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O impacto das escolhas alimentares diárias e da cronologia das refeições na qualidade do sono tem sido objeto de crescentes pesquisas. Evitar grandes refeições ricas em nutrientes no final do dia é fundamental, uma vez que o corpo emprega um volume considerável de energia para a digestão, o que pode resultar em uma noite de sono interrompida e inquieta, levando à fadiga matinal.
A ingestão de determinados alimentos e bebidas estimulantes, como os que contêm cafeína, é notoriamente prejudicial ao descanso. No entanto, uma linha de investigação crescente explora se outros alimentos, especialmente quando consumidos em momentos específicos antes de dormir, poderiam de fato atuar como coadjuvantes para uma melhor qualidade de sono.
Impacto de Alimentos Específicos Versus a Dieta Integral
Estudos menores e focados revelaram a capacidade de certos alimentos específicos de influenciar positivamente o padrão de sono. Por exemplo, pesquisas indicam que o consumo de suco de cereja-amarena pode auxiliar as pessoas a dormir mais profundamente. Da mesma forma, foi observado que ingerir kiwi antes de se deitar pode beneficiar a qualidade do repouso noturno. O leite quente é outro exemplo clássico, frequentemente associado à melhora do sono. Acredita-se que os elevados teores de triptofano, um aminoácido essencial presente no leite, são cruciais para essa função. O triptofano é precursor da melatonina, frequentemente referida como o “hormônio do sono”, essencial para regular os ciclos de sono e vigília. O corpo humano intensifica a produção de melatonina no período noturno, à medida que a luz diminui, preparando o organismo para o descanso.
Além da produção endógena, a melatonina também pode ser obtida por meio da alimentação. Alimentos como ovos, diversos tipos de peixes, nozes e sementes são fontes diretas deste hormônio. Estudos têm apontado que dietas que incluem uma quantidade significativa de alimentos ricos em melatonina tendem a estar associadas a uma melhor qualidade e maior duração do sono.
Contudo, a comunidade científica também aponta que, embora alimentos específicos possam oferecer algum benefício, não existe uma única “comida milagrosa” ou bebida capaz, por si só, de resolver problemas de sono. A professora de Medicina Nutricional Marie-Pierre St-Onge, do Instituto de Nutrição Humana da Universidade Columbia, em Nova York, Estados Unidos, salienta a importância de uma perspectiva mais abrangente: “Você não pode comer mal o dia inteiro e achar que é suficiente tomar um copo de suco de cereja amarena antes da hora de dormir”. Segundo ela, o corpo demanda um mínimo de duas horas para extrair e processar os nutrientes dos alimentos, transformando-os em substâncias neuroquímicas que promovem o sono. Assim, a composição da dieta ao longo de todo o dia desempenha um papel mais relevante na otimização do sono.
O Tipo de Alimentação Mais Favorável ao Sono
Pesquisas recentes convergem para a ideia de que o tipo de alimentação mais vantajosa para o sono é uma dieta majoritariamente baseada em plantas. Esta inclui um alto consumo de grãos integrais, laticínios e proteínas magras, com destaque para peixes. A professora de Ciências da Nutrição Erica Jansen, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, é uma das vozes que reforça essa teoria. Em um estudo conduzido em 2021, que investigou a intrincada relação bidirecional entre o sono e a alimentação, Jansen concluiu que indivíduos que aumentaram significativamente a ingestão diária de frutas e vegetais por um período de três meses demonstraram uma melhoria substancial em seus padrões de sono.
O estudo, que envolveu mais de mil participantes instruídos a elevar o consumo diário de frutas e vegetais, evidenciou a interconexão. Embora estudos populacionais frequentemente associem dietas mais saudáveis a um sono de melhor qualidade – levantando a hipótese de que indivíduos mais descansados naturalmente tomam decisões alimentares superiores –, a pesquisa de Jansen trouxe luz adicional. Ela identificou que mulheres que adicionaram três ou mais porções diárias de frutas e vegetais à sua alimentação apresentaram uma probabilidade duas vezes maior de experimentar alívio dos sintomas de insônia.
Um dos motivos fundamentais para esses benefícios reside no alto teor de triptofano encontrado em frutas e vegetais, juntamente com carnes magras, laticínios, nozes, sementes, grãos integrais e leguminosas. Este aminoácido essencial é precursor da serotonina, que, por sua vez, é convertida em melatonina. Uma investigação realizada na Espanha em 2024, envolvendo mais de 11 mil estudantes, demonstrou que o grupo que consumia as menores quantidades diárias de triptofano exibia uma qualidade de sono consideravelmente inferior. Os pesquisadores dessa iniciativa concluíram que a baixa ingestão de triptofano está correlacionada a um risco maior de sono de curta duração e insônia, e que o consumo de alimentos mais ricos nesse aminoácido pode, consequentemente, melhorar o sono. Jansen enfatiza que sem uma oferta adequada de triptofano no organismo, ou sem fontes diretas de melatonina na dieta, os níveis de melatonina produzidos pelo corpo são naturalmente reduzidos.
No entanto, a professora St-Onge complementa que não basta apenas consumir alimentos ricos em triptofano. Para que o triptofano seja devidamente absorvido e chegue ao cérebro – onde exercerá sua função promotora do sono –, sua ingestão deve ser acompanhada por carboidratos com alto teor de fibras, como grãos integrais ou leguminosas. Esta combinação é crucial para a digestão adequada e o transporte eficaz da substância. Além disso, a alimentação rica em vegetais oferece outras vias para aprimorar o sono, incluindo a redução de processos inflamatórios no corpo, condição que, segundo pesquisas, está intrinsecamente ligada a um sono mais reparador. A pesquisa de St-Onge, por exemplo, demonstrou uma correlação entre a melhoria do sono e uma dieta rica em fibras, as quais são vitais para a fermentação bacteriana no intestino. Estudos recentes apontam para potenciais mecanismos benéficos do “eixo intestino-cérebro”, que explicariam como um intestino saudável pode, de fato, aprimorar a qualidade do sono.
A pesquisa animal também oferece evidências da ligação entre a melhoria do sono e a ingestão de compostos vegetais bioativos conhecidos como polifenóis. Contudo, Marie-Pierre St-Onge adverte que a avaliação desse efeito em humanos apresenta desafios significativos. Os bancos de dados que mapeiam o teor de polifenóis em diferentes alimentos, e que poderiam ser utilizados para mensurar o consumo individual, nem sempre são totalmente precisos. A quantidade de polifenóis em alimentos pode variar amplamente entre safras, anos, dependendo de fatores como tipo de solo, condições climáticas e processos agrícolas. A mesma variabilidade é observada no teor de melatonina presente em alimentos de origem vegetal, que também pode ser influenciado pelo local e modo de cultivo.
A Importância do Magnésio para o Repouso
O magnésio é outro nutriente vital, abundantemente encontrado em dietas ricas em plantas, que desempenha um papel significativo na promoção de uma noite de sono de qualidade. Este mineral essencial é conhecido por sua capacidade de auxiliar na redução dos níveis de cortisol, o hormônio do estresse, contribuindo para acalmar o sistema nervoso. A recomendação geral para adultos acima dos 30 anos é de aproximadamente 420 mg de magnésio por dia. Fontes alimentares incluem verduras folhosas como espinafre, além de legumes, nozes, sementes e grãos integrais.
No entanto, grande parte da população ocidental demonstra deficiência nesse nutriente. Especialistas atribuem essa carência tanto à prevalência da dieta ocidental, caracterizada por baixo teor de vegetais e alta concentração de alimentos ultraprocessados, quanto às práticas agrícolas intensivas modernas, que podem esgotar os níveis de magnésio no solo utilizado para o cultivo. Um estudo de 2024 conduzido pela professora de Ciências do Exercício Heather Hausenblas, da Universidade de Jacksonville, na Flórida, investigou os efeitos do aumento da ingestão de magnésio em indivíduos com queixas de sono deficiente.

Imagem: bbc.com
Nesta pesquisa, os participantes receberam suplementos de magnésio uma hora antes de dormir durante duas semanas, e um comprimido de placebo durante outras duas semanas. A qualidade do sono foi monitorada por rastreadores corporais, e os próprios participantes relataram suas percepções. Hausenblas concluiu que as fases de sono profundo e REM dos participantes melhoraram significativamente durante o período de suplementação de magnésio, em comparação com o placebo. A professora sugere que os benefícios poderiam perdurar por mais de duas semanas, mas ressalta que o magnésio não é uma solução mágica: “Simplesmente tomar isso [suplementos de magnésio] antes de ir dormir não irá curar todos os seus problemas de sono se você não sair e se exercitar, se comer muitos alimentos ultraprocessados e se não tiver um ciclo estável de sono e vigília.”
Outro benefício do magnésio na promoção do sono reside em sua potencial influência na saúde mental. Pesquisas apontam para uma relação intrínseca entre a má qualidade do sono e condições como a depressão. Um estudo de 2017 demonstrou que a suplementação diária de magnésio gerou melhorias substanciais nos sintomas de depressão e ansiedade, independentemente da idade, gênero ou severidade do quadro depressivo individual. Em um contexto mais amplo, uma dieta rica em frutas e vegetais também tem sido associada à melhora dos sintomas de depressão.
Como o Momento das Refeições Influencia
A comunidade científica concorda que uma refeição noturna cuidadosamente selecionada, por si só, não é suficiente para garantir uma noite de sono ideal. É crucial também considerar o momento das refeições ao longo do dia. Erica Jansen enfatiza que “Um dos pontos mais importantes antes do sono é deixar de comer algumas horas antes de irmos para a cama e, especialmente, não ingerir a maior porção de calorias [do dia] antes de dormir”.
Há pesquisas que ligam refeições feitas mais cedo durante o dia, começando pelo café da manhã, a uma melhor qualidade de sono. Da mesma forma, evidências sugerem que consumir a última refeição do dia muito próximo ao horário de dormir pode prolongar o tempo necessário para adormecer. Isso ocorre, em parte, porque uma clara distinção entre as atividades do dia (alimentação sob luz natural) e o descanso da noite ajuda o cérebro a reconhecer mais facilmente que é hora de dormir. Jansen explica: “Quando você tem uma separação mais clara entre o dia e a noite, o cérebro tem mais facilidade para reconhecer que está na hora de dormir. O cérebro se reinicia toda manhã e a exposição à luz no início do dia é importante para acertar o relógio do nosso corpo.”
Para Erica Jansen, “A hora de comer é outra forma de dizer ao nosso corpo que horas são. O corpo sente que funciona melhor quando estamos fazendo as mesmas coisas no mesmo horário, todos os dias”. Quando se trata do café da manhã, um estudo indicou que um café da manhã rico em laticínios, consumido à luz do dia, pode ser mais benéfico para o sono do que em um ambiente de pouca iluminação. Os pesquisadores sugerem que a exposição à luz solar durante a refeição matinal pode impulsionar a produção de melatonina, o hormônio essencial para induzir o sono à noite.
Contudo, St-Onge ressalva que ainda não há respostas definitivas sobre como a melatonina obtida de alimentos vegetais interage ou influencia a melatonina produzida naturalmente pelo corpo e quais são as suas implicações no sono. A pesquisadora também levanta questões sobre o impacto do metabolismo alimentar no sono, apontando a necessidade de aprofundamento nesses mecanismos. Jansen concorda com a complexidade da área de pesquisa, mencionando outras indagações sem resposta clara, como a quantidade ideal de melatonina necessária na dieta para que esta produza efeitos perceptíveis no sono, e como a luz interage com a alimentação ou se atuam de forma sinérgica na produção de melatonina.
Otimizando a Dieta para um Sono Restaurador
As evidências científicas disponíveis sugerem que uma dieta rica em vegetais se configura como a mais benéfica para o sono, devido a uma variedade de fatores fisiológicos. Além disso, a manutenção de horários de refeição consistentes ao longo do dia pode ser um componente coadjuvante significativo para o sono, quando possível. Contudo, os pesquisadores enfatizam que a alimentação é apenas um dos múltiplos fatores que influenciam o sono. A atividade física diária, a saúde mental, e a adequada exposição à luz e ao escuro também desempenham papéis cruciais na regulação do ciclo de sono e vigília.
É importante ressaltar a distinção entre a má qualidade de sono ocasional e a presença de distúrbios crônicos do sono, como insônia ou apneia do sono. Marie-Pierre St-Onge alerta que, “Se você tiver um distúrbio do sono, você precisa ser examinado e tratado”. Embora a otimização da dieta possa ser incorporada como parte de um plano de tratamento mais amplo, alguns indivíduos com distúrbios específicos necessitarão de intervenções adicionais. Todo o conteúdo apresentado nesta reportagem serve exclusivamente como informação geral e não substitui o aconselhamento profissional de um médico ou de outro especialista em saúde. A BBC não assume responsabilidade por diagnósticos realizados com base no seu conteúdo e não endossa produtos ou serviços comerciais mencionados ou anunciados em sites externos correlatos. Em caso de quaisquer preocupações relacionadas à saúde, é imperativo consultar um médico.
Com informações de BBC News Brasil
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