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A emergência do Brazil Core como uma tendência global de moda tem gerado grande repercussão, catapultando elementos do estilo genuinamente brasileiro para os centros de consumo internacionais. Uma pesquisa rápida em plataformas digitais influentes como TikTok, Instagram e Pinterest revela um conjunto de símbolos e visuais que configuram uma estética pretensamente nacional. Este fenômeno abrange desde cores vívidas e produções de moda, até representações paisagísticas e iconografias que transitam entre o popular e o clichê, consolidando o imaginário coletivo em formatos prontos para compartilhamento global.
A força desta estética brasileira não é exatamente uma novidade. Ela reemergiu com ímpeto durante o verão europeu, encerrado em setembro, marcado por desfiles, editoriais fotográficos e um burburinho intenso nas redes sociais. Assim como outras tendências que operam em ciclos, há um indicativo forte de que o movimento ganhará novo fôlego com a vindoura Copa do Mundo. Desde 2017, observou-se a presença da camisa verde e amarela da seleção de futebol em propostas fashionistas nos Estados Unidos e em diversas regiões da Europa, antecipando essa onda.
Brazil Core: Como Estilo Brasileiro Vira Moda Global
Contudo, um aspecto relevante que merece atenção reside na origem de grande parte dos componentes hoje exaltados pelos observadores estrangeiros. Muitos desses elementos têm raízes profundas no que é conhecido como **moda de favela**, incluindo os onipresentes chinelos Havaianas, estampas tropicais características e o emprego audacioso de acessórios tanto coloridos quanto exuberantes. Segundo Thais Farage, renomada consultora de estilo e pesquisadora no campo da moda e gênero, este foi um estilo intrinsecamente periférico, por longo tempo estigmatizado como “cafona” ou “coisa de pobre”. No entanto, quando assimilado pela moda mundial, transforma-se em um produto com valor reconhecido e desejado.
Analistas especializados em moda, em conversas com a BBC News Brasil, indicam que a tendência **Brazil Core** se manifesta em duas vertentes principais: por um lado, ela catalisa a valorização de expressões culturais intrínsecas, atuando como um convite ao reconhecimento mais profundo e à curiosidade em relação ao Brasil, o que pode amplificar seu “soft power”, a capacidade de um país influenciar por atração. Por outro, há um risco latente de se tornar uma exportação superficial, ancorada em estereótipos vazios e impregnada de aspectos de apropriação cultural. A complexidade da apropriação cultural na moda tem sido um tópico de amplo debate, conforme elucidado por análises em plataformas acadêmicas renomadas, como exemplificado em artigos sobre o tema em The Conversation.
Entre Valorização e Apropriação Cultural
O soft power se refere à habilidade de nações influenciarem relações internacionais e intensificarem trocas comerciais por meio do apelo de produtos culturais como cinema, música, moda, mídia e turismo. Mi Medrado, antropóloga radicada em Los Angeles, cujo doutorado foca na produção e circulação da moda no Sul Global, observa que “a reiteração desses elementos institui um intercâmbio histórico e reflexivo, considerando gênero, classe e raça. Entretanto, nem sempre suscita uma crítica capaz de repensar ou reordenar esse imaginário, frequentemente apropriado de forma inadequada”.
Farage adiciona que as plataformas digitais, com frequência, promovem uma “exportação de uma estética, e não de uma cultura”. Ela comenta que “acho que é a parte que a gente se ressente um pouco aqui no Brasil. Então, é um verde e amarelo. Tenho certeza que, se criássemos uma pesquisa, teria gente que nem sabe direito onde é o Brasil. É muito mais pela estética.” A especialista conclui que a moda, ao empacotar e comercializar conceitos, age de maneira similar ao que ocorreu com as estéticas punk, hippie ou indiana, que possuem identidades fortes e às vezes são questionadas por apropriação cultural, mas que o sistema fashion as esvazia de significado original para transformá-las em tendência. Uma faceta positiva, entretanto, surge quando esta estética se associa a empreendimentos e iniciativas que efetivamente enaltecem a cultura e fortalecem a economia do país.
