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A surpreendente cena na Assembleia Geral da ONU, onde Donald Trump e Luiz Inácio Lula da Silva ensaiaram um possível encontro, gerou uma onda de expectativa no cenário diplomático internacional. O presidente americano, em uma inesperada declaração pública, referiu-se a Lula como “um cara legal” e expressou o desejo de se reunir com ele na semana subsequente.
Este aceno cordial destoou drasticamente da retórica tensa que tem dominado a relação bilateral. Observadores da BBC News Brasil caracterizaram o relacionamento atual entre Washington e Brasília como o mais desafiador desde o golpe militar de 1964. Desde que Trump assumiu a Casa Branca, políticas como tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, em vigor desde 1º de agosto, e uma postura rígida em relação a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) têm marcado a interação entre os países.
Encontro Trump e Lula: Expectativas na Relação EUA-Brasil
Adicionalmente, os Estados Unidos impuseram sanções ao ministro do STF, Alexandre de Moraes, no âmbito da Lei Global Magnitsky – um dos mecanismos mais severos da legislação americana, concebido para punir estrangeiros por graves violações de direitos humanos ou corrupção.
A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, ocorrida em 11 de setembro com uma pena de 27 anos de prisão, acirrou ainda mais a discórdia. Trump teceu críticas ao julgamento e sinalizou a imposição de restrições de visto a membros da Corte. Em contrapartida, Lula utilizou as páginas do jornal americano The New York Times para defender vigorosamente a democracia brasileira. A escalada das tensões culminou na véspera da Assembleia Geral, quando, em 22 de setembro, Washington anunciou uma nova série de sanções contra o Brasil.
Entre as novas medidas, o Departamento de Estado americano incluiu Viviane Barci de Moraes, esposa do ministro Alexandre de Moraes, e a empresa Lex – Instituto de Estudos Jurídicos, administrada por ela e pelos filhos do casal, na lista de punidos pela Lei Magnitsky. Paralelamente, os EUA revogaram o visto do advogado-geral da União, Jorge Messias, intensificando o cerco a autoridades brasileiras.
Foi nesse contexto de acirramento diplomático que a cena surpreendente se desenrolou. Nos corredores da ONU, antes do discurso de Trump, os dois chefes de Estado tiveram um breve encontro. Conforme relatado pelo próprio presidente americano, o momento incluiu abraços e uma rápida troca de palavras. Trump mencionou: “Nós o vimos, eu o vi. Ele me viu e nos abraçamos. E então eu disse: ‘Você acredita que vou falar em apenas dois minutos?’ Na verdade, combinamos de nos encontrar na semana que vem. Não tivemos muito tempo para conversar, uns vinte segundos e pouco, pensando bem”. A assessoria de Lula confirmou a interação, mas informou que detalhes sobre a data ou local do suposto encontro ainda não estavam disponíveis.
Para Dawisson Belém Lopes, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o pronunciamento de Trump marca um momento inédito. Ele destacou ser a primeira vez que Trump mencionou Lula publicamente de forma mais elogiosa do que crítica, em um ambiente de alta visibilidade. Contudo, Lopes adverte que tal gesto não anula os problemas diplomáticos acumulados por Trump desde o início de sua gestão na Casa Branca, indicando que uma “pilha de tensões precisará ser processada”.
Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e pesquisador do Carnegie Endowment for International Peace, ressalta o valor de eventos como a Assembleia Geral da ONU, que promovem o contato direto entre líderes. Ele afirma que, embora seja incerto o que surgirá da possível negociação, a simples abertura de diálogo é significativa. “Permite estabelecer uma relação pessoal entre os dois e identificar onde há espaço para compromissos, seja no campo comercial, seja na disputa em torno das sanções contra autoridades brasileiras”, pontuou Stuenkel.
Lucas Leite, professor de Relações Internacionais da FAAP, mantém uma perspectiva mais cautelosa. Segundo ele, Donald Trump conduz suas relações de forma personalista, frequentemente divergindo dos padrões diplomáticos internacionais. Leite duvida que negociações envolvendo Trump seguiriam a diplomacia tradicional ou regras multilaterais, e antevê discussões bilaterais sobre tarifas, motivadas, inclusive, por pressões de setores do governo americano. Ele também sugere que o gesto público possui um componente estratégico: ao não citar o Brasil como irrelevante e expressar simpatia, Trump sinalizaria o desejo de reposicionar o país em uma suposta área de influência americana, afastando-o de parceiros como a China.
Paulo Velasco, professor de política internacional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), classifica a fala de Trump como um aceno perigoso a Lula. Velasco explica que, mesmo com a qualificação de “boa pessoa”, Trump joga a responsabilidade para o Brasil, sugerindo que o encontro da próxima semana dependeria da vontade de Lula. Ele considera improvável que a reunião ocorra, dada a falta de planejamento para um líder “imprevisível” como Trump, e a alta tensão bilateral.
