Dilema do Hamas em Gaza: Dificuldades em Abandonar o Poder

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O Dilema do Hamas em Gaza: Dificuldades em Abandonar o Poder permanece como uma questão central no cenário geopolítico atual. Após quase duas décadas no comando da Faixa de Gaza, o grupo islâmico se mostra resistente a ceder o controle sobre o território e a depor suas armas, mesmo diante de um custo humano sem precedentes para os mais de dois milhões de palestinos sob sua administração.

A complexidade de tal retirada é notória. A dinâmica de governar a região com mão de ferro e o engajamento em múltiplas guerras contra Israel estabeleceram um patamar de controle que desafia qualquer ideia de uma renúncia abrupta e pacífica, alimentando debates e divisões internas e externas sobre a viabilidade de uma transição de poder no futuro próximo.

Dilema do Hamas em Gaza: Dificuldades em Abandonar o Poder

Imagens chocantes da Faixa de Gaza após o cessar-fogo de 10 de outubro de 2023 revelaram a reafirmação violenta da autoridade do Hamas. Seus combatentes mascarados retornaram às ruas, executando e atacando opositores. Relatos indicam que homens foram fuzilados, supostamente por pertencerem a grupos rivais ou por envolvimento no saque de ajuda humanitária, uma crise que se agrava no território. Outras vítimas foram alvejadas nas pernas ou agredidas com porretes, em um claro sinal de controle exercido pela organização. Estas ações divergem drasticamente da visão delineada pelo plano de paz de 20 pontos do ex-presidente americano Donald Trump, que idealiza um cenário onde os combatentes do grupo islâmico se renderiam e receberiam anistia, entregando o governo a uma força de estabilização internacional.

Contexto Político e Ações do Hamas Pós-Cessar-Fogo

Inicialmente, a reação de Donald Trump à brutalidade em Gaza foi ambivalente. Em 13 de outubro de 2023, a caminho de Israel, o então presidente americano sugeriu que os Estados Unidos, o Reino Unido, Israel e outras nações — que classificam o Hamas como terrorista — haviam concedido “luz verde” para o grupo restaurar a ordem, afirmando ter dado “aprovação por algum tempo”. Contudo, apenas três dias depois, o tom de Trump endureceu significativamente. Em uma publicação na sua plataforma Truth Social, ele alertou que, caso o Hamas prosseguisse com os assassinatos em Gaza, seria inevitável que os Estados Unidos “entrassem e os matassem”, enfatizando que tal escalada não estava prevista no acordo inicial. Essas declarações evidenciam a complexidade e a inconstância das dinâmicas políticas que envolvem a atuação do grupo palestino e a sua persistência em manter sua influência no território.

O Impacto da Guerra e a Resposta da População

Após dois anos de conflito intenso, a população de Gaza encontra-se exausta e traumatizada, enfrentando um sofrimento incessante. O Ministério da Saúde local, administrado pelo Hamas, contabiliza mais de 68 mil mortes no território. Este cenário terrível, embora gerador de nervosismo, não surpreende muitos moradores, segundo depoimentos. Em conversas com trabalhadores humanitários, advogados e até um ex-assessor de liderança do grupo, as opiniões divergem sobre a probabilidade de o Hamas renunciar ao poder e depor suas armas. Para alguns, a urgência é restabelecer a ordem. Hanya Aljamal, uma trabalhadora humanitária de Deir al-Balah, centro da Faixa de Gaza, descreve os dois anos como uma “falência total da lei e da ordem”, defendendo a necessidade de alguém assumir o controle. Ela, embora reconheça a desqualificação do grupo para governar, o considera uma opção melhor do que as gangues que assolam a região.