A Ascensão do Brazil Core na Cultura Pop Global
A cada ressurgimento, o **estilo brasileiro** se redefine aos olhos estrangeiros: tênis vibrantes, grafismos urbanos, vestimentas artesanais inspiradas em comunidades periféricas e acessórios marcantes. Juntos a imagens tropicais, corpos bronzeados e uma gama de silhuetas diversas, esses elementos adquirem um status “cool” característico das ondas de tendências cíclicas. O ano de 2022, época da Copa do Mundo, e o ano seguinte mantiveram essa tendência aquecida. Thais Farage destaca que “estourou essa estética de novo, depois de um hiato importante. Para os brasileiros, havia uma questão de retomada dos símbolos nacionais”. Ela aponta que, em um período anterior, a bandeira e a camisa da seleção foram apropriadas por grupos políticos específicos, perdendo parte de sua representação nacional para adquirir uma conotação política. A Copa, nesse sentido, funcionou como um evento para a reintegração desses ícones.
Farage recorda momentos chave entre 2022 e 2023, como a cantora espanhola Rosalía utilizando boné da marca brasileira Misci e a grife Jacquemus realizando uma campanha nas icônicas praias cariocas. Um post da modelo Hailey Bieber, casada com Justin Bieber e com raízes familiares brasileiras, utilizando um top com as cores do Brasil e uma lata de Guaraná ao fundo, serviu como um poderoso catalisador para a popularização do **Brazil Core** na cultura pop mundial. Outro caso relevante foi a marca de streetwear Corteiz, que recriou a camisa da seleção de 2002 e a promoveu com campanhas nas favelas, tendo o ex-jogador Ronaldo como garoto-propaganda. O sucesso foi expressivo, porém, as peças foram comercializadas apenas nos Estados Unidos e na Europa, não atingindo o público brasileiro. Isso, segundo Farage, “simboliza como a estética **Brazilian Core** – nascida nas favelas, periférica no Brasil – é apropriada para o consumo internacional, convertendo códigos e símbolos brasileiros em produtos de moda, sem necessariamente envolver o público nacional”.
Havaianas e a Validação Externa do Estilo Brasileiro
No TikTok, o uso da hashtag “Copenhagen way” foi fundamental para redefinir as Havaianas, elevando-as a um ícone de sofisticação minimalista. Os chinelos brasileiros, desfilados em combinações inusitadas com alfaiataria durante a Copenhagen Fashion Week em agosto do ano passado, rapidamente se tornaram um objeto de desejo em âmbito internacional. Somente após essa validação estrangeira é que as sandálias foram reinterpretadas no Brasil, rompendo com o seu uso estritamente praiano. Thais Farage nota: “Foi depois de Copenhague usar Havaianas com alfaiataria que se começou a considerar o chinelo em ambientes urbanos mais formais aqui”. Ela acrescenta que, embora no Brasil o uso de chinelos fosse corriqueiro em locais como as praias do Nordeste e do Rio de Janeiro, sua aceitação em contextos de maior formalidade era limitada. Farage enfatiza a necessidade de valorizar nossos símbolos de forma autônoma, sem buscar incessantemente a chancela europeia ou americana, citando uma dependência estética histórica que remonta ao século XIX, quando a elite brasileira imitava a moda francesa. As Havaianas representam um dos maiores êxitos na exportação da “imagem brasileira”, com presença em mais de 100 países através de lojas físicas, pop-ups e e-commerces.
O Papel de Consumidores e Marcas Nacionais
Para Farage, a grande inovação está em direcionar o olhar para a inventividade presente nas periferias, nas comunidades indígenas e nos quilombos, identificando-os como fontes primárias de códigos e símbolos genuinamente nossos. Gabriel Oliveira, diretor de branding da FARM Rio, observa que “o Brasil viveu um certo isolamento – físico, linguístico e até cultural – que nos fez olhar muito para dentro”. No entanto, existe também um desejo forte por reconhecimento externo, remetendo ao “complexo de vira-lata”, mas que, no fundo, transcende a mera busca por aprovação: trata-se do anseio de que o mundo reconheça a profunda valorização interna da própria cultura. A FARM Rio, com suas 23 lojas espalhadas pelos Estados Unidos, França, Reino Unido, Itália, Grécia, Emirados Árabes e México, exemplifica o sucesso desse amor pela cultura.

Imagem: bbc.com
A antropóloga Mi Medrado amplia a análise ao postular a existência de dois “Brasis”: um com “S” e outro com “Z”. O “Brasil com ‘Z'” é a representação que circula no imaginário internacional, muitas vezes distante do “Brasil com ‘S'” – a realidade brasileira multifacetada e popular. Embora o estrangeiro, por vezes, demonstre interesse pelo “Brasil com ‘S'”, este olhar pode se assemelhar a uma espécie de “safári turístico” pelas periferias. Contudo, as mídias sociais reorganizaram essa dinâmica, proporcionando um campo de disputas narrativas. De um lado, o **Brasil com Z**, idealizado e distante; do outro, o **Brasil com S**, complexo e cheio de contradições, que agora encontra mais oportunidades para se expressar e reivindicar seu espaço de protagonismo.
Especialistas da área indicam que a atenção global voltada ao **Brazil Core** pode abrir portas para transformações positivas no mercado interno e na percepção do consumidor nacional. O desafio primordial, ressaltam, é o de valorizar as simbologias e estéticas próprias sem se curvar à necessidade de validação estrangeira. Thais Farage enfatiza que marcas como Missy constroem um luxo intrinsecamente brasileiro, com identidade visual original e valorizando a mão de obra nacional, evidenciando a riqueza do país em designers e criadores únicos. Mi Medrado cita Isaac Silva, que incorpora elementos afro-brasileiros e tradições como a Festa Junina, e D’Alessandro, que utiliza símbolos como a folha de banana, ressignificando o país de dentro para fora.
Farage pontua que a extensão e diversidade do Brasil impossibilitam que ele seja reduzido a uma única estética. Exemplos como a Dengo, que fabrica chocolate de alta qualidade extraído da Bahia, e a própria FARM Rio, que cria estampas autorais, demonstram a capacidade do país de produzir narrativas e visuais únicos. Gabriel Oliveira conclui: “O Brasil é riquíssimo em estética, música, espiritualidade e miscigenação. Antecipamos uma mistura que o mundo só agora começa a viver, e já colhemos frutos disso. Por isso acredito que o movimento de enaltecimento da cultura brasileira está muito longe de ser apenas uma moda”, gerando conexão tanto internamente quanto globalmente.
Brazil Core: A Estética Brasileira Além da Moda
A amplitude das redes sociais permitiu que o **Brazil Core** transcendesse a dimensão visual, incorporando aspectos de outras vertentes culturais. O funk, a riqueza da musicalidade tropical e os memes, por exemplo, agora projetam o humor característico do Brasil para o universo digital. Mi Medrado aponta que moda e música são intrínsecas na elaboração dessas narrativas. “O visual e a música andam de mãos dadas, construindo histórias que ocupam espaço e desafiam o apagamento histórico”, descreve a antropóloga, afirmando que o **Brazilian core** representa também “um processo de resistência e de construção social de novas narrativas, resgatando debates sobre marginalização e silenciamento”, refletido em movimentos como a moda de favela, a moda preta e o design preto, carregados de história e estética de comunidades frequentemente marginalizadas. Ela cita Anitta, que no clipe “Girl from Rio” harmoniza bossa nova e realidade brasileira, criando uma confluência dos “Brasis” – distantes e desiguais – ecoando o anseio de Carmen Miranda na década de 1940.
Para Thais Farage, a interseção entre moda e outras manifestações culturais não é inédita, uma vez que “a moda é parte indissociável da cultura material. Não existe moda sem música. Esse casamento é muito antigo. Nos anos 1990, essa linha ficou ainda mais borrada, com grandes modelos participando de videoclipes.” Farage acredita que a difusão do funk, principalmente através das redes sociais, abre oportunidades tanto para a resistência quanto para o mercado. “Eu acredito que esse momento do **Brazilian core** pode ser usado para discutir a descriminalização do funk. Como pensar pautas de gênero dentro dele, o racismo. É positivo ver o funk circulando no mundo, porque é uma forma de sair da periferia. Ao mesmo tempo, as músicas tocadas nas redes sociais ajudam os músicos – o estouro da Anitta no funk é um exemplo claro. Então, existem dois lados nessa conversa.”
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A proliferação do Brazil Core globalmente não é apenas um fenômeno estético, mas um complexo espelho das identidades culturais e sociais brasileiras. Ao nos aprofundarmos nas nuances dessa tendência, compreendemos como a riqueza de nossa cultura se manifesta e dialoga com o mundo, gerando discussões cruciais sobre originalidade e apropriação. Para acompanhar outras análises relevantes sobre o estilo brasileiro e a influência das celebridades nas tendências de moda, continue explorando nossa editoria de Celebridades, que frequentemente aborda tópicos como este, mantendo um diálogo contínuo sobre o futuro das tendências nacionais no cenário global.
Crédito, Caroline Souza/BBC Brasil
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