Ascensão e Controvérsias: A Trajetória de Alexandre de Moraes no STF

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A notável e por vezes controvertida ascensão de Alexandre de Moraes ao posto de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) ocorreu de maneira imprevista. Sua entrada na Corte, em 2017, preencheu a vaga deixada pelo falecimento do ministro Teori Zavascki em um acidente aéreo na cidade de Paraty, no Rio de Janeiro. Essa abertura possibilitou ao então presidente Michel Temer (MDB) a indicação de seu ministro da Justiça, um nome da centro-direita paulista, tal qual o próprio Temer. Em pouco menos de uma década, o ministro Moraes consolidou-se como uma figura central na dinâmica política e jurídica brasileira, transitando entre posições de ojeriza e veneração, especialmente em determinados espectros da esquerda.

Seu rigoroso perfil no campo do Direito Penal ganhou projeção no *Supremo Tribunal Federal (STF)* ao assumir a relatoria de uma série de investigações, que subsequentemente evoluíram para processos judiciais. Tais casos, muitos deles desenvolvidos a partir do notório inquérito das Fake News, iniciado em 2019, direcionaram-se contra indivíduos suspeitos de ataques à ordem democrática, com foco particular em apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro.

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O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é o réu de maior destaque, cujo julgamento, junto a outros sete ex-integrantes de seu governo — incluindo três generais do Exército e um almirante da Marinha —, começou na Primeira Turma do STF nesta terça-feira, 2 de setembro de 2025. Todos são acusados de uma tentativa de golpe de Estado, um evento sem precedentes na história do país. Bolsonaro, assim como a maioria dos outros envolvidos, nega as acusações. A exceção é seu ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, que firmou um acordo de delação premiada com a promotoria, colaborando com as investigações.

O ex-mandatário defende-se, alegando que Cid mente e que seu governo garantiu a transição pacífica de poder para o atual presidente. Caso seja condenado, a pena para Bolsonaro pode ultrapassar 40 anos de prisão. O destino do ex-presidente depende agora do voto decisivo de Moraes, relator do caso e o primeiro a proferir sua manifestação. Os demais quatro ministros da turma seguirão ou divergirão de sua posição. O ministro Moraes, dessa forma, tornou-se tão protagonista na análise da tentativa de golpe quanto o principal réu. Sua atuação durante as investigações e as decisões proferidas à frente do processo, que incluíram prisões de Bolsonaro e outros acusados, geraram tanto elogios quanto críticas intensas, além de torná-lo alvo de pedidos de impeachment no Congresso e sanções diretas do governo de Donald Trump.

Aqueles que apoiam suas ações afirmam que sua postura foi essencial para salvaguardar a democracia brasileira. Por outro lado, seus críticos questionam sua isenção para julgar um caso no qual ele próprio era alvo do suposto plano golpista, denunciando o que consideram abusos e uma concentração desproporcional de poder em suas mãos. Mas como Alexandre de Moraes adquiriu tamanha influência? A análise de sua trajetória e as controvérsias ao seu redor são fundamentais para entender esse panorama.

O Percurso Profissional de Alexandre de Moraes Antes da Corte

Alexandre de Moraes, professor de Direito na Universidade de São Paulo (USP) desde 2002, construiu uma sólida carreira jurídica ao longo dos anos. Após iniciar sua atuação no Ministério Público em 1991, ele ocupou diversos cargos nas administrações municipal e estadual de São Paulo a partir de 2002. Durante esse período, estabeleceu laços significativos com a centro-direita paulista, chegando a se filiar ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Em 2015, Moraes assumiu a Secretaria de Segurança Pública durante a gestão do então governador Geraldo Alckmin, que na época era do PSDB e hoje é filiado ao PSB e ocupa a vice-presidência na chapa com Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Foi nessa fase que a polícia de São Paulo, sob a direção de Moraes, obteve sucesso na rápida resolução do caso de um hacker que tentou extorquir Marcela Temer, então esposa de Michel Temer, após invadir seu celular. Esse episódio, somado a uma boa relação já existente, teria reforçado a confiança de Temer em Moraes. Com a posse de Temer na Presidência, após o impeachment de Dilma Rousseff, Moraes foi nomeado ministro da Justiça.

