Deportações de Brasileiros nos EUA: Medo Cresce em Massachusetts

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As **deportações de brasileiros nos EUA** intensificaram o clima de medo e apreensão na comunidade imigrante em Massachusetts, Estado que concentra a segunda maior população de imigrantes do Brasil no país. Desde o início da operação Patriot 2.0, em 6 de setembro, agentes do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE) têm atuado nas cidades, gerando situações de pânico e impactando profundamente a vida de milhares de famílias brasileiras sem documentação. A reportagem da BBC News Brasil acompanhou a situação por cinco dias, coletando depoimentos que revelam uma rotina de angústia e incertezas.

Em Stoughton, Massachusetts, no dia 24 de setembro, pais e mães brasileiros vivenciaram um episódio que exemplifica a tensão atual. À tarde, eles se preparavam para buscar seus filhos no ponto de ônibus escolar, mas hesitaram ao notar um veículo estacionado por horas, com placa de outro Estado, em um cruzamento próximo a uma loja de tintas. A preocupação era de que se tratasse de uma ação disfarçada do ICE, à espreita para deter imigrantes irregulares no momento em que buscassem as crianças. Diante do dilema de deixar os filhos desacompanhados ou arriscar a própria detenção e deportação, a comunidade local agiu.

Deportações de Brasileiros nos EUA: Medo Cresce em Massachusetts

Lídia Souza, uma brasileira que vive há mais de três décadas na região e atua como líder comunitária, narrou a apreensão da manhã. Segundo ela, agentes do ICE foram avistados do outro lado da rua por horas. A tensão aumentava pelo WhatsApp conforme a chegada do ônibus se aproximava. Diante do cenário, Lídia e outros moradores conceberam uma ideia: mobilizar voluntários, cidadãos norte-americanos, que, por não estarem em situação irregular, poderiam buscar as crianças sem o risco de serem detidos. A ação de “resgate” garantiu a segurança dos pequenos e o reencontro com seus pais, em um “momento muito marcante” e “aflitivo” para a comunidade, apesar de nunca ter sido confirmado se o veículo em questão realmente pertencia ao ICE. A agência, contudo, tem utilizado automóveis descaracterizados em suas operações nos últimos meses.

De acordo com dados do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Massachusetts é o lar da segunda maior comunidade brasileira nos Estados Unidos, abrigando cerca de 400 mil pessoas. Este número só é superado pela Flórida, que possui 590 mil. Desde 6 de setembro, com o lançamento da Operação Patriot 2.0 pelo governo republicano de Donald Trump, as ruas do Estado se tornaram palco da ofensiva federal contra a imigração irregular. A justificativa oficial da agência ICE é que a operação visa “atingir os piores dos piores criminosos estrangeiros” em Massachusetts. Contudo, relatos de brasileiros sugerem que as ações não se restringem a indivíduos com histórico criminal, atingindo indiscriminadamente pessoas “na hora errada e no lugar errado”, intensificando o medo de deportação de imigrantes.

Os relatos colhidos pela reportagem, que percorreu o interior de Massachusetts, expõem as profundas consequências da nova política migratória dos Estados Unidos. As experiências incluem severas privações financeiras, o receio de sair de casa para necessidades básicas como ir ao médico, crises de ansiedade e o constante pavor de ser deportado e, consequentemente, separado dos filhos. A administração Trump foi eleita com promessas de endurecer o combate à imigração ilegal e deportar indivíduos sem documentos, argumentando a proteção de empregos e a melhoria da segurança. Críticos e organizações defensoras dos direitos civis, porém, acusam a Casa Branca de violar direitos constitucionais através dessa ofensiva. Embora uma pesquisa do *New York Times* e do Siena Institute tenha revelado neste mês que 54% dos americanos apoiam a deportação de imigrantes irregulares, 53% acreditam que o processo de detenção sob Trump não está sendo justo. O ICE e o Departamento de Segurança Interna não responderam às solicitações da reportagem para comentar as questões levantadas.

Famílias em Risco: Impacto da Operação Patriot 2.0

A vida de Marta Helena Berlot, de 69 anos, uma cidadã norte-americana de origem brasileira que viveu 26 anos nos Estados Unidos, foi dramaticamente alterada. Ela, como muitos outros, escolheu Massachusetts para reconstruir sua vida. Seu marido, José dos Santos, um pintor de paredes de 58 anos que aguardava o “green card” e estava na fila para coletar as impressões digitais, foi detido em uma operação do ICE há cerca de um mês, a caminho do trabalho, junto com outros três homens que dividiam a mesma residência perto de Boston. No mês de setembro, quando a operação Patriot 2.0 foi deflagrada em um “Estado santuário” como Massachusetts (onde a polícia local não colabora com o ICE, ao contrário de outras localidades), a Secretária de Segurança Doméstica dos EUA, Kristi Noem, havia advertido: “As pessoas precisam saber que quando você viola a lei nos Estados Unidos, há consequências”.

