Geração Z agita Peru em protestos por previdência e anistia

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Os protestos da Geração Z no Peru têm escalado em intensidade, transformando-se em uma fonte crescente de preocupação para as autoridades do país andino. Nas últimas semanas, o centro de Lima foi palco de manifestações que, embora inicialmente lideradas pela geração nascida entre 1995 e 2010, rapidamente agregaram um amplo espectro de descontentamentos populares contra o governo e o Congresso peruanos. Este movimento destaca-se não apenas por sua composição etária, mas também pela pluralidade de reivindicações que emergiram em meio à efervescência social.

A mais recente onda de manifestações, ocorrida no último domingo (28/9/2025), culminou em violentos confrontos entre policiais e manifestantes. Relatos indicam que os embates deixaram múltiplos feridos e consideráveis danos materiais, exacerbando a percepção de um mal-estar social generalizado que se enraíza profundamente na população. Esse clima de insatisfação lembra momentos turbulentos da história política peruana recente, como a renúncia do ex-presidente Manuel Merino em 2020 e as trágicas manifestações de 2023, que resultaram em dezenas de mortes após a queda de Pedro Castillo, demonstrando a fragilidade da governabilidade na nação. O sentimento popular, conforme revelam pesquisas, expressa uma rejeição avassaladora à presidente Dina Boluarte e à atual coalizão congressista que a sustenta no poder.

Geração Z agita Peru em protestos por previdência e anistia

A nomenclatura “Protestos da Geração Z” ganhou força na mídia, evidenciada pela grande quantidade de faixas e cartazes com a letra “Z” visíveis nas ruas. Este rótulo sublinha a proeminência dos jovens na linha de frente das mobilizações. A identificação dessa geração com a mobilização de jovens em outras partes do mundo, a exemplo do Nepal, onde movimentos semelhantes conseguiram derrubar o governo, reforça a tese de um novo tipo de ativismo que transcende fronteiras e contextos sociopolíticos.

Atores e Impulsos dos Protestos Peruanos

Inicialmente, as manifestações careciam de uma liderança centralizada, impulsionadas por convocações espontâneas nas plataformas digitais. Contudo, observou-se uma adesão gradual de grupos mais organizados, notadamente associações de estudantes universitários, que contribuíram para estruturar e amplificar a voz do movimento. Omar Coronel, renomado especialista em Movimentos Sociais da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Peru, concedeu entrevista ao serviço de notícias em espanhol da BBC, BBC News Mundo, e elucidou que “os protagonistas desses protestos são, majoritariamente, jovens que estão recém-chegados ao mercado de trabalho e confrontando as limitações e desafios impostos por ele”.

Os motivos subjacentes ao descontentamento social não se limitam apenas à esfera econômica. Coronel enfatizou a “grande rejeição à presidente Boluarte e seus aliados no Congresso devido ao crescente autoritarismo que vem sendo imposto no Peru”. Adicionalmente, acontecimentos internacionais exerceram uma notável influência. Ramiro Escobea, especialista em Relações Internacionais, apontou que “os protestos que levaram à queda do governo no Nepal ou os que ocorreram na Indonésia serviram de inspiração para o cenário atual no Peru”. O Dr. Coronel corrobora essa percepção, destacando que, após o alto custo humano das manifestações de 2023, “o exemplo do Nepal parece ter ensinado que é possível conquistar mudanças, até mesmo em contextos mais autocráticos que o peruano, por meio de mobilizações”.

Simbolismo da Geração Z e Reivindicações

Entre os símbolos que marcam os protestos, a “letra Z” e a bandeira pirata com uma caveira de One Piece, um célebre anime japonês onde os personagens resistem a uma ditadura global, são proeminentes. Coronel explica que o uso desses emblemas reflete a marca dos “nativos digitais” da Geração Z, uma geração que não conheceu o mundo antes da revolução da internet e cujos códigos culturais são intrinsecamente globais e conectados. A bandeira de One Piece, por exemplo, também foi vista em manifestações juvenis recentes em países como França, Nepal, Paraguai e Marrocos.

O epicentro inicial dos protestos foi a contestação à reforma do sistema previdenciário aprovada pelo Congresso peruano. A nova legislação impõe a obrigatoriedade de contribuição ao sistema público de aposentadorias para trabalhadores autônomos, enquanto simultaneamente restringe significativamente o valor que indivíduos com menos de 40 anos podem sacar antecipadamente. Tal medida causou revolta entre os jovens, em um país assolado por constantes escândalos de corrupção envolvendo figuras políticas. Jorge, estudante de História na Universidade Nacional Maior de San Marcos, em Lima, que preferiu não ter seu sobrenome divulgado devido a receios de retaliação, relatou sua frustração: “Sou trabalhador autônomo e quando soube que a reforma iria tirar parte da minha renda, decidi que era hora de sair para protestar.” Jorge, que concilia o trabalho de professor com seus estudos, descreveu o descontentamento juvenil como “total”. Apesar dos líderes parlamentares terem sinalizado uma intenção de reverter os pontos mais polêmicos, a lei persiste, e os manifestantes exigem sua revogação integral.