A constitucionalista Ana Laura Barbosa, professora de Direito da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), enfatiza que o contexto político da época é crucial para compreender a escolha de Temer por Moraes para a vaga inesperada no STF. Naquele momento, a Operação Lava Jato estava no seu ápice, ampliando seu alcance para diversos partidos, não apenas o PT. “Talvez tenha havido essa percepção no momento da nomeação, de que ter um sujeito de confiança, um sujeito com quem [Temer] partilhava de visões políticas similares, poderia, de alguma forma, evitar que a operação chegasse aos grupos políticos a ele aliados”, observou Barbosa.

Para o constitucionalista Joaquim Falcão, que já colaborou com Moraes no Conselho Nacional de Justiça cerca de vinte anos antes, os laços com a esfera política paulista foram importantes para a indicação, mas sua notável capacidade técnica também pesou na decisão. “Na época, ele tinha o manual de Direito Constitucional que vendeu mais de 800 mil exemplares”, exemplificou Falcão. Ele conclui que “engana-se quem acha que ele faz as coisas sem base. Você pode estar contra ou a favor dele, mas que tem uma base técnica, jurídica, tem. O segundo aspecto é que é um trabalhador compulsivo. Ele sempre pretendeu ir para o Supremo”.

De Relator a Figura Central: Dois Anos Que Redefiniram Seu Papel

Nos primeiros dois anos na Suprema Corte, o ministro Moraes manteve um perfil discreto, sem grande protagonismo. Essa dinâmica se alterou drasticamente em março de 2019, quando o então presidente do STF, Dias Toffoli, decidiu instaurar um inquérito para investigar ataques à instituição e designou Moraes como seu relator. Esse foi o famoso Inquérito das Fake News. A abertura dessa investigação gerou controvérsia significativa, pois foi realizada de ofício – ou seja, sem solicitação da Polícia Federal ou da Procuradoria-Geral da República (PGR), os órgãos normalmente responsáveis pela investigação de crimes no país. A então chefe da PGR, Raquel Dodge, chegou a solicitar o arquivamento do inquérito.

Toffoli utilizou um artigo do regimento interno do STF que permite à Corte investigar crimes ocorridos em suas dependências. Em uma interpretação ampliada desse regimento, considerou-se que ataques veiculados no ambiente digital também poderiam ser abarcados por essas apurações. A escolha por Moraes, na época um dos membros mais recentes da Corte, é atribuída à sua vasta experiência em investigações e no comando de forças policiais, um conhecimento adquirido em seu passado como promotor, secretário de Justiça e de Segurança Pública e ministro da Justiça.

O Impulsionador: Inquérito das Fake News e Suas Ramificações

O criminalista Maurício Dieter, professor da faculdade de Direito da USP, comenta: “Desde o momento em que o ministro chega à Corte, ele é investido da presunção de que ele é o especialista em segurança pública. E, como o inquérito das Fake News implicava um ato de investigação, porque era a apuração de quem estava difamando, ameaçando os ministros da Corte, era meio que natural que ele assumisse essa incumbência”.

Inicialmente, o inquérito não estava direcionado a supostos agressores do campo bolsonarista, como pontua o constitucionalista Diego Werneck, professor de Direito do Insper. Naquele período, a investigação era interpretada como uma resposta aos ataques sofridos pelo STF, provenientes de integrantes da Operação Lava Jato e seus apoiadores, especialmente num contexto em que a Corte estava revertendo condenações da operação, inclusive em casos envolvendo o ex-presidente Lula.

Meses após o início do inquérito, Moraes ordenou a remoção de uma reportagem da revista Crusoé que levantava suspeitas sobre Toffoli e uma suposta relação com a empreiteira Odebrecht, investigada na Lava Jato, em período anterior à sua entrada no STF, quando atuava como Advogado-Geral da União no segundo mandato de Lula. Moraes argumentou que não havia evidências dessa relação e que se tratavam de acusações inverídicas. Contudo, o ministro reverteu sua própria decisão após ser alvo de acusações de censura.

“Na minha avaliação, houve um excesso do ministro ali. A suspensão da reportagem foi bastante polêmica, dentro do Tribunal, inclusive levando ao recuo”, rememorou Werneck. O professor observa que, no ano seguinte, em abril de 2020, o cenário político mudou. Bolsonaro participou de um evento em Brasília, onde manifestantes clamavam por intervenção militar e pelo fechamento do Congresso e do STF. O então presidente defendeu o fim da “velha política” e proclamou que era “hora do povo no poder”. Em resposta, o Supremo Tribunal Federal uniu-se em apoio ao Inquérito das Fake News, rejeitando uma ação que pleiteava seu arquivamento em junho de 2020. A investigação, sob a relatoria de Moraes, passou a ser percebida como um instrumento fundamental para a defesa do Poder Judiciário e da democracia.

Naquela conjuntura, o ministro Toffoli justificou que a Corte não poderia permanecer inerte diante dos ataques, especialmente diante da aparente omissão da PF e da PGR, que, na época, era liderada por Augusto Aras, indicado ao cargo por Bolsonaro. “A decisão do Toffoli de abrir o inquérito é uma decisão inconstitucional que foi constitucionalizada a posteriori pelo plenário. A indicação do Alexandre [como relator], o Toffoli não tinha competência [para fazer essa escolha]. O plenário depois consolida isso”, analisou Joaquim Falcão. Para Diego Werneck, o Inquérito das Fake News representou um “divisor de águas na vida de Moraes no Supremo”. “Inclusive, é também o episódio que muda a valência política que se faz do ministro Alexandre de Moraes. Ele, subitamente, se torna importante para a esquerda, para a oposição ao governo Bolsonaro”, recordou Werneck.

A Multiplicação de Inquéritos e o Crescimento da Atuação

Após a validação do Inquérito das Fake News pelo plenário do STF, a proeminência de Alexandre de Moraes na Corte continuou a crescer. A partir de então, uma série de outras investigações foram iniciadas e mantidas sob sua relatoria, sob o argumento de uma suposta conexão com o inquérito original.

Nos anos subsequentes, surgiram apurações sobre temas variados, como a venda de joias do acervo presidencial por Bolsonaro, a suposta falsificação de comprovantes de vacinação contra a covid-19 pelo ex-presidente e a atuação de um alegado “gabinete do ódio” no Palácio do Planalto, entre outras. Todas essas investigações foram centralizadas no gabinete de Moraes, incluindo as que se relacionam aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, quando radicais bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, contestando o resultado da eleição que deu a vitória a Lula.

Em meio a esses inquéritos, o ministro Moraes determinou a remoção de inúmeros conteúdos e contas em redes sociais, além de decretar prisões preventivas, como a de Mauro Cid, o ex-ajudante de ordens, que posteriormente firmaria o acordo de delação premiada. A colaboração de Cid fundamenta uma parcela significativa das acusações contra o ex-presidente no processo referente à alegada tentativa de golpe de Estado.

Debates Jurídicos sobre a Centralização de Poder

A concentração de diversas investigações e processos em um único gabinete ministerial gerou e ainda gera intensa discussão entre juristas. A professora Ana Laura Barbosa, da ESPM, avalia que “a concentração de todos esses processos nas mãos do ministro é excessiva. E, ao falar isso, não estou dizendo que outros ministros decidiriam de modo diferente, ou que existe algum tipo de perseguição”. Ela acrescenta, contudo: “Mas, na minha visão, essa interpretação expansiva de que ele é prevento para julgar todos os casos por ser relator do inquérito das Fake News é, de certa forma, prejudicial à reputação do Tribunal, porque reforça esse personalismo, essa ideia de que existe um indivíduo no Tribunal que é encarregado de resolver todas as questões”.

