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Ex-Membro do Talebã Alerta sobre Radicalização de Jovens: A tranquilidade da vida atual de Maiwand Banayee, um britânico de 45 anos, contrasta drasticamente com um passado sombrio e o alerta premente que ele emite à sociedade. Morador de Coventry, Reino Unido, Banayee atua no NHS (Serviço Nacional de Saúde), auxiliando pessoas com diabetes, e prossegue seus estudos de pós-graduação. Frequentemente encontrado na academia local, sua rotina é a imagem da pacata vida no interior da Inglaterra. Contudo, há algumas décadas, um único propósito dominava sua existência: “morrer como um mártir” a serviço do Talebã, mesmo que isso implicasse em uma missão suicida.
Maiwand Banayee superou os dogmas do extremismo jihadista do Talebã. A experiência de vida inspirou-o a escrever o livro “Delusions of Paradise: Escaping the Life of a Taliban Fighter” (Ilusões do Paraíso: Escapando da Vida de um Combatente Talebã, em tradução livre). Com esta obra, ele busca prevenir que outros trilhem o caminho da radicalização. O livro detalha como a promessa de uma “sociedade islâmica pura” e a glória associada a ela o convenceram de que o sacrifício de sua vida o levaria diretamente ao paraíso.
Ex-Membro do Talebã Alerta sobre Radicalização de Jovens
Desde que o Talebã retomou o controle do Afeganistão em 2021, uma preocupação central assombra Banayee: o “rápido aumento das escolas religiosas no Afeganistão” representa uma séria ameaça de exposição de uma nova geração de crianças ao extremismo. Nascido no Afeganistão em 1980, Maiwand é o caçula de uma família pashto. Seu nome, concedido por seu pai, um oficial aposentado do exército, foi inspirado na vitoriosa Batalha de Maiwand, na qual os afegãos derrotaram os britânicos em 1880, durante a segunda Guerra Anglo-Afegã. Embora descrito pelo próprio como uma criança gentil e sensível, que era alvo de bullying e de zombarias por não revidar, seu destino tomaria um rumo inesperado.
Os Primeiros Passos na Radicalização: O Campo de Refugiados de Shamshato
Em 1994, aos 14 anos, Maiwand Banayee foi radicalizado por jihadistas enquanto residia no campo de refugiados de Shamshato, no Paquistão. Ele e parte de seus irmãos haviam fugido da capital afegã, Cabul, em meio à Guerra Civil Afegã, sendo posteriormente reencontrados pelos pais. A vida no campo de refugiados era marcada por privações, com poucos confortos e uma avassaladora presença da propaganda religiosa. A rotina começava antes do amanhecer, com cânticos do Corão, seguindo-se aulas intensivas na madrassa (escola religiosa) e múltiplas sessões de oração na mesquita.
Nesse ambiente, os mulás (clérigos muçulmanos) dedicavam grande parte de seus sermões ao tema do martírio. Segundo Banayee, era incessantemente pregado que “o mundo havia se tornado infiel, ateu e que apenas o martírio levaria uma pessoa para o paraíso”. As condições no campo eram, ele descreve, “muito propícias ao extremismo”. Os mulás paquistaneses, que ele considerava mais extremistas e políticos que os que havia conhecido no Afeganistão, enfatizavam a necessidade dos muçulmanos triunfarem para não serem subjugados ao sofrimento. “Eles preparam você para matar e se sacrificar”, afirmou Banayee, descrevendo como a fetichização da morte rapidamente o dominou.
Promessas de Paraíso e Glória Pós-Vida
As pregações dos mulás não se limitavam à glória do martírio, mas também incluíam descrições gráficas da vida após a morte, projetando a imagem de belas virgens, “um milhão de vezes mais bonitas que as mulheres da Terra”, com “grandes seios, pele branca e lábios sedutores”, prometendo que, após cada encontro sexual, “elas se tornariam virgens novamente”. Essas promessas exerciam um impacto psicológico avassalador sobre os adolescentes vulneráveis, segundo Banayee. “Tínhamos fome, éramos pobres, sexualmente reprimidos e impotentes”, lembrou. “Estas promessas traziam esperança para nós.” A essas crenças, ele se entregou, ficando convicto de que a vida após a morte seria infinitamente superior e, de fato, a desejou ardentemente.