Geração Z agita Peru em protestos por previdência e anistia - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

A Multidão de Vozes: Segurança e Anistia Polêmica

Às objeções iniciais à reforma da previdência, outras questões se agregaram, especialmente a alarmante falta de segurança e a prevalência de extorsões contra pequenos empreendimentos e o setor de transportes. Jorge testemunhou a realidade brutal: “Todos os dias, no ônibus que pego para o trabalho, vejo criminosos extorquindo dinheiro dos motoristas cobrando a passagem. Isso acontece à vista de todos, e a polícia não faz nada.” O Peru tem registrado ataques a tiros contra veículos de transporte público e assassinatos de motoristas que se recusam a ceder às chantagens criminosas. Segundo a Associação Nacional de Integração do Transporte, a tragédia já contabiliza a morte de 46 motoristas nos últimos meses, intensificando a indignação. Em resposta, sindicatos do transporte uniram-se aos protestos, expressando seu profundo repúdio à inação estatal. “Os mesmos policiais que nos reprimem quando protestamos, desaparecem quando precisamos de ajuda contra os criminosos”, desabafa Jorge. Martín Riepl, jornalista peruano, analisou a situação para a BBC: “Se deixar de ser apenas um movimento jovem e se tornar um movimento transversal, isso pode se transformar em um problema mais sério para o governo.”

A polêmica Lei da Anistia, promulgada em agosto, também alimentou a onda de insatisfação. Esta legislação concede benefícios a militares, policiais e membros dos Comitês de Autodefesa processados por crimes contra os direitos humanos, cometidos durante o conflito interno do Peru contra as guerrilhas Sendero Luminoso e o Movimento Revolucionário Túpac Amaru (MRTA) entre 1980 e 2000. Coronel afirma que “a sensação de impunidade total agrava a ideia de que no Peru impera um regime autoritário”, unindo diferentes gerações de opositores do governo Boluarte nas ruas.

Demanda por Mudança Profunda e o Futuro dos Protestos

Ainda que inicialmente os manifestantes não articulassem um objetivo singular, com exceção da revogação da reforma da previdência, o governo optou por ignorar publicamente as mobilizações. Entretanto, à medida que o movimento ganha novos adeptos, suas aspirações parecem se tornar mais ambiciosas. Coronel observa que “o ponto comum desses protestos é o repúdio a um governo e congressistas extremamente impopulares”, prevendo que a marcha mais recente “já pedirá explicitamente a destituição da presidente”. Jorge, determinado a manter sua participação, declara que “o que se busca é derrubar o governo e o Congresso e promover uma reforma no país”. Ele reforça a convicção de que “as mesmas cabeças corruptas que nos levaram a essa situação não podem ser as que vão conduzir a reforma”.

Após as cenas de domingo, com os violentos confrontos em que manifestantes tentaram acessar a sede do Congresso, é improvável que a onda de protestos perca força rapidamente. Existe, inclusive, a possibilidade de que a ação policial exacerbada, incluindo relatos de agressão a jornalistas e um idoso, alimente ainda mais a revolta popular. O Conselho da Imprensa Peruana denunciou que ao menos 20 profissionais de imprensa foram agredidos por agentes enquanto cobriam a última manifestação. Um vídeo divulgado nas redes sociais flagrou um policial agredindo um homem idoso com um cassetete no rosto, causando ferimentos e hemorragia; a polícia anunciou a abertura de investigação disciplinar por “uso arbitrário da força”. As próximas eleições, programadas para o ano seguinte no Peru, são apontadas por Coronel como uma das chaves para entender o desfecho desses protestos, embora ele duvide que todos os objetivos sejam alcançados. Ele compara o cenário com as mobilizações de 2020, que culminaram na queda de Manuel Merino, mas pondera que, “após as mortes de 2023, as pessoas ainda têm medo de protestar”, impedindo uma massa crítica semelhante. No entanto, Jorge assegura que vê “cada vez mais pessoas nas manifestações”, reiterando a convicção de que “é preciso seguir em frente. O descontentamento é generalizado e nós, jovens, tomamos consciência disso.” Para mais informações sobre a instabilidade política na região, acompanhe as notícias em O Estado de S. Paulo – Política Externa.

A crise no Peru, desencadeada pelos jovens da Geração Z e amplificada pela adesão de outros grupos, como os trabalhadores do transporte, evidencia um profundo e multifacetado descontentamento com as instituições governamentais e a falta de segurança pública. Para continuar acompanhando de perto os desenvolvimentos sobre este e outros temas que moldam o cenário político e social, acesse nossa editoria de Política e mantenha-se informado.

Crédito: John Reyes Mejía / EPA


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