Ahmad Yousef, ex-assessor do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh (1962-2024), e atual diretor de um centro de estudos em Gaza, argumenta que uma mão firme é essencial neste momento. Em contato próximo com a atual liderança do grupo, Yousef prevê a chegada de forças policiais e militares da Turquia e do Egito em aproximadamente um mês, com a expectativa de que o grupo deporia suas armas. Essa perspectiva está alinhada com o plano de paz que sugere uma força internacional de estabilização em Gaza. Por outro lado, há moradores de Gaza que demonstram maior ceticismo e receio em relação à renúncia do Hamas ao poder. Moumen al-Natour, advogado local com histórico de prisões pelo grupo, exemplifica essa desconfiança. Al-Natour está escondido desde julho de 2023, após suposta abordagem de homens mascarados do Hamas que o intimaram a comparecer a um hospital para interrogatório. De um local não revelado, ele gravou vídeos à BBC afirmando que o grupo está enviando uma mensagem clara ao mundo e a Donald Trump de que “não cederá o poder, nem entregará suas armas”, temendo por sua vida caso fosse capturado, declarando que seria “morto na rua, com um tiro na cabeça”. Al-Natour expressa categoricamente: “É uma gangue, não um governo. Não quero que eles fiquem em Gaza, nem no governo, nem na segurança. Não quero que suas ideias sejam difundidas nas mesquitas, nas ruas, nem nas escolas.”

Hamas no Cenário Político: Poder e Reconhecimento

Apesar das opiniões divididas, a presença e influência do Hamas no cenário de Gaza são inegáveis. Michael Milshtein, ex-chefe do Departamento de Assuntos Palestinos da Inteligência Militar de Israel, sublinha uma realidade muitas vezes difícil para os israelenses aceitarem: o Hamas “ainda existe e é protagonista em Gaza”. Ele critica a ideia de depender de grupos diversos — como clãs, milícias ou gangues, muitos com histórico criminoso ou ligação ao ISIS — como uma alternativa viável ao grupo islâmico, classificando essa proposta como uma “ilusão”. Essa percepção da permanência do grupo desafia as estratégias de quem busca desarticular seu poder na região.

Embora funcionários do grupo tenham expressado disposição para ceder o controle político de Gaza, conforme contemplado no plano de cessar-fogo de Trump, que propõe um “governo transitório temporário de um comitê palestino tecnocrático e apolítico”, a ideia de seus combatentes deporem as armas representa um desafio monumental. A força da organização, mesmo antes de outubro de 2023, estava intrinsecamente ligada ao seu poderio militar. Convencê-los a abandonar essa fundação é um passo complexo, exigindo mais do que simples acordos políticos. O dilema se intensifica ao se observar o quão profundo é o enraizamento da sua capacidade armada.

Ascensão e Consolidação do Poder do Hamas em Gaza

Para compreender as dificuldades do Dilema do Hamas em Gaza: Dificuldades em Abandonar o Poder, é fundamental revisitar a trajetória de como o grupo islâmico consolidou sua hegemonia. Surgindo na década de 1980 como um braço da Irmandade Muçulmana egípcia, rival da laica Organização para a Libertação da Palestina (OLP), o Hamas evoluiu para uma força militante violenta. Curiosamente, Israel ofereceu, em seus primórdios, um apoio discreto ao Hamas, considerando-o uma ferramenta útil para neutralizar a OLP e o Fatah, então liderado por Yasser Arafat (1929-2004). Ami Ayalon, ex-chefe do serviço de segurança nacional israelense Shin Bet, aponta que o Fatah era visto como o principal inimigo, pois pleiteava um Estado palestino. Entretanto, com os atentados suicidas lançados pelo Hamas contra israelenses nos anos 1990 e 2000, a política de Israel mudou, respondendo com uma série de assassinatos de lideranças. Uma violenta disputa pelo poder com o Fatah culminou com a vitória do grupo nas eleições locais de 2006, garantindo o controle exclusivo da Faixa de Gaza. Os 18 anos seguintes de governo foram marcados por um bloqueio militar e econômico imposto por Israel e uma série de conflitos armados em 2008-2009, 2012, 2014 e 2021.