Shamshato, originalmente estabelecido em 1983 para acolher refugiados da invasão soviética, tornou-se um bastião do grupo islâmico Hezb-e-Islami, liderado por Gulbuddin Hekmatyar. Ao longo dos anos, Hekmatyar e outros líderes mujahedin receberam apoio financeiro dos Estados Unidos, utilizando as madrassas como ferramenta de recrutamento para combater as forças soviéticas. Apesar da retirada soviética em 1989 e da eclosão da guerra civil afegã, Hekmatyar manteve sua influência na região. Maiwand Banayee se sentia cada vez mais vulnerável e desamparado nesse contexto.
No Coração do Talebã: Ascensão e Contradições Internas
Em 1996, após dois anos no campo, Banayee retornou a Cabul. Nesse período, o Talebã emergira e já controlava a maior parte do Afeganistão, incluindo a capital. O grupo impôs uma interpretação austera da lei Sharia, alinhada aos ensinamentos que Banayee havia recebido no Paquistão. Durante seu primeiro governo (1996-2001), o Talebã proibiu televisão, música e cinema, impediu o acesso de meninas à educação, forçou mulheres ao uso da burca e impôs aos homens o crescimento da barba. Adicionalmente, implementou execuções públicas para assassinos e a amputação de mãos para ladrões.
Banayee juntou-se ao Talebã. Embora não estivesse diretamente envolvido em combate, ele se tornou um divulgador da propaganda do grupo e executor de suas leis, portando uma arma constantemente. Ele recorda um sentimento de empoderamento sem precedentes. “Por toda a minha vida, eu havia enfrentado dúvidas sobre a minha masculinidade e o desejo suprimido de ser considerado corajoso”, confessou. “Agora que eu carregava uma arma sobre o ombro, eu sentia que a Terra estava aos meus pés. Todos os dias, eu colocava um enorme turbante de seda, pegava minha arma e caminhava pela aldeia, como se eu fosse dono do mundo.”
Um episódio marcante ilustra o nível de seu radicalismo: ao retornar para casa, descobriu que seus pais haviam adquirido uma TV preto e branco e suas irmãs estavam assistindo. “Destruí a TV e briguei com meu pai”, relatou. Seus pais o confrontaram, perplexos com o nível de seu extremismo. Para Banayee, essa ação era uma defesa do que havia aprendido: “Eu era um jovem que havia sido ensinado pelos mulás na madrassa que, quando suas mães e irmãs assistem à TV e veem homens sem barba, elas são atraídas por eles e querem dormir com eles.” Banayee aguardava ansiosamente a convocação para lutar contra os soldados leais ao ex-comandante mujahedin Ahmad Shah Massoud, que resistia ao Talebã no norte do Afeganistão. Massoud foi assassinado por um esquadrão suicida da al-Qaeda em 2001, pouco antes dos ataques de 11 de setembro em Nova York. Seu sonho, dizia, era “ir para o norte e me tornar um mártir”.
As Rachaduras na Fé e o Processo de Desradicalização
Após alguns meses no Talebã, Maiwand Banayee começou a questionar o caminho que estava seguindo. Ele viajou de volta ao Paquistão, na esperança de se matricular na madrassa Darul Uloom Haqqania, conhecida como a “Universidade do Jihad”, mas não encontrou vagas. Decepcionado, retornou ao Afeganistão em 1997. No trajeto de volta a Cabul, um incidente o marcou profundamente. Logo após a oração, combatentes talebãs o abordaram, exigindo que ele orasse novamente. Apesar de afirmar já ter rezado, foi ameaçado com agressão caso não obedecesse. “Achei errado, muito desrespeitoso. Eu tinha 17 anos e meu ego ficou ferido. Eu pensei, ‘amo tanto o Talebã, mas é assim que eles me tratam?'”

Imagem: bbc.com
A dúvida também cresceu ao presenciar as execuções públicas no Estádio Ghazi, em Cabul, um local outrora destinado a esportes, agora palco de brutalidades do Talebã. “Eles cortavam mãos”, recordou, lembrando que fechava os olhos. Via um irmão ser forçado a atirar no assassino de seu outro irmão. Foi neste ponto que questionou: “Se estas pessoas representam o Islã, por que existe tanta crueldade?”. Relatos detalhados sobre as condições dos direitos humanos na região foram documentados por organizações internacionais de direitos humanos como a Human Rights Watch.
