Governo Trump adquire fatia de US$ 9 bilhões na Intel e reacende debate sobre intervenção estatal na economia

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Em uma movimentação que provocou amplas discussões sobre os limites da intervenção governamental no livre mercado, o governo dos Estados Unidos, sob a administração de Donald Trump, anunciou recentemente a aquisição de uma participação de 10% na Intel. A decisão, revelada na última sexta-feira, 22 de agosto, coloca o governo federal como acionista de uma das maiores fabricantes americanas de semicondutores e uma empresa proeminente da Fortune 500, a lista anual das 500 maiores companhias dos EUA por receita.

A transação, avaliada em aproximadamente US$ 9 bilhões, envolveu a conversão de subsídios anteriormente não pagos, designados pela Lei de Chips de 2023, em ações da Intel sem direito a voto. Essa legislação foi criada com o objetivo específico de promover e fortalecer a fabricação doméstica de semicondutores, setor considerado de importância estratégica para a segurança nacional americana. Apesar da conversão, Trump afirmou publicamente que os Estados Unidos pagaram “zero” por essa fatia na companhia.

A notícia foi seguida por declarações do presidente Donald Trump em sua rede social, a Truth Social, indicando que a aquisição da participação na Intel pode ser apenas o início de uma estratégia mais abrangente. “Farei acordos como esse para o nosso país o dia todo”, escreveu Trump, insinuando a intenção de expandir a carteira de ações governamentais. Ele também afirmou: “Também ajudarei as empresas que fazem acordos tão lucrativos com os Estados Unidos,” uma fala que adensou o debate sobre os critérios para futuras intervenções governamentais.

A iniciativa não demorou a gerar uma série de críticas de diferentes vertentes políticas e econômicas. Vozes ligadas à direita conservadora americana manifestaram preocupação, vendo na compra de ações da Intel um rompimento com a tradição do país de manter um governo enxuto e evitar a participação direta em empresas privadas. Essa perspectiva considera a ação como uma guinada em direção a práticas de intervenção estatal que contrastam com os princípios do livre mercado.

Paralelamente, economistas expressaram temores sobre as potenciais implicações da medida na eficácia do mercado e na integridade das decisões de investimento. Tad DeHaven, analista de política econômica do Cato Institute, um renomado centro de pesquisa libertário, advertiu para o risco de as escolhas de investimento passarem a ser ditadas por motivações políticas, em vez de fundamentos estritamente econômicos. “Com isso, as decisões de investimento precisam ser tomadas com base em política, não em economia”, afirmou DeHaven. Ele sublinhou que essa abordagem coloca o governo “diretamente na essência do processo decisório de uma grande empresa”, levantando questões sobre a governança corporativa e a alocação de recursos.

Apesar da percepção de ineditismo, a aquisição de participações em empresas privadas pelo governo dos EUA tem precedentes históricos. Durante a crise financeira de 2009, por exemplo, os Estados Unidos intervieram em empresas-chave como General Motors, Citigroup e AIG, adquirindo parte de suas propriedades. Essas intervenções foram justificadas pelas administrações de George W. Bush e Barack Obama como medidas emergenciais cruciais para prevenir um colapso econômico de grandes proporções. No entanto, a justificação atual do governo Trump para a compra da fatia na Intel concentra-se na proteção de uma indústria vital para a segurança nacional, argumentando que a produção de semicondutores é estratégica e necessita de amparo governamental.

Ainda assim, há divergências sobre o real propósito da ação. Robert Atkinson, presidente da Information Technology and Innovation Foundation, sugere que os objetivos da medida podem ir além do mero fortalecimento da Intel. Segundo Atkinson, “não se trata realmente de fortalecer a Intel, mas sim de ter controle sobre ela e talvez ganhar mais dinheiro”. Essa análise levanta a hipótese de que o interesse governamental estaria mais alinhado à busca por influência e rentabilidade direta, do que exclusivamente à salvaguarda da indústria nacional.

O conceito de participação estatal em empresas privadas, embora incomum no contexto histórico americano, não é estranho a outras nações. Países como China e Rússia são conhecidos por seus investimentos significativos em companhias nacionais, alinhados a estratégias de desenvolvimento e controle estatal. Mesmo democracias europeias possuem um histórico de apoio direto a setores considerados estratégicos, incluindo indústrias como a aeroespacial, comunicações e energia, demonstrando uma diversidade de abordagens globais para a relação entre estado e economia.