Ainda que Israel hoje equipare o Hamas ao ISIS após o ataque de 7 de outubro de 2023, o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, até aquele momento, considerava o Hamas uma ameaça controlável. Ami Ayalon revela que a política de Netanyahu era “gerenciar o conflito” e “dividir e controlar”, para não haver uma solução de dois Estados. Assim, com o Hamas controlando Gaza e a Autoridade Palestina sob Mahmoud Abbas na Cisjordânia, os palestinos permaneciam desunidos, o que Israel utilizava como argumento para justificar a ausência de uma liderança unificada para negociações de paz. Segundo Ayalon, Netanyahu “fez todo o possível para apoiar o Hamas em Gaza”, inclusive permitindo que o Catar enviasse mais de US$ 1,5 bilhão (cerca de R$ 8,1 bilhões à época), supostamente para salários de funcionários públicos e apoio a famílias pobres. Contudo, chefes de segurança como o diretor do Shin Bet e o chefe do Mossad expressavam preocupação de que esse dinheiro fosse desviado para a “infraestrutura militar”. Netanyahu defendeu os pagamentos como ajuda civil, mas a real destinação do dinheiro levanta dúvidas e complexidades sobre as interações regionais.

Infraestrutura Subterrânea e Preparação Constante para a Guerra

O ataque brutal de 7 de outubro de 2023 deixou claro que o Hamas estava em constante preparação para a guerra, com a sua complexa e extensa rede de túneis sendo a prova mais contundente. Esses túneis, que já haviam sido empregados para incursões contra posições do exército israelense durante a Segunda Intifada (iniciada em 2000), revelam uma engenharia sofisticada de proteção e ataque. Em 2006, por exemplo, combatentes do grupo usaram um túnel sob a fronteira israelense para atacar um posto militar perto de Kerem Shalom, resultando na morte de dois soldados e no sequestro de Gilad Shalit. Shalit permaneceu em cativeiro por cinco anos, sendo libertado em 2011 em troca de 1.027 prisioneiros palestinos, entre os quais Yahya Sinwar (1962-2024), futuro arquiteto dos ataques de 2023. Ao longo do tempo, a rede de túneis do Hamas se expandiu significativamente, transformando-se em uma infraestrutura subterrânea completa, com oficinas de produção, unidades de fabricação de armas e centros de comando. Os túneis, alguns a até 70 metros de profundidade, levaram anos para serem construídos e custaram dezenas de milhões de dólares cada um, estimando-se um custo total de cerca de US$ 6 bilhões (R$ 32,3 bilhões).

Eventos regionais contribuíram para o aprimoramento bélico do Hamas. Em 2012, com a queda de Muammar Gaddafi (1942-2011) na Líbia e a breve ascensão da Irmandade Muçulmana no Egito, o grupo conseguiu contrabandear armamentos cada vez mais sofisticados para Gaza, incluindo metralhadoras para franco-atiradores, lança-foguetes móveis e equipamentos para fabricar mísseis de longo alcance. O Irã, que via o Hamas como um componente essencial de seu “Eixo da Resistência” (uma coalização informal de grupos militantes hostis a Israel e aos EUA), forneceu apoio fundamental. Um relatório de 2020 do Departamento de Estado norte-americano indicou que o Irã destinava anualmente cerca de US$ 100 milhões (cerca de R$ 539 milhões) a grupos militantes palestinos, entre eles o Hamas. Além disso, o grupo teria contado com a ajuda de técnicos e combatentes com experiência na construção de túneis, vindos de lugares como o Líbano e o Iraque. É crucial notar que essa vasta rede subterrânea, com extensão estimada em até 400 km em uma área de apenas 42 km de comprimento por 11 km de largura, foi cuidadosamente dissimulada sob infraestruturas civis, como hospitais, escolas e, notavelmente, a sede da Agência das Nações Unidas para Assistência aos Refugiados Palestinos no Oriente Próximo (UNRWA) na Cidade de Gaza, onde abrigava um centro de dados. Mais informações sobre os desafios humanitários e geopolíticos na região podem ser consultadas em fontes como o site da Organização das Nações Unidas.

