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O crescimento vertiginoso dos aplicativos de traição, também conhecidos como “apps caça-traição”, tem suscitado graves preocupações entre especialistas em privacidade de dados, que defendem a proibição dessas plataformas. Tais ferramentas, projetadas para supostamente identificar parceiros infiéis, utilizam informações pessoais de usuários de sites de relacionamento de maneiras não consentidas, normalizando uma perigosa prática de vigilância entre pares. O debate central reside na ética e legalidade da raspagem e indexação de dados biométricos e pessoais para fins de monitoramento.
Uma recente investigação do 404 Media revelou o funcionamento de apps como Cheaterbuster e CheatEye, que afirmam empregar tecnologia de reconhecimento facial para rastrear perfis de namoro de indivíduos. Cobrando uma taxa, que pode chegar a US$ 18 por transação, esses serviços localizam perfis de Tinder a partir de um nome ou uma foto do rosto do parceiro. Os testes conduzidos pela 404 Media, com o consentimento dos envolvidos, demonstraram a eficácia na localização dos perfis. Contudo, essa capacidade levanta questionamentos profundos sobre o contexto no qual os dados são utilizados e os riscos intrínsecos à privacidade individual.
Aplicativos de Traição: Alerta sobre Risco à Privacidade
A falta de contexto que acompanha a existência de um perfil no Tinder, quando localizado por esses aplicativos, desconsidera as nuances das relações e valida uma conduta de risco. Praticamente todos os acadêmicos em dados e privacidade consultados expressaram preocupação com o uso dessas ferramentas, e muitos defendem veementemente sua proibição. Eles salientam que a prática promove uma forma invasiva de fiscalização sem a devida autorização dos envolvidos, transformando a desconfiança pessoal em uma prática normalizada de vigilância digital.
Para Heather Kuhn, especialista em segurança cibernética e privacidade e professora adjunta da Faculdade de Direito da Georgia State University, a faceta mais “insidiosa” é como esses aplicativos naturalizam e tornam aceitável a vigilância interpessoal. A professora, que também atua como advogada sênior de privacidade em uma empresa de software, alerta que a comercialização dessas plataformas por meio de vídeos virais no TikTok trivializa a biovigilância. Isso acaba por condicionar as pessoas a enxergá-la como uma solução legítima para dilemas em relacionamentos afetivos, ignorando as sérias implicações legais e éticas.
Quando usuários do Tinder inserem suas imagens e dados de identificação, como local de residência, instituições de ensino ou mesmo a última localização ativa do aplicativo, o consentimento é dado estritamente para uso dentro da plataforma. Segundo Kuhn, os usuários não autorizam que seus dados sejam extraídos, indexados em bancos de dados de terceiros ou pesquisados por meio de suas informações biométricas. Essa prática levanta sérias dúvidas sobre a violação dos termos de serviço das plataformas de relacionamento, um ponto que Marshini Chetty, professora da Universidade de Chicago e especialista em usabilidade e segurança da privacidade, expressa surpresa por não ter sido alvo de ações retaliatórias do Tinder. A empresa, juntamente com Cheaterbuster e CheatEye, não se manifestou sobre as solicitações de comentário.
Mark Weinstein, consultor de tecnologia e autor de livros sobre segurança online, descreve esses apps de terceiros como “francamente arrepiantes”. Ele explica que o que é comercializado como “caça-traição” na verdade constitui vigilância clandestina. Esses aplicativos podem, sim, usar ferramentas de reconhecimento facial para localizar perfis, mas também podem recorrer a uma infinidade de dados públicos para cruzar nomes, idade e localizações, criando bancos de dados de perfis de namoro que o Tinder nunca pretendeu tornar públicos. Trata-se, nas palavras de Weinstein, de uma mineração de dados em massa que conecta informações de indivíduos sem o seu consentimento explícito.
Weinstein, com base em dados citados pelo Bipartisan Policy Center, destaca que a precisão da tecnologia de reconhecimento facial varia entre 90% e 99%. Algoritmos de ponta alcançam 99% em imagens de alta qualidade, mas a taxa pode cair para 90% em condições de menor qualidade ou em cenários do mundo real. Essa margem de erro significativa abre precedentes para muitos enganos e interpretações incorretas. Vale ressaltar, como especialistas alertam, que a tecnologia de reconhecimento facial tem uma maior propensão a identificar incorretamente pessoas de cor. Uma selfie de baixa resolução pode facilmente gerar um falso positivo, levando a situações problemáticas, desentendimentos e, em casos extremos, encontros violentos entre parceiros românticos. Para aprofundar-se em estudos e dados sobre tecnologias e políticas de privacidade, pode-se consultar recursos do Bipartisan Policy Center, referência em análise legislativa nos EUA.

Imagem: Cath Virginia via theverge.com
Mesmo em situações sem o risco imediato de perseguidores ou abusadores, essas ferramentas exploram as piores tendências humanas. Elas prosperam na suspeita e na dúvida, oferecendo – por uma taxa mensal relativamente baixa – uma resposta ou, pelo menos, a ilusão dela, para uma questão profundamente emocional. Kuhn argumenta que, mesmo que a funcionalidade só se concretize em algumas ocasiões, a promoção viral e a gratificação emocional de um “acerto” são suficientes para sustentar o modelo de negócios dessas plataformas, fomentando um ciclo onde a busca por supostas verdades emocionais se sobrepõe à privacidade e ao respeito individual.
Além das questões éticas, os aplicativos caça-traição podem infringir políticas de privacidade já estabelecidas, notadamente o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) da Europa, instituído em 2018 para proteger dados de usuários em toda a União Europeia. Weinstein enfatiza que, na Europa, tais apps sem dúvida violam o GDPR, que concede aos indivíduos direitos claros sobre como seus dados pessoais e imagens são coletados, armazenados e utilizados. Nos Estados Unidos, contudo, o progresso das leis de privacidade é mais lento. Embora não exista uma proteção federal abrangente para a coleta ou uso de dados pessoais, algumas legislações regionais recentes, como o marco legal da Lei de Privacidade do Consumidor da Califórnia (CCPA), concedem aos consumidores o direito de saber como seus dados são usados e de solicitar a exclusão de suas informações online.
Diante desse cenário complexo, Mark Weinstein afirma que a ação legislativa é a única solução capaz de resolver a situação. Ele aponta para esforços bipartidários promissores em andamento, incluindo o COPPA 2.0, que ampliaria as proteções de privacidade online para todos os menores de 18 anos, e a American Privacy Rights Act (APRA), que concederia a todos os cidadãos americanos controle sobre a coleta, o compartilhamento e a venda de seus dados. Weinstein defende que esses projetos de lei sejam urgentemente elevados à agenda legislativa do Congresso, aprovados e, em seguida, sancionados pelo presidente. Embora o então presidente Trump tenha sancionado o Take It Down Act, exigindo que sites removam deepfakes e imagens íntimas não consensuais em 48 horas, não há indicativos de que ele priorizaria essas questões de privacidade mais amplas. O impasse governamental sugere que essas iniciativas não terão um avanço rápido.
A eficácia dos aplicativos caça-traição na comprovação de infidelidade ou na localização de perfis de namoro de pessoas em relacionamentos sérios é questionável. Contudo, seu uso certamente causará uma série de novos e graves problemas para casais, ao mesmo tempo em que normaliza a vigilância e outras práticas cibernéticas prejudiciais e perigosas. Em uma era de adesão cega a tendências e inovações tecnológicas, onde abrimos mão de nosso anonimato por oportunidades, o direito à privacidade está diminuindo a cada dia. “Todos deveriam ter alguma expectativa básica de privacidade, especialmente ao enviar fotos e informações apenas para fins de namoro”, conclui Chetty, aconselhando que as pessoas busquem resolver problemas em seus relacionamentos sem recorrer a esses aplicativos invasivos, e questionem se deveriam estar em um relacionamento onde tal vigilância se faz necessária.
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Este panorama sobre os riscos inerentes aos **aplicativos de traição** ressalta a importância de refletir sobre o impacto da tecnologia em nossas vidas pessoais e nos direitos de privacidade. Fique atento às últimas análises e discussões sobre tecnologia e política, navegando por nossa editoria. Continue acompanhando em análises sobre vigilância digital para entender como as novas leis podem proteger seus dados e garantir sua segurança online.
Crédito da imagem: Cath Virginia / The Verge, Getty Images
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