A expansão da influência governamental nos setores econômicos não parece ser uma medida isolada na atual administração. Na terça-feira seguinte ao anúncio, dia 26, o secretário de Comércio, Howard Lutnick, esboçou uma estratégia semelhante. Ele revelou que o governo americano está avaliando a possibilidade de adquirir participações acionárias em empresas do setor de defesa e munições. Lutnick exemplificou com a Lockheed Martin, que, segundo ele, obtém 97% de sua receita do governo federal. O secretário defendeu a lógica por trás de tais movimentos, afirmando que “se estamos agregando valor fundamental aos seus negócios, acho justo que Donald Trump pense no povo americano”.

Um assessor econômico de Trump, Kevin Hassett, foi ainda mais longe ao sugerir que essa intervenção governamental poderia ser um passo inicial para a criação de um fundo soberano dos Estados Unidos. O presidente, por sua vez, manifestou admiração por fundos de investimento administrados por outras nações, como a China e as monarquias do Golfo, vendo neles um mecanismo eficaz para gerar receita governamental. Embora Trump não tenha pressionado formalmente o Congresso para autorizar um fundo soberano, o modelo de investimento empregado na Intel poderia pavimentar uma rota alternativa, possivelmente com menos supervisão e regulamentação do Poder Legislativo.

Governo Trump adquire fatia de US$ 9 bilhões na Intel e reacende debate sobre intervenção estatal na economia - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

Hassett prevê uma continuidade dessas práticas: “Tenho certeza de que em algum momento haverá mais transações, se não neste setor, em outros setores”. Ele aponta para potenciais ativos que poderiam compor um fundo soberano futuro, como uma “golden share” – ação preferencial que confere direito de veto a decisões estratégicas – do governo na US Steel, atualmente em negociação como parte da compra da empresa pelo Japão, além da promessa de investimentos estrangeiros em indústrias americanas.

Contrariando a retórica de Trump sobre suas habilidades de negociação e seu vasto conhecimento financeiro, Richard Stern, da conservadora Heritage Foundation, levanta dúvidas sobre a eficácia do controle estatal comparado ao desempenho do capitalismo de livre mercado. Stern argumenta que “mesmo que ele fosse o empresário mais genial que já existiu, a verdade é que parte do que torna os negócios tão bem-sucedidos é que as pessoas envolvidas neles são especializadas. Elas conhecem aquele negócio, aquele produto, aquela área”. Ele conclui que “Nenhum ser humano pode ser universalmente perfeito na gestão de todos os negócios em todos os setores do planeta”, defendendo que a expertise do setor privado é insubstituível.

Até o momento, poucos políticos republicanos, inclusive no Congresso, que teria papel de supervisão, se posicionaram de forma contundente contra o crescente interesse do presidente no capitalismo gerido pelo Estado. O senador Rand Paul, um crítico esporádico de Trump, constitui uma exceção notável a essa tendência. Paul utilizou sua rede social X para expressar seu descontentamento, questionando: “Se socialismo é o governo possuir os meios de produção, o governo possuir parte da Intel não seria um passo em direção ao socialismo?”

Em um desdobramento que realça a complexidade do debate ideológico em torno da iniciativa de Trump, o senador Bernie Sanders, um socialista autodeclarado, manifestou apoio à aquisição da participação na Intel. Em comunicado, o ex-candidato à presidência afirmou: “Se as empresas de microchip lucram com as generosas verbas que recebem do governo federal, os contribuintes americanos têm direito a um retorno razoável sobre seus investimentos”. Essa postura de Sanders evidencia uma convergência de interesses em pontos específicos da política econômica, apesar das profundas diferenças ideológicas entre os dois políticos.

A perspectiva de que o poder econômico que Donald Trump está concentrando por meio dessas medidas possa ser exercido por um futuro presidente democrata gera um considerável desconforto entre alguns conservadores. DeHaven, do Cato Institute, vocalizou essa apreensão, indagando: “Alguém acha que eles vão ficar de braços cruzados enquanto o governo detém 10% de participação na Intel sem ter nada a dizer sobre as políticas da Intel em tecnologia verde, diversidade, responsabilidade corporativa e por aí vai?” A pergunta sublinha a preocupação com a potencial utilização da influência governamental para impulsionar agendas sociais e políticas que podem não estar alinhadas com os valores conservadores.

Contudo, essas ponderações não parecem desmotivar Trump, cujos esforços podem ser vistos tanto como parte de uma estratégia de longo prazo quanto como a expressão da inclinação de um empresário em intervir onde julga necessário. Essa intervenção se manifesta desde a orientação de investimentos governamentais até sugestões mais casuais, como mudanças na fórmula de refrigerantes ou a recuperação de antigos logotipos de empresas. Para Tad DeHaven, essa postura particular transcende as categorizações tradicionais: “Todo mundo está se precipitando [em analisar a situação] com os ‘ismos’ — corporativismo, socialismo, capitalismo de Estado…”, ele observou, concluindo: “No fim das contas, é o trumpismo.”

Com informações de BBC News Brasil


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