Marta narra que, desde o início da operação, José e outros imigrantes sem documentos passaram a tomar maiores precauções. No dia de sua detenção, a rotina parecia normal. “Ele saiu para trabalhar como faz todo dia. Foi lá, me deu um beijo e falou tchau. Eu falei: ‘Vai com Deus'”. Dez minutos depois, seu filho ligou, questionando se o pai havia esquecido o telefone, pois não conseguia contatá-lo. A angústia e o tremor logo se instalaram em Marta. Dirigindo, ela encontrou o carro do marido abandonado a pouco mais de um quilômetro de casa, um sinal inequívoco da detenção. A busca por informações foi frenética. José conseguiu ligar apenas cinco dias depois. Com o auxílio de uma amiga, Marta localizou-o em um centro de detenção em Plymouth, Massachusetts, após ter passado por Nova York e Louisiana. Agora, Marta busca formas de libertar seu marido e os outros três colegas que dividiam a casa. Eles fazem parte de um grupo de mais de 60 mil pessoas detidas nos EUA aguardando decisões sobre suas deportações. Neste ano, até a data da reportagem, o governo Trump deportou 400 mil pessoas, das quais 2.262 foram para o Brasil até 1º de outubro, o maior número desde 2021.

Os custos com advogados supostamente especializados em imigração têm escalado. “Me cobraram US$ 5 mil e um caminhão de documentos. Eu não sei o que fazer”, desabafa Marta. Casada com José há oito anos, Marta, que utiliza um balão de oxigênio desde a pandemia, não se vê sem o marido. “Quero morrer do lado dele”, expressa. A possível deportação de José poderia bani-lo dos EUA por até 10 anos, ou mesmo para sempre, forçando Marta a considerar o retorno ao Brasil, país que deixou há mais de três décadas. “É uma guerra moderna em que a gente não sabe de onde vai vir o próximo tiro. A gente se sente perdido”, reflete. Para mais informações sobre as políticas de imigração dos Estados Unidos, você pode consultar o site do Council on Foreign Relations, uma organização respeitada em estudos de política internacional.

Medo e Isolamento em Meio à Crise

Enquanto Marta enfrenta a incerteza, Paula (nome fictício), de 34 anos, já vive a realidade da deportação do marido e pai de seu único filho. Sem a principal fonte de renda familiar e isolada pelo medo de ser detida, ela enfrenta um desafio triplo. “A gente vem para obter um futuro melhor, para conquistar nossas coisas e é tratado como se fosse criminoso. A pior coisa do mundo é viver sem liberdade nenhuma. Mesmo não tendo sido detida pelo ICE, eu me sinto presa”, lamenta. Há três anos nos EUA, Paula emigrou de Minas Gerais, motivada por supostas ameaças políticas sofridas pelo marido, o desejo de realizar a festa de casamento e construir um “pé de meia”. Apesar de um pedido de asilo político pendente, o endurecimento das regras migratórias de Trump significa que, se for detida, ela poderá ser deportada.

Seu marido foi deportado em março. Após resolver uma multa de trânsito em um tribunal, foi detido por agentes do ICE que o aguardavam na saída e subsequentemente deportado. De volta a Minas Gerais, ele tenta, junto com Paula, planejar os próximos passos, sendo o retorno dela ao Brasil a opção mais provável. Contudo, Paula teme perder o filho, de três anos, que nasceu nos EUA e ainda não possui cidadania brasileira, pois há o risco de separação materna-filial em caso de deportação. “Eu posso perder o meu filho se eles me levarem, ainda mais se eu estiver com ele. Eles separam a criança da mãe. Então, eu morro de medo”, revela. Embora Paula soubesse dos riscos ao cruzar a fronteira mexicana, as promessas de regularização com advogado deram lugar a uma rotina de apreensão. Ela evita sair com o filho e teme ir a supermercados ou médicos, gastando mais com Uber e compras online para evitar as ruas, onde as operações do ICE se proliferaram, com fotos e vídeos divulgados em redes sociais. Essa tensão, afirma, tem impactado a saúde mental de ambos. “Meu filho ficou doente pela ausência do pai e por não podermos mais sair de casa. Ele fica muito agitado, ansioso, e não fica com qualquer pessoa.” Brincam apenas no quintal da casa que divide com outros familiares, um sinal da nova rotina imposta pelo medo.

Framingham, a “Cidade Brasileira”, Sente os Efeitos

Em Framingham, a cerca de 35 quilômetros de Boston, o impacto das operações do ICE é ainda mais visível. Conhecida como a cidade mais brasileira dos Estados Unidos, suas ruas, especialmente a Concord, são repletas de estabelecimentos com nomes em português, e a própria prefeitura oferece comunicações em português, inglês e espanhol. Estimativas oficiais apontam para 8 mil brasileiros na cidade de 72 mil habitantes, mas o número extraoficial pode ser bem maior devido à presença de muitos sem status migratório válido.