Velasco alerta para os riscos potenciais. Se o encontro não se materializar, o Brasil poderia ser responsabilizado por uma recusa de diálogo com os Estados Unidos, posicionando o país em uma situação desfavorável. Por outro lado, caso a reunião aconteça, o Brasil chegaria à mesa sem muitas concessões possíveis. Não haveria espaço para ceder em temas como mudanças no julgamento de Bolsonaro ou interferência em empresas de tecnologia, pontos já presentes em correspondências americanas anteriores. Velasco conclui que o Brasil não adotará uma postura subserviente, e qualquer cenário, de não-reunião ou de reunião com acordos forçados, poderia ser vendido por Trump como uma vitória unilateral.

Imagem: bbc.com
No que diz respeito aos temas de eventual discussão, Dawisson Belém Lopes avalia que o comércio exterior se apresenta como o terreno mais fértil para negociação. Ele aponta que alguns ajustes tarifários podem ser factíveis, dado que as altas tarifas americanas sobre produtos brasileiros também podem gerar inflação nos EUA. Contudo, as questões políticas são vistas como intransponíveis. Lopes é taxativo ao afirmar que não há “chance de recuo nem do Executivo, nem do Judiciário, nem da Procuradoria-Geral da República”. Segundo ele, Lula, fiel à sua trajetória, dialogará, mas não se deixará seduzir por palavras desprovidas de conteúdo.
Anthony Pereira, diretor do Centro Latino-Americano e Caribenho Kimberly Green, da Universidade Internacional da Flórida, destaca o impacto simbólico da aproximação. Caso o gesto de Trump seja genuíno, há a possibilidade de negociações sobre tarifas e a aplicação da Lei Magnitsky. Além disso, Pereira sugere que este cenário fortaleceria a posição de Lula, considerando que Trump tem uma popularidade baixa tanto em seu país quanto globalmente.
Os discursos dos dois presidentes na ONU revelaram abordagens marcadamente distintas. Lula criticou “sanções arbitrárias e intervenções unilaterais”, sem mencionar os Estados Unidos diretamente. Ele defendeu que o Brasil reagiu a todas as ameaças ao regime democrático, reforçando: “Diante dos olhos do mundo, demos um recado a todos os candidatos a autocratas e àqueles que os apoiam: nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis. Seguiremos como nação independente e como povo livre de qualquer tipo de tutela”. O presidente brasileiro também abordou a condenação de Jair Bolsonaro por atos antidemocráticos, e condenou políticas unilaterais que prejudicam nações em desenvolvimento. Lula discorreu sobre conflitos globais, como Palestina, Ucrânia, Venezuela e Haiti, defendendo soluções negociadas, e alertou para o uso desproporcional da força. Enfatizou, ainda, a importância de reduzir desigualdades, combater a fome, enfrentar a crise climática e propôs reformas em organismos multilaterais como a ONU e a OMC, sublinhando o valor do multilateralismo.
Em contraste, o discurso de Donald Trump adotou um tom radicalmente distinto. O presidente americano criticou a ONU, questionou sua eficácia e se apresentou como o único capaz de resolver problemas mundiais. Reivindicou crédito por alegados avanços em conflitos internacionais, onde a ONU teria falhado, e criticou energias renováveis e a agenda climática, descrevendo as mudanças climáticas como “a maior mentira da história”. Trump ainda atacou adversários políticos, aliados da Otan e governos de países que adquirem petróleo russo. Fez, por fim, menções a questões humanitárias em Gaza, demandando a liberação de reféns, porém sem apresentar soluções detalhadas.
Oliver Stuenkel observou que o contraste entre os discursos refletiu diferentes públicos e objetivos. Segundo ele, líderes na ONU discursam para a comunidade internacional e a população doméstica. Trump, em sua avaliação, falou majoritariamente para seu eleitorado nos EUA. Lula, por sua vez, dedicou-se aos grandes desafios globais, posicionando o Brasil em debates cruciais como Ucrânia e Gaza, defendendo o multilateralismo e a reforma da ONU. Stuenkel ponderou que, embora o discurso de Lula tenha sido mais “típico” para um líder internacional, o pronunciamento de Trump — “fora do comum e muito chocante” — acabou ofuscando parte da repercussão do Brasil. Apesar dos atritos, como sua postura em relação à guerra na Ucrânia, o Brasil permanece um país “popular na ONU”, ativo em iniciativas como a conferência do clima.
A potencialidade de um diálogo direto entre os presidentes Donald Trump e Lula representa um ponto de inflexão na tensa relação bilateral entre Brasil e Estados Unidos. Enquanto as tensões históricas persistem, o aceno público pode abrir caminho para negociações cautelosas, especialmente em temas comerciais. Para compreender a fundo as dinâmicas da política externa e seus impactos globais, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil oferece um panorama sobre a participação do país na Organização das Nações Unidas: https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/relacoes-exteriores/organismos-internacionais/organizacao-das-nacoes-unidas-onu.
Este cenário complexo de reaproximação e divergência contínua é fundamental para a geopolítica global. Continue acompanhando em https://horadecomecar.com.br/politica para mais análises e atualizações sobre este e outros temas da política nacional e internacional, e mantenha-se informado sobre os bastidores da diplomacia que moldam nosso futuro.
Crédito: Getty Images
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