📚 Continue Lendo
Mais artigos do nosso blog
A preocupação com a ingestão de plástico tem crescido exponencialmente. Recentemente, estudos científicos revelaram uma realidade alarmante: **microplásticos nos alimentos** que consumimos diariamente, muitos dos quais não são visíveis a olho nu. Centenas de partículas microscópicas de plástico podem estar presentes, por exemplo, em um bife antes mesmo de ser cozido. Quando expostas ao calor, essas partículas se liquefazem na carne e solidificam novamente ao resfriar, incorporando-se à refeição.
A presença dessas partículas diminutas não se restringe apenas à carne; é um fenômeno generalizado em diversos itens alimentícios que fazem parte da dieta humana. A ingestão de plásticos se dá de forma contínua e, na maioria das vezes, imperceptível. Os elementos indesejados são denominados microplásticos e nanoplásticos, classificando-se como partículas com menos de 5 mm e entre 1 a 1 mil nanômetros, respectivamente. Este cenário levanta questões urgentes: como tais contaminantes alcançam a comida? E, em um contexto global onde o plástico está onipresente, que providências podem ser tomadas para diminuir sua ocorrência em nossos pratos?
Saúde: Como Evitar Microplásticos nos Alimentos?
A prevalência generalizada dos microplásticos justifica o grande interesse em investigar sua presença física no organismo humano. Uma pesquisa recente demonstrou, inclusive, a existência de um volume equivalente a uma colher de chá de plástico no cérebro médio humano. Uma análise mais minuciosa da própria cozinha pode revelar as origens desses microplásticos que invadem nossas refeições: desde a espátula utilizada para cozinhar até a garrafa d’água na mochila escolar e a xícara de chá. Além disso, eles se infiltram profundamente nos alimentos consumidos, desde o mel até o hambúrguer.
Quando a atenção é voltada para a contaminação por microplásticos, a quantidade de pontos de exposição pode rapidamente tornar-se preocupante. Contudo, é fundamental reconhecer que há estratégias aplicáveis para mitigar a presença dessas partículas na cozinha doméstica. A professora de pediatria e ciências da saúde ambiental e ocupacional Sheela Sathyanarayana, ligada à Universidade de Washington e ao Instituto de Pesquisas Infantis de Seattle, nos EUA, enfatiza a simplicidade das soluções caseiras. “Há muitas soluções caseiras simples, muito fáceis de adotar”, afirma a especialista, que acredita que tais medidas “oferecem às pessoas uma sensação de controle sobre suas próprias vidas e, de fato, temos um pouco mais de controle do que imaginamos.”
Alimentos Mais Comumente Contaminados
Microplásticos foram identificados em uma ampla gama de alimentos, incluindo frutas, legumes, verduras, mel, pão, laticínios, peixes e diferentes tipos de carne, como a de vaca e frango. Surpreendentemente, eles também estão presentes no interior de ovos, tanto nas gemas quanto nas claras. Um estudo que abrangeu 109 países constatou que, em 2018, o consumo de plástico por parte das pessoas havia aumentado mais de seis vezes em comparação com os níveis registrados em 1990. Os microplásticos podem adentrar os alimentos através da absorção pelas raízes das plantas ou quando são ingeridos por animais que consomem ração contaminada.
Sheela Sathyanarayana detalha que “se você cultivar um pedaço de terra que, antes, tinha uso industrial e o solo está contaminado, [existe o] potencial de acúmulo dos contaminantes do solo nas plantas.” Após a colheita, múltiplas oportunidades de contaminação por microplásticos surgem durante as etapas de processamento. A especialista observa que “as fábricas usam uma enorme quantidade de plástico para aumentar a eficiência e o rendimento dos produtos.”
Estratégias para Reduzir a Exposição nos Alimentos
Para certos alimentos, a remoção parcial dos microplásticos antes da ingestão é viável. Uma pesquisa conduzida na Austrália indicou que, em média, indivíduos consomem de 3 a 4 mg de plástico por porção de arroz cozido em casa, e até 13 mg por porção de arroz pré-cozido, sendo essas partículas encontradas tanto em embalagens de papel quanto em sacos plásticos. No entanto, os pesquisadores demonstraram que o enxágue do arroz pode reduzir a quantidade de microplásticos em 20% a 40%. A lavagem de carnes e peixes também contribui para essa redução, embora não os elimine por completo.
No entanto, há alimentos para os quais o enxágue não é uma opção, como o sal, frequentemente contaminado com microplásticos originários de processos de mineração e tratamento. Um estudo de 2018 analisou 39 marcas de sal e encontrou microplásticos em 36 delas. O sal marinho, em particular, apresentou os níveis mais elevados de contaminação, o que é atribuído à intensa poluição plástica em oceanos, rios, lagos e reservatórios hídricos globais.
