📚 Continue Lendo
Mais artigos do nosso blog
A recente discussão sobre demissões no Itaú e o monitoramento de funcionários em home office ganhou novos contornos na semana passada, quando o banco desligou mais de mil colaboradores que operavam em regimes remoto ou híbrido. A surpresa entre os demitidos foi significativa ao descobrirem a vasta quantidade de informações sobre suas atividades digitais que estavam sob conhecimento da corporação.
Conforme noticiado, a instituição financeira havia monitorado a atividade de seus profissionais ao longo de um período de quatro meses. As métricas avaliadas incluíam o uso de mouse e teclado, a participação em videochamadas, o envio de mensagens, a realização de cursos internos e o manuseio de pacotes Office, entre outros indicadores. Tal metodologia, embora presente no contexto do trabalho remoto desde a popularização do home office pela pandemia, se destacou pela profundidade e detalhamento da vigilância exercida. O banco, no entanto, refuta veementemente qualquer alegação de captura de tela, áudio ou vídeo, práticas que poderiam infringir a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), assegurando que o foco esteve em ferramentas de vigilância de atividades estritamente corporativas.
Demissões Itaú: O Alerta Sobre Monitoramento no Home Office
Para desvendar a capacidade desses softwares de monitoramento, a BBC News Brasil conduziu testes e análises detalhadas com dois sistemas notáveis no mercado, XOne e Teramind. A investigação incluiu o estudo de materiais divulgados pelos próprios fornecedores, anúncios promocionais e até o rastreamento de ações judiciais que mencionavam a utilização dessas ferramentas de supervisão. A reportagem confirmou a potencialidade desses programas em oferecer uma visão em tempo real das atividades de cada colaborador, identificando os websites visitados e automatizando alertas para ações que possam divergir das políticas internas da empresa, como acessos a sites restritos ou o envio de dados considerados sensíveis.
XOne: Detalhes do Software de Vigilância e a Investigação
Durante a apuração da reportagem, os testes com o software XOne não puderam ser concluídos. A empresa responsável pelo sistema restringiu o acesso à plataforma de demonstração logo após a grande repercussão das demissões no Itaú. Apesar da interrupção nos testes diretos, a análise foi baseada em vídeos institucionais e publicações da empresa nas redes sociais. A imprensa brasileira, incluindo a Folha de S.Paulo, apontou o XOne como o sistema empregado pelo Itaú, embora ambas as partes, o banco e a desenvolvedora, tenham mantido sigilo, sem confirmar ou negar a informação. Felipe Oliveira, cofundador da Arctica, empresa criadora do XOne, comunicou por e-mail que a suspensão temporária dos testes se deu devido ao volume extraordinário de solicitações. A BBC News Brasil tentou, sem sucesso, retomar os testes após reiterados pedidos, e o Itaú também recusou uma demonstração de como a plataforma era aplicada internamente.
A Arctica, fundada em 2019, apresenta o XOne como uma solução para que organizações possam otimizar seus ambientes digitais e extrair valor estratégico das informações disponíveis. Em seu material promocional, o sistema permite o acompanhamento em tempo real das atividades dos funcionários, registrando sites visitados, tempo de permanência, tempo de inatividade e a geolocalização dos dispositivos. Relatórios do programa demonstram a capacidade de identificar os programas em uso, a duração e os usuários, além de medir a aderência à jornada de trabalho, um fator mencionado pelo Itaú nas justificativas das demissões. O XOne também possibilita a criação de rankings de colaboradores com menor aderência. A Arctica enfatiza que não divulga sua lista de clientes, mas atende a setores como serviços financeiros, telecomunicações e seguradoras. A empresa reforça a recomendação de que as boas práticas de transparência no uso do software sejam mantidas e que a responsabilidade de comunicar os funcionários é do empregador. Destaca ainda que não realiza gravação de tela nem captura de conteúdo de comunicações pessoais, como mensagens privadas ou e-mails.
Teramind: Recursos de Monitoramento Avançado e Desafios Legais
Outro programa testado e analisado foi o Teramind, que se posiciona como líder em “soluções comportamentais” e atende mais de dez mil organizações em 125 países, com uma base considerável de clientes no Brasil. Disponível para demonstração sem necessidade de instalação, o software oferece um “live activity overview” que exibe em tempo real as telas dos funcionários com dados fictícios. Em contato com o suporte da Teramind, questionamentos sobre privacidade e dados pessoais foram direcionados à necessidade de consulta a advogados locais, com a empresa abstendo-se de aconselhamento jurídico.
