Protestos da Geração Z: Redes Sociais Mudam Governos?

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Os protestos da Geração Z têm se manifestado globalmente, alterando cenários políticos em diversas nações. Essa juventude, nascida entre 1995 e 2010, utiliza intensamente as redes sociais para vocalizar frustrações e exigir transformações significativas em seus governos. De Madagascar a nações asiáticas, a influência digital demonstra capacidade de mobilização em massa, levando, inclusive, à renúncia de líderes e profundas discussões sobre o futuro da governança democrática e do ativismo cívico na era digital.

Recentemente, em Madagascar, um golpe militar viu o coronel Michael Randrianirina assumir a presidência em 17 de outubro, sucedendo a Andry Rajoelina. A posse ocorreu dias após semanas de manifestações populares lideradas por jovens, que resultaram na fuga do ex-presidente e em seu posterior impeachment. O coronel Randrianirina, trocando seu uniforme de combate por um terno, reconheceu abertamente e agradeceu o papel fundamental desses jovens na movimentação que conduziu à transição de poder, exemplificando o poder catalisador da Geração Z na configuração de novos arranjos políticos.

Protestos da Geração Z: Redes Sociais Mudam Governos?

Em outras regiões do planeta, movimentos semelhantes ecoam com intensidade. No Nepal, a pressão popular contra a corrupção e o nepotismo culminou na renúncia do primeiro-ministro, em um contexto de manifestações que chegaram a escalar para atos violentos, com registros de dezenas de mortos. No Quênia, a juventude utilizou tanto as ruas quanto as plataformas digitais para demandar prestação de contas e reformas governamentais urgentes. O Peru também presenciou marchas multitudinárias lideradas por jovens, motoristas de ônibus e taxistas, que uniram forças contra escândalos de corrupção e o aumento da insegurança. A mobilização em massa resultou na aprovação unânime do afastamento da presidente Dina Boluarte pelo Congresso no último dia 10. José Jerí, que então liderava o Parlamento, assumiu interinamente a presidência, apesar da persistência dos protestos, agora pedindo sua própria renúncia. A Indonésia registrou manifestações expressivas de trabalhadores informais contra cortes em programas sociais, enquanto o Marrocos vivenciou uma das maiores manifestações antigovernamentais dos últimos anos, com demandas claras por melhorias na saúde, educação e severas críticas aos bilhões gastos na construção de estádios para a Copa do Mundo.

Em cada um desses cenários globais, a conectividade digital emerge como um denominador comum indispensável. As redes sociais servem como poderosos instrumentos para o compartilhamento imediato de relatos pessoais, a solidificação da solidariedade entre ativistas, a coordenação de táticas de protesto e o intercâmbio valioso de experiências entre jovens de diferentes localidades. Segundo Janjira Sombatpoonsiri, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais, esses episódios mais recentes se inserem em uma “onda de 15 anos de manifestações lideradas por jovens e moldadas pela conectividade digital”. Essa vasta onda inclui marcos históricos da contestação contemporânea, como a Primavera Árabe (2010-2011), o movimento Occupy Wall Street (2011-2012), o Movimento Indignados contra a austeridade na Espanha (2011), além de protestos pró-democracia na Tailândia (2020-2021), no Sri Lanka (2022) e em Bangladesh (2024), demonstrando uma continuidade na capacidade de mobilização via tecnologia.

A Ascensão da Visibilidade da Corrupção na Era Digital

Steven Feldstein, pesquisador sênior do centro de estudos norte-americanos Carnegie Endowment for International Peace, rastreia a gênese dessa mobilização tecnológica impulsionada pela juventude para um período ainda anterior. Ele aponta para a Segunda Revolução do Poder Popular nas Filipinas, ocorrida em 2001, quando mensagens de texto via SMS desempenharam um papel central na organização popular. “Jovens utilizando tecnologia para impulsionar movimentos de massa não é novidade”, explica Feldstein, indicando que a conexão entre juventude e inovação tecnológica em protestos tem raízes mais antigas. A grande distinção atual, no entanto, reside na elevada sofisticação tecnológica disponível, caracterizada pela ampla e massiva utilização de smartphones, pela proliferação de plataformas de redes sociais, por aplicativos de mensagens instantâneas e, mais recentemente, pelos avanços em inteligência artificial. Tais ferramentas têm catalisado e simplificado extraordinariamente a facilidade de mobilização e coordenação de massas. Feldstein salienta que “foi com isso que eles [a Geração Z] cresceram e é essa a forma que eles se comunicam”, considerando a organização atual desses movimentos como uma “manifestação natural” desse profundo processo de digitalização social e de comunicação inerente a esta geração.

A socióloga Athena Charanne Presto, da Universidade Nacional da Austrália, argumenta que as redes sociais possuem o poder transformador de “transformar algo que poderia parecer apenas um post sobre estilo de vida em política e, em muitos casos, mobilizações significativas”. Presto enfatiza de forma contundente como a corrupção, antes frequentemente percebida como um conceito abstrato relegado a relatórios jurídicos ou análises burocráticas, adquire uma dimensão tangível e imediata quando visualizada através dos smartphones. Imagens de “mansões luxuosas, carros esportivos vistosos, bolsas de grife” exibidas impunemente pelas elites, muitas vezes sem contexto de mérito aparente, tornam a “corrupção algo concreto e insultante”. Ela detalha que “a distância abissal entre o privilégio excessivo da elite e as dificuldades diárias vivenciadas pelo povo se torna um insulto pessoal direto, em que a ideia abstrata de corrupção se desintegra em pedaços palpáveis de injustiça visível”.

Este fenômeno da visualização da corrupção em tempo real foi visível de forma dramática em setembro, no Nepal, onde a indignação popular eclodiu virulentamente após o filho de um político divulgar, em sua conta no Instagram, uma foto ostentando uma árvore de Natal inteiramente adornada com caixas de marcas de luxo. Uma situação análoga e igualmente provocadora foi observada nas Filipinas. Presto comenta: “Assim como no Nepal, isso repercutiu fortemente entre os jovens filipinos porque eles visualizaram, de maneira inegável, algo que já sabiam instintivamente: que as elites políticas vivem em meio a um excesso desmesurado de bens e privilégios, enquanto grande parte da população enfrenta dificuldades”. Adicionalmente, ela ressalta que “no caso das Filipinas, esses excessos estão diretamente ligados ao fato de que os políticos estão comprovadamente desviando dinheiro destinado a projetos de controle de enchentes, uma questão que atinge cada vez mais e mais severamente os filipinos”, reforçando o impacto direto e desastroso na vida e segurança da população comum.

A dimensão digital também potencializou de maneira notável a troca e disseminação de estratégias e táticas de protesto entre ativistas de diferentes nações e culturas. A #MilkTeAlliance, uma rede pan-asiática pró-democracia que surgiu e ganhou força a partir dos intensos protestos em Hong Kong em 2019, tornou-se um epicentro vital para a colaboração e intercâmbio de informações entre ativistas em Mianmar, Tailândia e outros países. Os manifestantes tailandeses, por exemplo, assimilaram com sucesso a abordagem e a tática “seja como a água”, originalmente utilizada com grande eficácia em Hong Kong, caracterizada pelo anúncio estratégico de protestos em locais específicos e a mudança de última hora da localização, orquestrada via canais criptografados do Telegram, dificultando significativamente as ações de bloqueio e repressão policial. “Essa tática ágil e descentralizada ajudou os cidadãos a escapar da vigilância opressora e a evitar prisões”, observa Sombatpoonsiri, destacando a importância da inovação tática digital.

O Efeito de Duas Gumes das Redes Sociais nos Protestos

Contudo, à medida que a dissidência online se propaga em larga escala, regimes autoritários frequentemente respondem com censura cada vez mais rigorosa e com o uso ostensivo da força. Especialistas, entretanto, advertem que tais ações repressivas muitas vezes geram um efeito contraproducente e indesejado, resultando em manifestações ainda mais amplas, intensas e disseminadas. Este efeito reverso é particularmente amplificado quando imagens de violência estatal explícita são transmitidas em tempo real para um público global, incendiando a indignação pública a níveis crescentes e transformando a percepção local em uma condenação internacional. Um exemplo contundente disso ocorreu em Bangladesh, em 2021, quando o governo de Awami League implementou um bloqueio total da internet, efetuou prisões em massa com base na Lei de Segurança Digital e empregou munições reais para atirar contra estudantes ativistas. A imagem do estudante Abu Sayed, morto a tiros pela polícia, circulou amplamente, o transformou em um mártir e impulsionou um número ainda maior de cidadãos desesperados e indignados às ruas em protesto massivo.

Protestos da Geração Z: Redes Sociais Mudam Governos? - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

Padrões análogos foram observados no Sri Lanka, na Indonésia e no Nepal. A morte de manifestantes nesses países catalisou de forma inquestionável a revolta popular, endureceu as reivindicações dos grupos ativistas e, em diversas circunstâncias cruciais, conduziu à queda de governos em exercício. Por outro lado, se as redes sociais intensificam significativamente a visibilidade e o alcance imediato dos protestos, elas também os tornam mais vulneráveis e suscetíveis à fragmentação interna e à repressão sistemática e inteligente por parte das autoridades. A ausência de uma liderança formalizada e centralizada, embora confira “flexibilidade operacional e uma intrínseca sensação de igualdade” entre os participantes, nas palavras de Sombatpoonsiri, também expõe os grupos a riscos consideráveis, como a infiltração de agentes externos, a escalada descontrolada da violência ou desvios inesperados na agenda e nos objetivos iniciais do movimento.