Profissionais como Sheela Sathyanarayana e Annelise Adrian, da equipe científica de materiais e plástico do WWF, recomendam preferir alimentos frescos e integrais, ou, se possível, diminuir o consumo de produtos ultraprocessados. Sathyanarayana explica: “Quanto mais um alimento for ultraprocessado, mais provavelmente ele terá sofrido alta contaminação por plástico, pois existem muitos pontos de contato nas fábricas produtoras de alimentos.”
Uma redução global de 90% na quantidade de fragmentos plásticos poluindo o ambiente poderia resultar na diminuição pela metade do plástico consumido em nações mais afetadas. Vilde Snekkevik, bióloga marinha e pesquisadora de microplásticos do Instituto Norueguês para Pesquisas da Água, aponta que “o plástico é um ótimo material e é barato.” Para ela, o problema central reside no uso excessivo: “Ele está em toda parte.”
Água Potável: Outra Fonte de Contaminação
A água, seja de torneira ou engarrafada, representa um vetor significativo de exposição a microplásticos. Um estudo revelou que o simples ato de abrir e fechar a tampa de uma garrafa plástica intensifica consideravelmente a quantidade de microplásticos na água. Cada abertura e fechamento libera cerca de 553 partículas por litro de água. Adrian destaca: “Estão surgindo estudos que demonstram que existem muito mais micro e nanoplásticos na água engarrafada do que se pensava anteriormente.”
Microplásticos também são frequentemente encontrados na água da torneira. Uma pesquisa no Reino Unido detectou essas partículas em todas as 177 amostras analisadas, sem variação expressiva na concentração quando comparada à água engarrafada. Observações similares na Europa, China, Japão, Arábia Saudita e Estados Unidos confirmam que essa é uma questão global. Contudo, considerando as alternativas, a água da torneira, desde que sua fonte seja segura, pode ser uma opção mais vantajosa para diminuir a exposição a microplásticos.
Annelise Adrian sugere que investir em um filtro de água de qualidade faz uma diferença notável. Um filtro de carvão comum, por exemplo, tem a capacidade de remover até 90% dos microplásticos. Entretanto, mesmo com água de baixo teor de microplásticos, um único saquinho de chá que contenha plástico em sua composição pode liberar cerca de 11,6 bilhões de partículas de microplástico e 3,1 bilhões de pedaços de nanoplástico na xícara. O plástico é frequentemente empregado em pequenas proporções para vedar saquinhos de papel; felizmente, alguns fabricantes já oferecem opções de saquinhos de chá sem plástico.
Embalagens e Recipientes
Grande parte da comida é embalada em plástico. Adrian aponta que “alimentos embalados em plástico, inevitavelmente, conterão microplásticos. Isso pode também incluir as latas de alumínio revestidas com plástico, como as de feijão.” O simples ato de abrir essas embalagens já libera uma quantidade significativa de microplásticos. Segundo um estudo australiano, seja com tesoura, rasgando com as mãos, cortando com faca ou desenroscando uma tampa, é possível liberar até 250 pedaços de microplástico por centímetro de abertura. “É desnecessário lembrar que os processos repetidos de abertura na mesma posição são similares ao uso de uma serra, destinado a gerar fragmentos”, conforme enfatizam os autores da pesquisa.
A idade do recipiente plástico também influencia na liberação de partículas. Uma pesquisa na Malásia com tigelas reutilizáveis de melamina revelou que, após 100 lavagens, a liberação de microplásticos aumentou em uma ordem de magnitude em comparação com a primeira lavagem. Outros materiais, como o silicone, podem exibir comportamentos distintos à medida que envelhecem. Mesmo com períodos curtos de contato dos alimentos com o recipiente, o potencial de contaminação é considerável. Um estudo sobre microplásticos em recipientes de entrega de alimentos na China estimou que indivíduos que utilizam esses serviços de cinco a dez vezes ao mês podem ingerir de 145 a 5.520 fragmentos de microplástico oriundos das embalagens.
Utensílios de Cozinha e Preparação de Alimentos
Após retirar os alimentos da embalagem ou recipiente, o processo de preparação em si é outra etapa crucial de exposição. As tábuas de corte representam um ponto de partida para muitos pratos. Um estudo que analisou fatias individuais de alimentos preparadas em uma tábua estimou que 100 a 300 partículas de micro ou nanoplástico podem ser geradas por milímetro de corte. Uma pesquisa de 2023 calculou que tábuas de polietileno liberam de 7,4 a 50,7 gramas de microplásticos por ano, enquanto as de polipropileno liberam aproximadamente 49,5 gramas anualmente. Para contextualizar, uma porção generosa de cereal matinal pesa cerca de 50 gramas. É importante notar que este foi um estudo em pequena escala, e a liberação de microplásticos variou conforme o tipo de tábua e os estilos de corte individuais. Snekkevik, autora de uma análise de 2024 sobre fontes de microplásticos na cozinha, questiona: “Para onde foi o plástico? Ele tem que ter ido para algum lugar.” Muitas vezes, ele vai direto para o alimento.

