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Uma tendência batizada de Brazil Core tem conquistado um espaço proeminente nas plataformas digitais, desde o TikTok ao Pinterest, revelando um estilo que mescla o imaginário popular com elementos tipicamente brasileiros. Essa estética vibrante, marcada por cores intensas, paisagens tropicais e símbolos culturais, reflete uma faceta específica do Brasil que se populariza globalmente, transformando clichês em uma linguagem visual compartilhável.
Embora essa “estética brasileira” não seja novidade, ela ressurgiu com força durante o verão europeu, com desfiles e campanhas ganhando destaque e um impulsionamento nas redes sociais. A cada ciclo, essa tendência volta à tona, e as expectativas são de que ganhará ainda mais relevância, como ocorreu em anos de Copa do Mundo. A valorização de itens como a camisa verde e amarela da seleção, por exemplo, já era notada em círculos fashionistas na Europa e nos Estados Unidos desde 2017.
Brazil Core: Estética brasileira periférica ganha o mundo
Contudo, um aspecto fundamental dessa moda é a sua origem: grande parte dos elementos que cativam os estrangeiros provém do que se convencionou chamar de moda periférica. Havaianas, estampas que remetem à natureza tropical e o uso de acessórios vistosos e coloridos são exemplos. Conforme observa Thais Farage, consultora de estilo e pesquisadora em moda e gênero, esses elementos eram frequentemente vistos como “cafonas” ou “coisa de pobre” em seu contexto original. Quando a moda global os incorpora, há uma revalorização, transformando-os em produtos desejáveis no cenário internacional.
A Dualidade da Estética Brazil Core
Especialistas da área de moda, ouvidos pela reportagem, destacam que a tendência do Brazil Core possui uma natureza dual. Por um lado, ela representa uma oportunidade de valorizar e projetar elementos culturais brasileiros, agindo como um convite para uma compreensão mais profunda do país. Esse fenômeno fortalece o que é conhecido como soft power do Brasil, ou seja, sua capacidade de influenciar relações internacionais e impulsionar intercâmbios culturais e comerciais através da sedução de sua cultura, arte, moda e turismo. Para saber mais sobre como países usam essa estratégia, consulte este recurso do Council on Foreign Relations.
No entanto, a outra face da Brazil Core levanta questões importantes sobre apropriação cultural. A antropóloga Mi Medrado, especialista em produção e circulação da moda no Sul Global, com pesquisa em Los Angeles, aponta que a constante repetição desses elementos culturais pode gerar um diálogo reflexivo sobre gênero, classe e raça, mas nem sempre resulta em uma crítica que reformula adequadamente esse imaginário frequentemente apropriado. Farage complementa que, muitas vezes, as redes sociais promovem uma “exportação da estética, e não da cultura”, gerando um certo ressentimento no Brasil, onde a verdadeira complexidade e diversidade do país são ofuscadas por uma imagem superficial. Segundo a consultora, a moda pode transformar identidades como o punk, hippie ou indiana em tendências esvaziadas de sentido.
Apesar disso, existe um aspecto positivo crucial, conforme Farage: a possibilidade de associar essa estética a empreendimentos e iniciativas que genuinamente promovam a cultura e fortaleçam a economia brasileira, revertendo a lógica da apropriação para um modelo de valorização sustentável.
Origens e Retomada dos Símbolos Nacionais
A estética da Brazil Core é revitalizada em ondas pelo olhar internacional, apresentando elementos como tênis coloridos, estampas de rua com grafites, roupas com um toque artesanal de comunidades carentes e acessórios vibrantes, que, combinados com a imagem de corpos bronzeados e diversidade de silhuetas, ganham um status “cool”. O retorno dessa tendência foi especialmente notável em 2022 e 2023, após um período em que os símbolos nacionais brasileiros, como a bandeira e a camisa da seleção, haviam sido cooptados por grupos políticos, perdendo sua essência como ícones da nação. A Copa do Mundo serviu como um catalisador para a re-significação desses emblemas, permitindo que a população retomasse seu orgulho.
O alcance da Brazil Core pode ser observado em sua projeção no cenário internacional, com exemplos como a cantora espanhola Rosalía utilizando bonés da marca brasileira Misci e a grife francesa Jacquemus realizando uma campanha nas icônicas praias cariocas. Um dos marcos dessa disseminação foi um post de Hailey Bieber, modelo com raízes brasileiras e esposa de Justin Bieber, que apareceu com um cropped do Brasil e uma lata de Guaraná, amplificando o alcance da estética na cultura pop global. A marca de streetwear Corteiz também contribuiu para a popularização ao recriar a camisa da seleção de 2002 e escalar Ronaldo para campanhas filmadas em favelas. No entanto, as peças foram vendidas exclusivamente nos Estados Unidos e na Europa, exemplificando a apropriação da estética periférica brasileira para consumo estrangeiro, sem o envolvimento direto do público de sua origem.