Na Tailândia, uma monarquia constitucional, os intensos debates virtuais contribuíram significativamente para a fragmentação interna do movimento pró-democracia, com a proliferação de hashtags polêmicas como #RepublicofThailand e postagens contendo símbolos comunistas, que alienaram inegavelmente potenciais aliados e segmentos mais moderados da sociedade. De forma semelhante, no Nepal e em Bangladesh, a pouca coordenação estrutural das manifestações resultou em episódios recorrentes de violência e caos. Paralelamente, pesquisas indicam um avanço preocupante: os regimes autoritários estão aprimorando cada vez mais o uso de ferramentas digitais e avançadas para reprimir ativistas de forma eficiente. “Desde a Primavera Árabe, os governos implementaram um sistema de vigilância massiva com uso de inteligência artificial, impuseram uma censura mais rígida e promulgaram leis repressivas draconianas, forçando os ativistas a atuar sob risco constante e iminente”, alerta Sombatpoonsiri, sublinhando a assimetria tecnológica e de poder.

Mudanças Duradouras Versus Mobilização Momentânea

O impacto de longo prazo dos protestos organizados predominantemente através das redes sociais é objeto de intenso debate entre os principais especialistas. Um estudo da renomada Universidade de Harvard, publicado em 2020, apontou uma tendência preocupante no sucesso dessas campanhas: nos anos de 1980 e 1990, notáveis 65% das campanhas não violentas alcançaram sucesso em seus objetivos propostos, mas essa taxa despencou para alarmantes 34% entre 2010 e 2019. “Mesmo quando os movimentos de massa conseguem provocar mudanças pontuais em governos ou regimes, transformações de longo prazo estão longe de serem garantidas ou permanentes”, afirma Sombatpoonsiri. A fragilidade dessas mudanças pode ser evidenciada pelo fato de que “protestos podem evoluir para guerras civis devastadoras, como aconteceu tragicamente na Síria, em Mianmar e no Iêmen, levando facções rivais a disputar ferozmente o poder. Alternativamente, autocratas podem retornar e consolidar sua influência, como observado no Egito, Tunísia e na Sérvia, já que as reformas superficiais falharam em desmontar a infraestrutura enraizada e profunda dos regimes anteriores”, adiciona o pesquisador, realçando a dificuldade de estabelecer mudanças sistêmicas.

Segundo Steven Feldstein, por sua natureza e design, “as redes sociais não foram criadas para promover mudanças de longo prazo ou reformas estruturais. Você depende em demasia de algoritmos voláteis, de indignação momentânea e de hashtags passageiras para manter o movimento de pé”. Ele complementa com um argumento crucial: “A mudança efetiva e duradoura exige que as pessoas encontrem uma forma de transformar um movimento online disperso e efêmero em algo com visão de longo prazo, com vínculos sociais e políticos que sejam tanto físicos quanto online”. Este ponto é crucial para a transição bem-sucedida de um protesto digital efêmero para uma força de mudança estrutural capaz de resistir ao tempo e à repressão. Para um olhar aprofundado sobre o papel multifacetado da Geração Z na redefinição das fronteiras entre ativismo e tecnologia, e como essa dinâmica impacta os quadros políticos globais, pode-se consultar relatórios de organizações dedicadas a estudos globais sobre a juventude e suas pautas cívicas, como as análises frequentemente publicadas pelo Fórum Econômico Mundial sobre engajamento cívico jovem e o futuro da democracia em ambientes digitais, que corroboram a necessidade de ir substancialmente “além das hashtags” para gerar um impacto real e permanente.

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Para assegurar resultados sustentáveis e reformas concretas, especialistas preconizam fortemente a adoção de “estratégias híbridas”. Essas estratégias devem harmonizar e integrar o ativismo online, que é vital para a mobilização rápida e visibilidade, com modalidades mais tradicionais e robustas de protesto e ação política, como greves coordenadas, comícios presenciais massivos e campanhas de lobby direcionadas. Igualmente essencial é o estabelecimento e o fortalecimento de alianças amplas e inclusivas que fomentem a cooperação sinérgica entre diversos setores da sociedade: sociedade civil organizada, partidos políticos ideologicamente alinhados, atores institucionais e movimentos de base, incluindo aqueles emergentes da internet. Em suma, os protestos da Geração Z, inegavelmente potencializados e amplificados pelas redes sociais, são sem dúvida transformadores no curto prazo, capazes de derrubar governos e expor a corrupção de maneira palpável e instantânea. No entanto, para que as mudanças se solidifiquem verdadeiramente e produzam um impacto duradouro e sistêmico, é imperativo que a efervescência digital seja habilmente canalizada para ações concretas e articuladas, estabelecendo bases mais profundas de organização, engajamento e compromisso de longo prazo. Para continuar acompanhando as discussões aprofundadas sobre política, sociedade e os movimentos que redefinem o cenário global, confira as últimas notícias da política nacional e análises especializadas em nossa editoria.

Crédito: Prabin Ranabhat / AFP via Getty Images


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