Imagem: bbc.com
Em 2022, pesquisadores dos Emirados Árabes Unidos relataram que a carne vendida em açougues e supermercados continha microplásticos provenientes de tábuas de corte de plástico. Esses microplásticos se fundem quando a carne é cozida e se solidificam novamente ao resfriar a refeição. A lavagem completa da carne por três minutos reduziu a presença, mas não eliminou os microplásticos, segundo os pesquisadores. A análise de uma tábua de açougue estimou uma perda de 875 gramas de plástico ao longo de sua vida útil.
Utensílios de cozinha antiaderentes desgastados podem liberar milhares ou até milhões de partículas de microplástico, configurando outra fonte frequentemente subestimada. Mesmo utensílios novos, utilizados com um batedor de silicone macio, liberam quantidades significativas. De modo semelhante, misturadores e tigelas de plástico liberam partículas a cada uso; por exemplo, bater gelo por cerca de 30 segundos gera centenas de milhares de microplásticos.
Silicone e Outras Alternativas
O silicone é frequentemente apontado como uma alternativa mais segura que os utensílios de plástico. No entanto, Adrian adverte que não existem provas concretas de que este material libere menos microplásticos. “Embora o silicone seja tecnicamente mais estável e suporte temperaturas mais altas que o plástico descartável, ele não elimina totalmente os problemas de lixiviação e microplásticos”, esclarece. Mesmo assim, ela continua a usá-lo na cozinha por sua estabilidade. Snekkevik, por sua vez, ressalta que o silicone se degrada sob calor muito intenso. Ela o considera uma boa alternativa que demanda mais para se fragmentar do que o plástico comum, mas ainda assim se mantém cautelosa quanto a uma recomendação irrestrita.
Snekkevik sugere o uso de vidro e aço inoxidável como alternativas para certos utensílios de cozinha. Além disso, surgem os bioplásticos baseados em química verde, desenvolvidos para serem biodegradáveis (diferente do plástico convencional) tanto no ambiente quanto no organismo humano. Paul Anastas, professor de química prática para o meio ambiente na Universidade Yale, EUA, explica: “Essencialmente, o corpo evoluiu de forma a metabolizar os biomateriais e não para metabolizar materiais sintéticos.” Anastas destaca que a química verde possibilita a criação de plásticos com menor risco, sendo “benefícios por definição”. Contudo, muitos plásticos, como os canudos de ácido poliláctico, são falsamente promovidos como biodegradáveis, quando na realidade, muitas vezes apenas se fragmentam mais rapidamente em microplásticos, segundo Snekkevik, que afirma: “Eles ainda não são a alternativa perfeita.”
O Calor e a Química dos Alimentos no Aumento da Liberação de Microplásticos
Uma vez que os ingredientes estão preparados, o processo de cozimento se inicia. Quanto mais elevada a temperatura de aquecimento de plásticos, maior a probabilidade de liberarem microplásticos. Um estudo recente demonstrou que recipientes plásticos aquecidos no micro-ondas por apenas três minutos podem desprender até 4,22 milhões de partículas de microplástico e 2,11 bilhões de fragmentos de nanoplástico de um único centímetro quadrado de sua superfície. A utilização de recipientes similares na geladeira também pode resultar na liberação de “milhões a bilhões” de microplásticos e nanoplásticos, porém, em um período muito mais estendido, de cerca de seis meses.
Colocar uma bebida quente em um copo de plástico descartável é outro fator que contribui para a geração de microplásticos. Testes com diversas variedades de copos revelaram que os fabricados com polipropileno, contendo água aquecida a 50°C, liberaram a maior quantidade de microplásticos. Em todas as variedades testadas, a contaminação foi menor quando o conteúdo estava frio. Após a análise dos copos, pesquisadores concluíram que a bebida quente causava danos à superfície plástica. Estima-se que uma pessoa que utilize copos de plástico descartáveis uma ou duas vezes por semana pode ingerir entre 18.720 e 73.840 pedaços de microplástico anualmente.