Os anos seguintes de Banayee foram uma série de idas e vindas entre Paquistão e Afeganistão, dedicando-se a escolas religiosas, fabricação de tijolos e venda de legumes. No campo de Shamshato, as frequentes confrontos entre a polícia paquistanesa e os jovens doutrinados pela educação religiosa eram uma constante. Temendo ser preso, ele deixou a região em 2001, após rumores de uma iminente invasão policial ao campo de refugiados.
Uma Nova Vida no Ocidente: Fuga e Estabilidade
Sua jornada o levou através da Rússia e Dubai, até chegar ao Reino Unido, onde seu pedido de asilo foi negado em 2002. Passou por dificuldades, dormindo em parques e cabines telefônicas públicas em Cardiff, no País de Gales. Escapou de uma tentativa de prisão por policiais de imigração escondendo-se sob uma cama. Em 2004, após dois anos, buscou refúgio na Irlanda, onde seu pedido de asilo também foi rejeitado.
Contudo, na Irlanda, Banayee conheceu uma mulher irlandesa. Eles se apaixonaram e se casaram. Embora o matrimônio não garantisse automaticamente o direito de residência, seu caso foi analisado individualmente, e ele obteve permissão para ficar, tornando-se posteriormente cidadão irlandês. Em 2023, mudou-se para Coventry, onde reside e trabalha como orientador de remissão de diabetes no NHS. Ele e a esposa se separaram há dois anos, mas têm uma filha de 17 anos, que está no ensino médio e se orgulha de seu pai, conhecendo toda a sua história.
A Mensagem Essencial: Questionar e Prevenir
Maiwand Banayee descreve sua desradicalização como um processo “muito gradual”. “A doutrinação leva tempo para se estabelecer”, explicou. “Da mesma forma, abandonar aquela mentalidade não é algo que acontece em um instante.” Ele o classifica como um “longo e lento desvencilhamento”, onde “cada dúvida era uma pequena fissura”, e que, “juntas, elas me libertaram”. Banayee reconhece que seu passado ainda influencia sua vida, e o sonho adolescente do martírio, agora, transformou-se em um pesadelo recorrente. “Era um mundo diferente, foi difícil encontrar meu caminho entre duas culturas completamente diferentes”, afirmou, admitindo que as diferenças foram um fator na separação de sua ex-esposa. O que se vive no passado, ele conclui, sempre afeta presente e futuro.
Consciente de que sua vida poderia ter seguido um rumo mais sombrio, Maiwand observa que muitos de seus conhecidos do Afeganistão persistiram em círculos extremistas. “Alguns dos meus colegas de classe na escola religiosa se tornaram homens-bomba e se mataram, a eles e a outras pessoas. Eu mudei, mas eles, não.” Ele os enxerga, de certa forma, como vítimas, alvos de manipulação por militantes islâmicos na região. Sua última visita ao Afeganistão foi em 2019, e, após as críticas expressas em seu livro, ele acredita ser muito perigoso retornar, dada a retomada do poder pelo Talebã.
Sua mensagem primordial aos jovens em risco de radicalização é um imperativo: questionar tudo. “Eu estava em busca de significado e espiritualidade na vida e vi tudo isso naquele caminho”, relatou. Ele recorda ter absorvido uma série de mitos — a crença de que o corpo do mártir permaneceria intacto, de que escorpiões só atacavam comunistas, ou que pássaros alertariam muçulmanos sobre aviões bombardeiros. Eventualmente, ele começou a duvidar de tudo que lhe havia sido ensinado, e percebeu: “Nenhuma delas era verdadeira.”
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A experiência de Maiwand Banayee oferece um panorama crucial sobre os perigos da doutrinação e a importância do pensamento crítico, especialmente em cenários de vulnerabilidade. A radicalização de jovens pelo Talebã não é um fenômeno distante, e sua narrativa serve como um lembrete contundente dos custos pessoais e sociais do extremismo. Para mais informações sobre a geopolítica da região e outros desdobramentos, continue acompanhando nossa cobertura sobre política internacional e conflitos regionais em https://horadecomecar.com.br/politica.
Crédito da imagem: Maiwand Banayee
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