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A Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu uma determinação formal para que a Meta, holding responsável pelas plataformas Facebook e Instagram, promova a remoção imediata de todo e qualquer conteúdo e grupos que estejam ativamente engajados na promoção da comercialização ilícita de componentes como lacres, tampas, rótulos e garrafas, usualmente empregados na adulteração e falsificação de bebidas alcoólicas.
Esta ação estratégica da AGU vem como resposta direta a uma investigação detalhada conduzida pela BBC News Brasil, que expôs publicamente, em 3 de outubro, a vasta e operante rede clandestina de comércio desses materiais. Conforme comunicado oficial, a Meta foi instruída a providenciar a informação sobre as providências adotadas no prazo de 48 horas. Além disso, os representantes jurídicos da União exigiram a preservação integral das provas relativas a essas operações, o que abrange registros de publicações, identificação de autores e trocas de mensagens, sob pena de enfrentamento de medidas judiciais, tanto em âmbito administrativo quanto cível ou criminal.
AGU Manda Meta Remover Conteúdo para Falsificação de Bebidas
A investigação da BBC News Brasil desvendou a proliferação de grupos nas plataformas da Meta, alguns de acesso livre e outros restritos, dedicados à negociação de rótulos e tampas de destilados renomados, supostos selos da Receita Federal e embalagens originais de marcas de gin, vodca e uísque. Os anúncios flagrados pela reportagem garantiam distribuição nacional, abrangendo “todo o Brasil”, e disponibilizavam vendas em larga escala, com volumes que chegavam a milhares de itens. O perfil dos interessados frequentemente incluía estabelecimentos comerciais com nomes e logotipos de adegas localizadas em diversas unidades federativas. Notavelmente, apenas um dos grupos monitorados abrigava mais de 10 mil membros, com inúmeros outros de menor porte e acesso mais restrito.
Em paralelo à investigação sobre a facilitação do mercado ilícito, a falsificação de bebidas alcoólicas está sob o escrutínio das autoridades de saúde, que suspeitam de sua correlação com um recente surto de intoxicações por metanol no país. O Ministério da Saúde, em um relatório datado de 4 de outubro, confirmou 14 casos de contaminação pela substância tóxica, todos concentrados no estado de São Paulo, onde o governo paulista contabilizou duas mortes associadas. Mais 181 casos permanecem sob averiguação em território nacional. As investigações exploram duas vertentes principais: a possibilidade de adulteração de destilados ou drinques com metanol, considerando que muitas vítimas haviam consumido essas bebidas em bares, e a hipótese de alguma falha de contaminação durante o processo de envase das garrafas.
Os grupos do Facebook operam como verdadeiras “feiras livres virtuais”, onde vendedores e compradores expõem abertamente seus contatos de WhatsApp, com DDDs que revelam a origem em diversos estados. Embora alguns grupos exijam moderação e autorização para acesso, outros oferecem ingresso totalmente irrestrito. É importante salientar que, a despeito do potencial ilícito, a venda de garrafas vazias por si só não configura um crime, mas especialistas no setor alertam para sua prática recorrente no cenário da falsificação e do mercado paralelo de bebidas alcoólicas. Os comerciantes abordados pela reportagem alegam desconhecer o destino final das embalagens. O rol de anunciantes inclui desde empresas de reciclagem até indivíduos que se apresentam como colecionadores de garrafas.
Na sua notificação oficial, a AGU ressaltou que a permissão para a venda de produtos e insumos com destino à falsificação constitui uma infração às próprias diretrizes das plataformas da Meta. A AGU invoca ainda uma recente deliberação do Supremo Tribunal Federal (STF) que elevou o patamar de responsabilidade das chamadas Big Techs. Segundo esta nova interpretação jurídica, as corporações digitais podem ser responsabilizadas por conteúdos criminosos veiculados por terceiros. Tal significa que as empresas se sujeitam a sanções caso não ajam com a necessária celeridade na remoção desses materiais ilícitos.
A decisão do STF estratificou diferentes níveis de responsabilidade. Determinados conteúdos criminosos deverão ser excluídos após notificação por parte dos usuários. Contudo, infrações de maior gravidade, como veiculação de mensagens antidemocráticas, incitação ao suicídio, conteúdo de pornografia infantil e similares, impõem às empresas a obrigação de agir proativamente na remoção, independentemente de qualquer aviso prévio. A Meta, procurada pela BBC News Brasil na sexta-feira, não emitiu posicionamento oficial sobre o caso até o momento da publicação original da matéria.
O impacto financeiro do comércio clandestino é notável: o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgou um relatório em 2022 apontando que o mercado informal de bebidas movimentou impressionantes R$ 56,9 bilhões no Brasil, um incremento de 224% em comparação a 2017. O modus operandi da falsificação de bebidas frequentemente envolve a reutilização de garrafas de marcas autênticas. O FBSP detalha que a prática de “refil”, na qual vasilhames genuínos são empregados para acondicionar bebidas adulteradas, é uma constante. Apenas em 2023, cerca de 1,3 milhão de garrafas de bebidas foram apreendidas. Um exemplo da amplitude do problema foi a descoberta pela Polícia Civil, em Mogi das Cruzes (SP), de um depósito clandestino onde pelo menos 20 mil garrafas passavam por processos de higienização.

Imagem: bbc.com
Lucien Belmonte, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Vidro (Abividro), critica a falha na fiscalização, que torna o crime compensador neste segmento. Belmonte defende que estabelecimentos que comercializam álcool deveriam direcionar as garrafas para coletores de reciclagem específicos ou contratar serviços de coleta. Ele observa a comercialização de garrafas com tampas por até R$ 450, salientando que “isso não é para fazer abajur, mas para encaminhar para falsificação”, e que “quem vende sabe que o objetivo é o descaminho, que é para esquema de falsificação.” Ele citou um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados, em regime de urgência, que visa categorizar a adulteração de alimentos e bebidas como crime hediondo, e argumenta que a venda de materiais destinados à falsificação também deveria ser tipificada.
O controle sobre destilados importados, como gim e vodca, é realizado mediante o uso de selos impressos pela Casa da Moeda e afixados nas tampas das garrafas. Esses selos genuínos exibem uma holografia com as letras R, F ou B. A Receita Federal esclarece que os selos estão atrelados a aspectos tributários, sem se debruçar sobre a composição ou teor do produto. A responsabilidade pela aprovação de entrada de bebidas importadas no país recai sobre o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), encarregado da verificação e autorização prévia das importações, avaliando sua identidade, qualidade e segurança. É amplamente reconhecido no setor que a rastreabilidade precisa ser ampliada para frear a falsificação de bebidas alcoólicas, mesmo que um novo sistema venha a ser implementado.
Antigo sistema de rastreamento, o Sicobe, foi implantado em 2008 e desativado em 2016, alegando altos custos anuais. Embora o Tribunal de Contas da União (TCU) tenha determinado sua reativação, a questão foi judicializada e aguarda deliberação no STF. Contudo, esse sistema monitorava cervejas e refrigerantes, não os destilados. Especialistas como Sérgio Pereira da Silva, vice-presidente da Associação Brasileira de Combate à Falsificação, argumentam que é essencial haver rastreabilidade dos produtos, uma vez que “hoje você encontra facilmente selos falsificados pra comprar. A mesma gráfica que falsifica o rótulo também falsifica o selo”. O delegado aposentado da Polícia Federal Jorge Pontes critica a falta de controle estatal na produção de bebidas, enquanto o pesquisador Nívio Nascimento, do FBSP, destaca a crescente participação do crime organizado no mercado de ilícitos, incluindo o de bebidas.
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Em suma, a investida da AGU contra a Meta é um marco no combate à crescente onda de crimes cibernéticos ligados à falsificação de bebidas alcoólicas no Brasil, reforçando a necessidade de transparência e responsabilização das plataformas digitais. Este movimento governamental sublinha a seriedade da problemática, que transborda do âmbito econômico para o da saúde pública, especialmente com o alarme gerado pelos casos de contaminação por metanol. Para se manter atualizado sobre esta e outras importantes ações governamentais e desenvolvimentos jurídicos, continue acompanhando a editoria de Política.
Crédito da imagem: Reprodução
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