Há uma regra prática, alinhada com o livro “Sal, Gordura, Ácido, Calor: Os Elementos da Boa Cozinha” da chef e escritora Samin Nosrat. Annelise Adrian aponta que estes quatro componentes fundamentais da culinária podem acelerar a decomposição do plástico em microplásticos. Por exemplo, em uma tigela plástica, a água salgada libera três vezes mais microplásticos do que a água sem sal, devido ao atrito dos cristais de sal com a superfície. Adicionalmente, Sathyanarayana identificou que alimentos ricos em gordura contêm maiores concentrações de aditivos plásticos específicos, os quais podem ser prejudiciais à saúde humana.
Limpeza e a Degradação das Esponjas
Após a refeição, a etapa de lavar a louça apresenta mais uma fonte de micro e nanoplásticos. Esponjas de cozinha descartáveis são contribuintes significativos; entre as opções com uma face mais macia e outra mais abrasiva, esta última demonstra um risco maior de disseminar partículas. Com o desgaste, as esponjas podem liberar até 6,5 milhões de partículas de microplástico por grama de seu material. O uso de detergentes e outros produtos de limpeza em conjunto com a esponja pode intensificar ainda mais essa liberação. Em relação a outros produtos de limpeza comuns feitos de plástico, as pesquisas sobre a liberação de microplásticos ainda são escassas. Em 2024, Vilde Snekkevik e seus colegas publicaram sua análise e observaram que a liberação de microplásticos por tecidos de microfibras durante a limpeza era um tema pouco estudado. Contudo, é sabido que tecidos sintéticos liberam grandes volumes de microplásticos, sendo reconhecidos como uma das principais causas de poluição plástica nos oceanos.
Gerenciamento Consciente de Plásticos na Cozinha
Vilde Snekkevik aconselha prudência ao lidar com plásticos na cozinha, desencorajando decisões impulsivas de descarte de utensílios e aparelhos feitos desse material. “Mesmo depois de escrever este relatório, ainda tenho alguns itens na minha cozinha que são de plástico”, ela compartilha. “Não vou simplesmente jogar tudo fora e dizer ‘chega’.” Uma estratégia recomendada é priorizar a substituição de produtos que demonstrem sinais evidentes de desgaste, como utensílios visivelmente raspados, cortados, descamados ou derretidos. Quando a substituição se torna necessária, Snekkevik geralmente opta por alternativas sem plástico. “Mas não vou sair pela cozinha imediatamente e jogar tudo fora, pois esta também não é necessariamente a forma mais ecológica de fazer isso”, ela pondera. Em nível global, seria imprescindível uma drástica redução do lixo plástico para mitigar a exposição individual aos microplásticos, conforme o panorama geral.
Impactos dos Microplásticos no Corpo Humano
Embora alimentos e bebidas sejam a rota mais direta para os microplásticos entrarem no sistema digestivo, o efeito exato dessas partículas no corpo humano ainda é incerto. As pesquisas sobre os impactos dos microplásticos, desde o intestino até o restante do organismo, são inconclusivas, e poucos estudos foram realizados em seres humanos. Alguns cientistas levantam a hipótese de que essas partículas podem afetar os microrganismos do intestino, ou que fragmentos menores poderiam, inclusive, alcançar a corrente sanguínea. Parte desse material estranho pode simplesmente permanecer alojado no corpo.
O professor Paul Anastas, da Universidade Yale, afirma que “Plásticos baseados em materiais fósseis, nas suas formas micro e nanoparticuladas, foram encontrados em virtualmente todos os órgãos do corpo que foram estudados, incluindo as artérias, cérebro, sangue, placenta e testículos.” Apesar disso, Sheela Sathyanarayana sugere que grande parte do plástico presente em nosso interior talvez não cause problemas de saúde, argumentando que “talvez se possa defender que as partículas podem se alojar em algum lugar e ser inertes naquela região.” Annelise Adrian, por sua vez, ressalta que não se sabe ao certo quanto tempo o plástico permanece no corpo nem se ele se acumula com o tempo, o que significa que os microplásticos ingeridos hoje podem não permanecer no organismo para sempre. De fato, já se observou que, ao menos parte dos microplásticos que comemos, costuma ser eliminada pelo sistema digestório.
Em resumo, a presença de microplásticos nos alimentos e em diversos produtos do cotidiano é uma realidade preocupante, mas é possível adotar medidas eficazes para mitigar essa exposição. A conscientização e a mudança de hábitos na cozinha, aliadas a uma preferência por alimentos frescos e opções de embalagens e utensílios mais seguros, são passos importantes. Para entender a dimensão do problema e as iniciativas globais de combate à poluição plástica, confira este estudo global da WWF, que aborda os impactos do plástico na vida selvagem. Para aprofundar a compreensão sobre os desafios ambientais e de saúde que impactam o cotidiano, continue explorando nossa seção de Análises e mantenha-se informado sobre os temas que moldam nosso futuro.
Crédito, Getty Images
Recomendo
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados