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O romance Nosso Pedaço de Noite, da renomada autora argentina Mariana Enriquez, emerge como uma leitura obrigatória para entusiastas do gênero de horror. A obra, aclamada pela crítica, tece uma narrativa intrincada que utiliza elementos ocultistas para desvendar camadas profundas de trauma familiar, violência política histórica e a exploração implacável das classes mais desfavorecidas. Embora o terror gótico argentino já seja reconhecido, a contribuição de Enriquez neste volume de quase 600 páginas, originalmente lançado em 2019 na Argentina e com tradução para o inglês em 2023, solidifica-a como uma voz essencial no cenário literário contemporâneo.
Ao longo das páginas, a narrativa proporciona momentos genuinamente assustadores e chocantes, envolvendo antigas divindades, um culto misterioso e atos brutais de violência ritualística. Contudo, em consonância com as melhores obras de terror, o sobrenatural serve como uma poderosa metáfora para horrores mais tangíveis da vida real. Neste contexto, Enriquez habilmente explora a história da violência política da Argentina, as feridas abertas por traumas familiares e a ganância desmedida de uma elite que se crê intocável.
Nosso Pedaço de Noite: Terror argentino épico de Mariana Enriquez
A trama de Nosso Pedaço de Noite transita por diversas décadas, com saltos temporais que abrangem os anos 1980, os turbulentos 1960 e 1970, e um avanço para o final dos anos 1990. O enredo centra-se na jornada de Juan, um viúvo com habilidades mediúnicas, e seu filho Gaspar. Juntos, eles buscam desesperadamente escapar do domínio de “A Ordem”, um grupo de ocultistas ricos e influentes. Juan, em particular, é utilizado pela Ordem para estabelecer contato com “A Escuridão”, uma deidade de natureza indescritível, com características que remetem ao terror cósmico de Lovecraft. Este culto acredita que A Escuridão possui o poder de lhes conceder a imortalidade, tornando Juan uma peça crucial em seus rituais macabros.
Apesar da resiliência a ser verdadeiramente aterrorizado por obras literárias, certas passagens em Nosso Pedaço de Noite são inegavelmente perturbadoras. Juan, proveniente de uma família pobre e imigrante, viu sua vida alterada drasticamente quando suas capacidades mediúnicas foram descobertas. Ele foi arrancado de sua família de origem e transformado em um mero instrumento para os rituais da Ordem, cientes de que tal prática exauriria sua vida prematuramente. Sua principal motivação reside em proteger seu filho Gaspar de um destino semelhante. A autora explora a complexidade da relação entre pai e filho com notável sensibilidade, capturando as nuances e a intimidade da paternidade de uma maneira rara na literatura.
Profundidade dos personagens e o contexto da Guerra Suja
Em contraste com os momentos de ternura, onde Juan conforta seu filho que chora a perda da mãe, ele é frequentemente retratado como cruel e abusivo. Embora disposto a empreender esforços extremos para defender Gaspar da ameaça externa representada pela Ordem, Juan falha em protegê-lo de sua própria fúria e instabilidade emocional. À semelhança de muitos personagens da obra, Juan é tanto uma vítima quanto um perpetrador de abusos, seja em seu âmbito familiar ou sob a opressão de um sistema indiferente que trata seres humanos como descartáveis.
Nosso Pedaço de Noite é uma obra densa e, por vezes, sombria. Ela não hesita em explorar temas pesados, incluindo descrições gráficas de abuso infantil, violência doméstica, agressão sexual, autoritarismo e dependência. Embora a prosa possa ocasionalmente parecer um tanto truncada devido à tradução, o romance se destaca como um dos livros mais cativantes e envolventes já lidos, impelindo o leitor a uma imersão completa no universo criado por Enriquez.
Os personagens concebidos pela autora são intrincados e multifacetados, raramente categorizáveis como puramente bons. Suas motivações frequentemente se mantêm nebulosas, adicionando camadas de realismo psicológico à narrativa. O mundo gótico, cuidadosamente elaborado por Enriquez, encontra sua fundação na traumática realidade política enfrentada pela Argentina durante a Guerra Suja do final dos anos 1970, um período sombrio em que pelo menos 22.000 pessoas foram assassinadas ou desapareceram forçadamente. A mitologia da Ordem, com seus detalhes ricos e aterrorizantes, aprofunda ainda mais a imersão do leitor na complexidade do universo ficcional.

Imagem: Penguin Random House via theverge.com
Amor, sexualidade e o horror sutil
Além dos horrores explícitos, algumas passagens em Nosso Pedaço de Noite têm o poder de se instalar profundamente na mente do leitor. Uma cena em particular, na qual Juan estabelece um elo com A Escuridão em um cemitério, perdurou na memória de Terrence O’Brien por dias, não pela crueza de violência ou gore, mas pela pura força da escrita sinistra de Enriquez. Este exemplo demonstra a maestria da autora em construir terror através da atmosfera e da sugestão, um atributo que poucos conseguem alcançar.
Interessantemente, Nosso Pedaço de Noite também incorpora uma veia sensual marcante. Embora o horror e a sexualidade estejam frequentemente interligados – um traço comum em narrativas de vampiros, por exemplo –, neste livro, a sexualidade não é um mero adendo. Múltiplas cenas de sexo enriquecem a atmosfera de hedonismo que envolve a vida entre os membros da Ordem. Juan é retratado como um ser quase irresistível, com sua estatura alta, cabelos loiros e compleição atlética, características que lhe conferem a imagem de um Adonis. Contudo, essa beleza contrasta dramaticamente com sua saúde frágil: desde a infância, Juan padece de uma condição cardíaca crônica que pode, a qualquer momento, pôr fim à sua vida. Enriquez maneja com destreza essa justaposição, explorando com profundidade a sexualidade do protagonista e integrando diversos personagens queer à narrativa, evidenciando uma abordagem inclusiva e representativa.
Mariana Enriquez ascendeu rapidamente ao patamar de uma das autoras modernas favoritas para muitos leitores e críticos. Além de Nosso Pedaço de Noite, suas coleções de contos, como “Os Perigos de Fumar na Cama” e “As Coisas que Perdemos no Fogo”, também são altamente recomendadas. Embora sejam obras de grande qualidade, é o romance Nosso Pedaço de Noite que frequentemente se destaca, permanecendo vívido na memória de quem o lê. A leitura pode ser acessada por meio de diversas lojas de e-books, mas a recomendação é apoiar sua livraria independente local adquirindo uma cópia física, ou visitar a biblioteca para se aprofundar nessa extraordinária jornada literária.
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A imersão no universo de Mariana Enriquez com “Nosso Pedaço de Noite” oferece uma experiência literária densa e provocativa, onde o terror serve como espelho para reflexões sociais e políticas profundas. Continue explorando as notícias e análises de nossa editoria de Cultura e Literatura para descobrir outras obras que desafiam, inspiram e transformam o cenário literário contemporâneo, enriquecendo sua leitura e conhecimento cultural. Para mais conteúdos relacionados, visite a seção de Cultura em nosso site e mantenha-se atualizado sobre as principais novias do universo literário.
Crédito da imagem: Penguin Random House
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