A Reinterpretação Internacional das Havaianas
Um caso notório de como o olhar externo transformou a percepção de um produto genuinamente brasileiro é o das Havaianas. No TikTok, a hashtag “Copenhagen way” elevou as sandálias a um símbolo de sofisticação minimalista. Desfiladas em produções que as combinavam com peças de alfaiataria durante a Copenhagen Fashion Week, em agosto do ano passado, na Dinamarca, as Havaianas se tornaram objeto de desejo global. Somente então, no Brasil, a consultora Thais Farage observa que o chinelo passou a ser reinterpretado para contextos urbanos mais formais. Farage enfatiza a histórica dependência do Brasil em relação à validação estrangeira, uma busca por aprovação externa que remonta ao século XIX, quando a elite nacional copiava a moda francesa. A marca Havaianas, atualmente presente em mais de 100 países com lojas e e-commerces, é um dos maiores sucessos de exportação da “imagem brasileira” para o mundo.

Imagem: bbc.com
A pesquisadora defende que a mudança reside em reorientar esse olhar: valorizar a inovação intrínseca das periferias, das comunidades indígenas e dos quilombos, reconhecendo esses espaços como autênticas fontes de símbolos brasileiros, validados por nós mesmos, sem a necessidade da chancela europeia ou americana. Gabriel Oliveira, diretor de branding da Farm, acrescenta que o Brasil, ao longo de sua história, experimentou um isolamento físico, linguístico e cultural que o impulsionou a se voltar para dentro. Apesar de um “desejo forte de reconhecimento externo”, impulsionado por um “complexo de vira-lata”, Oliveira sustenta que há um profundo apreço pela cultura local e o desejo de que o mundo reconheça o valor daquilo que é cultivado internamente. A marca Farm já opera com sucesso em 23 lojas internacionais, distribuídas por países como Estados Unidos (7), França (6), Reino Unido (6), Itália (1), Grécia (1), Emirados Árabes Unidos (1) e México (1).
“Brasil com S” x “Brasil com Z”
A antropóloga Mi Medrado propõe uma distinção interessante entre dois “Brasis”: o “Brasil com Z”, que permeia o imaginário global, e o “Brasil com S”, que representa a realidade complexa e diversa do país, muitas vezes desconhecida. Segundo ela, o interesse estrangeiro se inclina a uma visão quase turística do “Brasil com S”, um “safari” pelas periferias. As redes sociais, no entanto, democratizaram essa narrativa, permitindo que o “Brasil com S” ganhe protagonismo, disputando espaço com a imagem estilizada e distante do “Brasil com Z”.
O Papel do Consumidor e das Marcas Brasileiras
Os especialistas apontam que a atenção global para a Brazil Core pode desencadear mudanças positivas no mercado nacional e na maneira como os consumidores brasileiros encaram seus próprios símbolos e estéticas. O desafio fundamental é valorizar a identidade cultural sem a constante dependência da aprovação externa. Thais Farage reforça a importância de direcionar o olhar para as periferias, comunidades indígenas e quilombolas, onde reside a inovação e os símbolos verdadeiramente brasileiros. Ela cita a Missy, que elabora um luxo autêntico brasileiro com identidade visual própria, valorizando a mão de obra nacional, e a D’Alessandro, que utiliza elementos como folha de banana, ressignificando símbolos nacionais a partir de uma ótica interna e autônoma. Isaac Silva, com elementos da religiosidade afro-brasileira, é outro exemplo. A consultora também ressalta que o Brasil é vasto demais para se limitar a uma única estética. Exemplos como a Dengo, com seus chocolates de cacau baiano e rica narrativa, e a Farm, que desenvolveu estampas autorais, demonstram a riqueza estética do país. Para Gabriel Oliveira, o Brasil é um mosaico cultural em estética, música, espiritualidade e miscigenação, com a marca Farm sendo um veículo para despertar orgulho e conexão, tanto nacionalmente quanto para quem descobre o país de fora.
Brazil Core Além da Moda
Graças à amplificação proporcionada pelas redes sociais, o “Brazil Core” transcendeu a dimensão visual. Essa estética se expande para outras esferas da cultura, incorporando o funk, a sonoridade tropical e até mesmo os memes, projetando o humor brasileiro para o palco digital global. Mi Medrado enfatiza que moda e música são inseparáveis na construção dessa narrativa, formando histórias que ocupam espaço e contestam o apagamento histórico. Ela interpreta o Brazilian Core como um processo de resistência, impulsionando a criação de novas narrativas sociais e resgatando discussões sobre marginalização, evidentes em movimentos como a moda de favela, a moda e o design preto. A performance da cantora Anitta em seu clipe “Girl from Rio”, ao mesclar bossa nova e a realidade periférica, é vista como um eco do anseio que Carmen Miranda expressava na década de 1940. Thais Farage corrobora a conexão histórica entre moda e música e destaca que a crescente popularidade do funk no mundo, impulsionada pelas redes, oferece oportunidades de resistência e mercado, fomentando discussões importantes sobre temas como sua descriminalização, gênero e racismo.
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Em suma, a emergência do Brazil Core no cenário internacional demonstra o potencial da cultura brasileira de gerar impacto global, ao mesmo tempo em que provoca um debate crucial sobre originalidade, apropriação cultural e a valorização das raízes nacionais. Continuar explorando e defendendo a autenticidade de nossa cultura é um caminho fundamental para que a estética brasileira seja reconhecida em sua plenitude. Para saber mais sobre análises de tendências e seus impactos, continue acompanhando nossa editoria em Análises.
Crédito: Caroline Souza/BBC Brasil
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