que não há uma cadeia produtiva desenvolvida no país, mas sim um modelo de extrativismo internacional.
A demanda chinesa por jumentos ganhou notoriedade no Brasil em 2015, quando a então Ministra da Agricultura, Kátia Abreu, revelou um pedido para exportar um milhão de animais anualmente. Mais recentemente, gestões municipais como a de Amargosa, Bahia, celebram acordos internacionais com a China como sinais de “revolução econômica”, enquanto as informações sobre a negociação de jumentos são omitidas.
A empresa chinesa Deej World, parte do conglomerado estatal Dong’e Ejiao Corporation Limited (DEEJ), maior produtora de ejiao da China, é um dos principais atores. Em 2024, a DEEJ registrou receita anual de R$ 4,43 bilhões e lucro líquido de R$ 1,18 bilhão, impulsionando globalmente o abate de jumentos.
O Ministério Público da Bahia (MP-BA) agiu. No início de setembro, considerou inconstitucional e suspendeu o plano da Shandong Dong’e Black Donkey Husbandry Technology Co., Ltd. (controlada pela DEEJ) de instalar um complexo de “melhoramento genético de jumentos” em Amargosa. O MP-BA argumentou que o acordo visava a exploração em massa dos animais para ejiao, identificando lacunas em licenças ambientais e ausência de aprovação da CTNBio. Amargosa abriga o Frinordeste, o maior frigorífico do Brasil para exportação de peles de jumento.
Além da questão da extinção de jumentos, o transporte irregular e o abate têm gerado sérios riscos sanitários, como casos de mormo (uma doença infecciosa potencialmente fatal para humanos) e problemas sociais, incluindo denúncias de trabalho infantil e análogo à escravidão, evidenciadas pelo MP da Bahia. “É imperativo evitar a extinção e compreender o papel crucial desses jumentos no ecossistema nordestino”, conclui Escodro sobre a missão da comunidade científica.
Em um esforço contínuo para conscientização e defesa dos jumentos, vários projetos de lei tramitam no Congresso Nacional, visando proibir o abate de equídeos no Brasil, prática atualmente permitida por legislação de 1984.
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A situação dos jumentos no Brasil e globalmente é um complexo entrelaçamento de questões ambientais, culturais e econômicas, demandando uma ação coordenada e inovadora. O esforço contínuo dos cientistas e a pressão da sociedade civil são cruciais para que o Brasil adote posturas mais decisivas em relação à proibição do abate de equídeos, garantindo um futuro para esta espécie tão emblemática e, quem sabe, transformando a invenção brasileira busca salvar jumentos da extinção em uma realidade duradoura. Para mais análises aprofundadas sobre desafios e soluções socioambientais, continue acompanhando nossa editoria.
Crédito da imagem: AFP
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