A população de Gaza tinha consciência da existência dos túneis, observando sinais como a remoção de areia e argila, novas entradas inesperadas e o transporte noturno de máquinas. Após os ataques de 7 de outubro de 2023, quando combatentes do grupo entraram em Israel, matando 1.200 pessoas e capturando 251 reféns, os túneis foram adaptados para servir como prisões subterrâneas. Eli Sharabi, um ex-refém, relatou ter sido levado para um túnel após 52 dias de cativeiro, sofrendo amarras, dores e tendo costelas quebradas, perdendo mais de 30 kg antes de ser libertado em fevereiro de 2024. O Hamas utilizava os reféns como valiosa moeda de troca para acordos de cessar-fogo ou libertação de prisioneiros palestinos em Israel, difundindo vídeos angustiantes para pressionar a opinião pública. Segundo Yousef, pressões internas e externas de países como Catar, Egito e Turquia, e dos próprios acampamentos de deslocados, enviaram uma mensagem contundente: “Basta!”. Paralelamente, Israel tem empreendido esforços para destruir a rede, com 25% a 40% dos túneis estimados como danificados, muitas vezes demolindo bairros civis na superfície. Apesar dos esforços, o engenheiro civil israelense Yehuda Kfir, pesquisador em guerra subterrânea, projeta que o grupo buscará reabilitar sua infraestrutura afetada.

Liderança Dilacerada e o Futuro do Hamas

A reconstituição do Hamas vai muito além da restauração dos túneis. A organização enfrenta uma liderança significativamente dilacerada. Nos últimos dois anos, Israel tem sistematicamente eliminado figuras-chave políticas e militares do grupo, seja em Gaza, Irã, Líbano ou Catar. Líderes conhecidos internacionalmente, assim como comandantes em campo na Faixa de Gaza, foram neutralizados. Em julho de 2024, Ismail Haniyeh (1962-2024), poderoso líder do Hamas, foi assassinado em Teerã. Três meses depois, seu sucessor, Yahya Sinwar (1962-2024), morreu em Rafah. Saleh al-Arouri, vice-líder, foi morto em Beirute por uma explosão. Apesar dessas perdas substanciais e de milhares de membros, o grupo demonstra resiliência, recrutando novos jovens radicalizados e organizando-se em pequenas células para operações de guerrilha. No entanto, o Hamas em outubro de 2025 é uma sombra da força que orquestrou os ataques de 7 de outubro de 2023. A liderança atual é menos experiente e menos conhecida, como Ezzedine al-Haddad, de 55 anos, que dirige o conselho militar das brigadas Izz al-Din al-Qassam.

Fora da Faixa de Gaza, remanescem figuras como Khaled Meshaal, Khalil al-Hayya e Muhammad Darwish, que escaparam de um ataque israelense a um edifício em Doha, Catar, em 9 de setembro, durante reuniões sobre propostas de cessar-fogo. Ahmed Yousef, ex-assessor do Hamas, indica que o grupo está “cansado da guerra”, sem se referir diretamente ao ataque de 7 de outubro, mas descrevendo-o como um “erro terrível” que demanda uma “abordagem diferente”. Yousef afirma que conversou com muitos membros que não têm mais interesse em governar Gaza e preveem uma tentativa do Hamas de renovar sua imagem para manter um papel político futuro. Ele compara esse processo à transição do Congresso Nacional Africano na África do Sul. “Se amanhã houver eleições, estou certo de que o Hamas adotará nomes diferentes para dar a impressão de ser mais pacífico e estar mais disposto a participar da vida política”, afirma. Contudo, Michael Milshtein duvida, prevendo que o grupo continuará dominante nos bastidores e que o desarmamento é improvável, aventando a possibilidade de uma nova guerra em Gaza nos próximos cinco anos. Ami Ayalon, por sua vez, defende que Israel deveria focar em “derrotar a ideologia” do inimigo, propondo um “novo horizonte” de dois Estados para palestinos e israelenses, uma visão que, por ora, não se concretiza. Assim, embora enfraquecido, o grupo está longe de ter se esgotado e Israel continuará a ter que lidar com a sua presença de alguma forma.

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Em suma, o Hamas enfrenta um complexo cenário que dificulta sua saída do poder em Gaza, entre a repressão interna e a constante tensão externa, mas ainda mantém um papel relevante na região. A reestruturação de sua liderança e as perspectivas de atuação política futura indicam que o grupo continuará a moldar a dinâmica local e internacional. Para mais notícias e análises aprofundadas sobre o panorama político do Oriente Médio e seus desdobramentos, continue acompanhando nossa editoria de Política.

Crédito, AFP via Getty Images


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