Em contrapartida, Maurício Dieter, da USP, argumenta que Moraes não está usurpando poderes de outros ministros do STF, mas, na realidade, atuando com o respaldo de seus pares. “Ele concentra poder, porque a Corte inteira o agradece por fazê-lo. Então, acho injusta a crítica de que ele assume o lugar de arbitrariedade, de despotismo. Os ministros todos fazem isso. O que o distingue talvez seja, pela sua biografia, a coragem de ser o rosto dessa reação institucional”, ponderou Dieter.

Analistas também questionam o fato de Moraes proferir muitas decisões de ofício, ou seja, sem que haja uma solicitação explícita da Polícia Federal ou do Ministério Público. “Decidir de ofício é quando o juiz decide algo que não foi pedido por ninguém, ou, pelo menos, que não foi pedido por alguém que tinha legitimidade para isso. É um limite muito importante para o poder de um juiz, sobretudo para garantir a sua imparcialidade”, notou Werneck, do Insper.

Um exemplo notório de decisão de ofício ocorreu quando Moraes incluiu Elon Musk, o proprietário da plataforma X, como investigado no Inquérito das Milícias Digitais – outro desdobramento do Inquérito das Fake News. Outro caso foi a decisão de afastar o então governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), por um período de 90 dias, logo após os ataques de 8 de janeiro. Moraes agiu sem um pedido formal da PGR, e sua decisão veio depois que o presidente Lula já havia determinado a intervenção na segurança pública do DF. O ministro justificou a medida a partir de um pedido genérico da Advocacia Geral da União, que solicitava mais ações para impedir novos atos criminosos. Segundo Werneck, a multiplicidade de decisões de ofício tomadas por Moraes ao longo dos anos coloca o ministro em uma posição delicada para julgar Bolsonaro agora. “Teria sido prudente fazer uma de duas coisas: ou não adotar todo esse protagonismo, ou, ao adotar, depois não participar da decisão”, afirmou Werneck. Questionado sobre estas e outras críticas por meio da assessoria do STF, Moraes optou por não se manifestar.

As Reações Internacionais e o Rigor Judicial

Juristas consideram provável a condenação de Bolsonaro, que poderia acarretar uma pena de mais de 40 anos. O ex-presidente aguarda a decisão sob prisão domiciliar, uma medida decretada por Moraes após a revelação de articulações entre ele, seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL), e o governo de Donald Trump para ações dos Estados Unidos contra o Brasil. A atuação de ambos foi interpretada como crime de obstrução de Justiça, já que Trump impôs tarifas sobre exportações brasileiras e sancionou Moraes e outros ministros do STF com a Lei Magnitsky, em uma tentativa de barrar o julgamento de seu aliado político.

Os especialistas entrevistados concordam que a iniciativa da família Bolsonaro em tentar interferir no processo com o auxílio americano pavimentou o caminho para que Moraes adotasse medidas mais incisivas. “A partir do momento em que Eduardo Bolsonaro sai do país para conspirar contra os interesses nacionais, ele reforça a tese de que as ameaças contra o Supremo Tribunal Federal com a tentativa de golpe de Estado eram projetos levados a sério”, defende Maurício Dieter.

Para a professora Ana Laura Barbosa, o embate entre o STF e o governo Trump acirra a polarização social e representa riscos reputacionais para a Corte que ainda são de difícil mensuração. “A instabilidade é muito maior do que já foi antes, e eu acho que isso é preocupante de modo geral para o país, sobretudo considerando que tem eleições se aproximando”, avaliou. O professor de Direito da USP Rafael Mafei observou que a ocorrência de controvérsias em relação à atuação do ministro é natural, dada a vasta quantidade de decisões que ele profere. Contudo, Mafei pondera que, de maneira geral, Moraes tem agido corretamente para enfrentar o que ele percebe como o maior ataque ao sistema democrático estabelecido pela Constituição de 1988.

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A complexidade dos casos sob sua alçada e as repercussões de suas decisões no cenário político e jurídico do Brasil continuam a ser um tema de grande interesse público e análise especializada.

Com informações de BBC News Brasil

Ascensão e Controvérsias: A Trajetória de Alexandre de Moraes no STF - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com


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