As ferramentas do Teramind são vastas, incluindo:
- Monitoramento detalhado do histórico de websites e aplicativos.
- Visão e controle remoto dos computadores dos usuários.
- Supervisão de atividades em mídias sociais.
- Identificação automática de comportamentos considerados maliciosos ou não autorizados, com registro em vídeo das ações.
- Métricas de interações com o computador e produtividade, incluindo horas trabalhadas e taxa de atividade.
A demonstração da plataforma também exibe rankings, sites mais acessados e alertas para práticas como navegação em modo anônimo, acessos a sites de “busca de emprego” ou tentativas de “enviar e-mail com informações sensíveis”. O impacto legal da utilização dessas plataformas já é tema de ações trabalhistas no Brasil. Em 2022, ao menos duas ações na Justiça do Trabalho em São Paulo citaram a Teramind em processos contra uma concessionária de veículos. A empresa, enquanto fornecedora do software, não foi acusada nem parte dos processos. Nos autos, a companhia de automóveis alegou o uso do software para a proteção de dados internos, imagens de tela e conversas de clientes.

Imagem: bbc.com
Um ex-representante comercial buscou o reconhecimento de vínculo trabalhista, afirmando que sua jornada era rigorosamente controlada pelo Teramind, com registros de tempo online, offline e ocioso. Outro ex-empregado relatou que seu notebook era monitorado e que não poderia negar clientes, pois o software verificava o atendimento e supostamente espionava ligações. A empresa não se manifestou sobre esses casos específicos. Vale ressaltar que o Ministério Público do Trabalho (MPT) instaurou um procedimento investigatório na terça-feira (16/09) para solicitar esclarecimentos ao Itaú sobre o recente episódio das demissões e a amplitude do monitoramento exercido.
A Ética e a Legislação no Monitoramento do Trabalho Remoto
A polêmica em torno das demissões e do nível de monitoramento despertou críticas sobre a transparência do banco, com ex-funcionários relatando falta de clareza sobre como suas atividades eram acompanhadas. No entanto, o Itaú mantém que todas as ações de monitoramento estavam em conformidade com o que foi estabelecido em contratos e políticas internas da empresa. Pedro Henrique Santos, pesquisador da Data Privacy Brasil, reitera que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) não proíbe a supervisão do empregador. Contudo, ele enfatiza a obrigatoriedade de comunicação clara, consentimento explícito e canais de informação acessíveis. O pesquisador sublinha que, embora o empregador tenha o direito de monitorar as relações de trabalho, o uso da tecnologia deve ser cuidadosamente avaliado para determinar sua indispensabilidade na gestão. Sugere-se que as empresas ponderem se os dados coletados são realmente úteis e se existem alternativas menos intrusivas para alcançar os mesmos objetivos.
Após a divulgação dos depoimentos dos demitidos, a BBC News Brasil recebeu relatos adicionais que descrevem um ambiente de pressão e medo entre os funcionários que permaneceram no banco. A insegurança gerada pelo constante monitoramento faz com que alguns cheguem a “levar o computador até para beber água durante o home office”, temendo serem registrados como inativos. Essa tensão relacionada ao monitoramento intensivo no trabalho remoto é um fenômeno já documentado em estudos acadêmicos. Uma dissertação de mestrado de Fabrício Barili (Universidade Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, 2022) destaca que essas plataformas podem acentuar a competitividade e o estresse entre os trabalhadores pela manutenção de seus empregos. O estudo pontua, inclusive, que plataformas como o Teramind frequentemente focam mais em comportamentos que podem comprometer a segurança da informação do que na produtividade em si.
A discussão sobre o monitoramento no trabalho remoto no contexto das demissões do Itaú reacende o debate sobre o equilíbrio entre produtividade, controle empresarial e o direito à privacidade do funcionário. Para se aprofundar em análises econômicas e do mercado de trabalho, explore nossa editoria de Economia.
Crédito: Getty Images
Recomendo
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados