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O renomado economista sérvio-americano Branko Milanovic, um dos principais especialistas globais em desigualdade, aponta que o Brasil se destaca como uma das nações latino-americanas que mais atenuaram sua disparidade de renda nas últimas duas décadas. Esse período contrariou a tendência global, com a América Latina registrando avanços significativos na mitigação da desigualdade social.
Milanovic, ex-economista-chefe do departamento de pesquisa do Banco Mundial por quase 20 anos e atualmente professor da City University of New York (Cuny), reforça que a proposta brasileira de reforma do Imposto de Renda em discussão no Congresso Nacional possui grande potencial para impulsionar essa redução, embora seja prudente analisar possíveis consequências como a fuga de capital. Ele avalia que o argumento de saída de capital para o exterior, frequentemente utilizado como ameaça, raramente se concretiza, dado que os retornos financeiros no país de origem geralmente permanecem mais vantajosos.
Economista Branko Milanovic sobre Desigualdade: Brasil e Trump
A reforma do Imposto de Renda (IR) proposta no Brasil prevê a elevação da faixa de isenção para R$ 5 mil mensais, uma promessa de campanha do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Adicionalmente, o projeto inclui um desconto parcial para rendimentos anuais entre R$ 5 mil e R$ 7,35 mil. Para compensar a potencial redução na arrecadação decorrente dessas isenções, o governo sugere a tributação progressiva de indivíduos com ganhos anuais superiores a R$ 600 mil, podendo chegar a uma alíquota máxima de 10% para rendas acima de R$ 1,2 milhão. Outra medida em análise é a taxação em 10% na fonte sobre lucros e dividendos distribuídos por empresas a seus acionistas que superem R$ 50 mil mensais, estendendo-se também para valores enviados ao exterior.
Após a aprovação de urgência, a matéria estava pronta para votação em plenário na Câmara, mas teve sua análise adiada devido à prioridade concedida à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) conhecida como “PEC da Blindagem”, que visa a proteger parlamentares de processos criminais.
Análise Histórica da Desigualdade em Obras Recentes
No livro “Visões da desigualdade: Da Revolução Francesa até o fim da Guerra Fria”, lançado no Brasil pela Todavia em 2025, Branko Milanovic investiga as razões que levaram a desigualdade a desaparecer dos debates econômicos durante o período da Guerra Fria. Para tal, o economista examina o pensamento ocidental sobre o tema através de seis pensadores clássicos: François Quesnay, Adam Smith, David Ricardo, Karl Marx, Vilfredo Pareto e Simon Kuznets. Milanovic questiona o que o trabalho de cada um revela sobre a distribuição de renda em suas respectivas épocas e como e por que essas condições poderiam mudar. Segundo Milanovic, a importância dessa abordagem histórica reside na compreensão de como a visão da desigualdade é moldada pelo contexto de cada era, além de ressaltar a lacuna nos estudos contemporâneos que negligenciaram a estrutura de classes e o surgimento das elites.
Milanovic enfatiza que, antes de Pareto, o foco da distribuição de renda residia primordialmente nas classes – proprietários de terras, capitalistas ou trabalhadores. A introdução de Pareto marcou uma mudança para a desigualdade interpessoal, com o surgimento da elite no topo como elemento-chave. Já Kuznets associava a desigualdade à divergência de renda entre agricultura e manufatura, e entre áreas rurais e urbanas. O economista aponta que a economia neoclássica, dominante de 1970 a 2010, amplamente ignorou a questão da desigualdade de renda nos países capitalistas. Ele atribui essa negligência, em parte, à Guerra Fria, à influência política do financiamento de pesquisas por indivíduos ricos, e à mudança na economia neoclássica, que passou a focar em “agentes” em vez de classes.
O Contraste da América Latina e o Cenário Brasileiro
A América Latina se configurou como uma exceção à regra, onde o estudo da desigualdade de renda persistiu por um século, incluindo no Brasil. A visibilidade patente da desigualdade na região e a menor intensidade das pressões da Guerra Fria para negar a existência de classes sociais contribuíram para essa distinção. Na verdade, como observado em análises do Banco Mundial sobre a região, em trabalhos com os de Pedro Ferreira de Souza, Marc Morgan, Sérgio Gobetti e Gabriel Zucman, mesmo ajustando a subnotificação de renda de ricos em pesquisas domiciliares, os dados recentes confirmam um declínio significativo na desigualdade de renda na maioria dos países da região, a partir de um patamar elevado. No caso brasileiro, o coeficiente de Gini, que mede a desigualdade de renda de 0 a 100, caiu de 60 para cerca de 48, um recuo notável que teve início no governo Fernando Henrique Cardoso e foi intensificado sob o governo Lula. Hoje, a desigualdade brasileira é ligeiramente superior à da China, uma inversão significativa em comparação com duas décadas atrás.
Apesar de o debate sobre a reforma tributária brasileira enfrentar resistências, principalmente por parte do setor empresarial, Milanovic não tem dúvidas de que, se implementada de forma substancial e focada nos 10% mais ricos, a proposta reduzirá a desigualdade. A resistência de grupos com maiores rendimentos e influência midiática é previsível, mas a ameaça de fuga de capitais frequentemente se revela exagerada, pois os ganhos no país tendem a compensar os custos adicionais.
“A Grande Transformação Global” e o Novo Cenário Geopolítico
Em seu próximo livro, “The Great Global Transformation: National Market Liberalism in a Multipolar World” (com lançamento previsto nos EUA em novembro e no Brasil pela Todavia em 2026), Milanovic discute a ascensão da Ásia, particularmente da China, Índia, Indonésia e Vietnã. Esse fenômeno redefiniu a distribuição global de poder econômico, gerando insatisfação entre as classes médias dos países desenvolvidos e culminando na eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, além de instabilidades na Europa.

Imagem: bbc.com
A “curva do elefante”, gráfico notório no trabalho de Milanovic, ilustra a redistribuição da renda global e a ascensão das classes médias globais, enquanto o crescimento da classe média alta ocidental estagna. Essa dinâmica explica parte do conflito EUA-China e o surgimento de líderes como Trump, cujas bases eleitorais refletem a insatisfação de grupos que perceberam uma queda em sua posição relativa na hierarquia econômica global. A emergência de novas elites em países asiáticos e em outras nações como o Brasil redefine a composição do topo da pirâmide de riqueza global, alterando as proporções que, outrora, eram quase inteiramente dominadas pelo Ocidente. Embora a elite brasileira sempre estivesse no 1% mais rico do mundo, o número massivo de novas elites de países populosos como a China (1% de 1,4 bilhão é 14 milhões de pessoas) representa uma mudança significativa.
Milanovic também estendeu os dados da “curva do elefante” até 2023, observando que o crescimento das classes médias globais se mantém, a classe média alta ocidental continua com baixo crescimento, mas o topo da distribuição de renda global cresceu a taxas muito menores após a crise financeira de 2008.
Trump e o “Liberalismo de Mercado Nacional”
O economista descreve Donald Trump como um “neoliberal otimista”, distinguindo entre neoliberalismo doméstico e internacional. Internamente, Trump implementou desregulamentação, cortes de impostos e defende um Estado e tributação do capital menores, alinhando-se a preceitos neoliberais. Contudo, na política externa, suas ações são marcadamente mercantilistas e protecionistas, como demonstrado pelas tarifas impostas. Daí a formulação do conceito de “liberalismo de mercado nacional”, onde o neoliberalismo se restringe à economia interna, dissociando-se da política social e da arena internacional.
A postura de Trump em relação à independência do Federal Reserve (Banco Central dos EUA) é vista por Milanovic como um exemplo de seu “otimismo” neoliberal. Historicamente, a independência de bancos centrais era um projeto neoliberal concebido há 50 anos por partidos de direita, que buscavam blindar decisões econômicas do controle popular para proteger o capital. Este movimento derivou de um pessimismo em relação à capacidade de se manter no poder e evitar políticas social-democratas ou socialistas. No entanto, Trump, sendo “otimista”, acredita ter controle absoluto e não vê motivo para não intervir na política monetária. Isso contrasta com os neoliberais mais cautelosos que desejavam a autonomia das instituições financeiras para salvaguardar a economia de políticas populistas. Segundo Quinn Slobodian, em “Globalistas” (Enunciado Publicações, 2022), a independência dos bancos centrais não é uma condição natural, mas sim resultado de decisões políticas impulsionadas por ideologias específicas.
As tarifas impostas por Trump a nações mais pobres, como a Índia (50% de tarifa) e o Brasil, que teve tarifa similar, podem ter um impacto significativo nos PIBs desses países, estimado em 1,5% para a Índia e cerca de 1% para o Brasil. Contudo, Milanovic ressalta a inconstância dessas medidas, as vendo como táticas negociáveis em um “jogo” que pode mudar rapidamente. Ainda assim, um crescimento econômico mais lento causado por tais barreiras é considerado prejudicial à desigualdade, tanto no Brasil quanto globalmente.
Para aprofundar a compreensão sobre as complexas dinâmicas econômicas, as análises de desigualdade e os impactos das reformas políticas na sociedade, continue explorando nossa editoria de Economia. Nossa cobertura visa mantê-lo informado sobre os principais debates que moldam o futuro do país e do mundo.
Crédito: Getty Images, Divulgação/Todavia, AFP, Reuters
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