Um grupo de manifestantes anti-Trump se reuniu em frente ao fórum da cidade em apoio a um casal brasileiro cujo filho de 16 anos foi detido pelo ICE em Milford. A detenção do adolescente, filmada e viralizada, resultou em sua libertação por ser menor de idade, mas seus pais, sem documentos, foram obrigados a usar tornozeleira eletrônica e a comparecer regularmente ao tribunal até a deliberação de seu pedido de asilo. A deputada estadual Priscila Sousa, 36, brasileira com cidadania americana, discursou emocionada no protesto, relembrando seu passado de imigrante irregular. “A conversa na hora do jantar com minha mãe quando eu tinha 13 ou 14 anos era: ‘Você tem certeza de que lembra do plano se eu ou o papai formos detidos? Como você vai cuidar do seu irmão?'”, conta ela, que, apesar de quase 30 anos nos EUA, nunca viu ações anti-imigração com tamanha frequência e intensidade. “Há carros da imigração parados em diversos estacionamentos e nas ruas de Framingham”.

Creuza Medeiros, 59, esteticista em Framingham há 32 anos, é a única da família sem cidadania norte-americana, devido a problemas legais relacionados à sua entrada no país pela fronteira mexicana. Apesar de possuir autorização provisória, ela não se sente segura. “Isso para o Trump não é nada”, diz. Creuza percebe o impacto direto no comércio local: “As pessoas não querem sair às ruas. Estão com medo de trabalhar. Quem tem dinheiro […] pensa duas vezes se vai fazer uma limpeza de pele ou economizar para um possível retorno ao Brasil, porque ninguém mais sabe sobre o futuro”.

O Caminho de Volta: Incabando a Autodeportação e os Desafios Burocráticos

Diante do cenário de medo e incerteza, alguns imigrantes brasileiros consideram a “autodeportação”, concretizando um dos objetivos do governo norte-americano. É o caso de Getúlio Gabriel Soares, um mineiro de 60 anos, residente em Stoughton há nove, que busca regularizar seu passaporte para o retorno. Ele chegou aos EUA pela chamada modalidade “Cai, Cai”, na qual coiotes abandonam imigrantes no deserto após cruzarem a fronteira, para que se entreguem às autoridades e iniciem um pedido de asilo – um método comum durante a administração Joe Biden, que permitia aguardar o processo em liberdade por anos, tranquilidade que agora, para Getúlio, “acabou”. “É um terrorismo o que está acontecendo agora”, afirma, planejando retornar ao Brasil até 2026, mesmo temendo a adaptação após quase uma década de distância.

Curiosamente, Getúlio expressa não guardar mágoas dos EUA, apesar da situação, mas manifesta perplexidade com brasileiros nas redes sociais que apoiam as detenções de imigrantes como ele. Os preparativos para a volta, ou a preparação para uma eventual deportação, têm gerado uma corrida por documentos brasileiros. Muitos não renovaram passaportes e certidões de crianças nascidas nos EUA. Centros como o New England Community Center (NECC) em Stoughton, onde Lídia Souza trabalha, registram filas após as 16h para atendimento. Lídia relata: “Se vierem aqui hoje querendo dar a cidadania brasileira a um bebê, isso só vai acontecer no final de janeiro de 2026. Para obter um passaporte, isso vai para março”.

Os dados do MRE confirmam a demanda crescente: em 2025, houve um aumento de 18,5% na emissão de certidões de nascimento e passaportes em representações diplomáticas no país. No Consulado-Geral de Boston, que atende Massachusetts, o salto foi de 33,6%, com a emissão de 10,4 mil passaportes neste ano. O Consulado-Geral em Nova York registrou crescimento ainda maior, de 53,61%. Lídia Souza classifica a situação como uma “crise humanitária”, enfatizando a sobrecarga do consulado de Boston. O MRE reconhece a “demanda elevada”, afirmou que o Itamaraty tem implementado medidas e outras “continuam em estudo” para reduzir a espera, e que os consulados priorizam o atendimento a brasileiros com intenção de retorno definitivo. As perguntas enviadas ao ICE e ao Departamento de Segurança Interna não foram respondidas.

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A realidade enfrentada pelos brasileiros em Massachusetts é um retrato nítido do impacto das políticas migratórias endurecidas. Famílias desestruturadas, saúde mental fragilizada e a crescente burocracia para documentação ilustram uma “crise humanitária” que ecoa nos Estados Unidos e no Brasil. Para continuar acompanhando notícias e análises sobre temas relevantes, siga as publicações em nossa editoria de Política e fique sempre bem informado.

Crédito, Leandro Prazeres/BBC News Brasil

Deportações de Brasileiros nos EUA: Medo Cresce em Massachusetts - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com


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