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Um acontecimento inusitado agitou a cena cultural sul-coreana recentemente, reverberando a surpreendente influência do filme “Guerreiras do K-pop” (originalmente intitulado “Kpop Demon Hunters” em inglês), um sucesso global na plataforma Netflix. A curiosidade ganhou forma quando um monge budista local conduziu uma cerimônia ritualística tradicional, visando guiar as almas de uma popular boyband de K-pop em direção à paz e ao renascimento espiritual. Contudo, a singularidade do evento residia no fato de que o grupo musical em questão não existia no mundo real; tratava-se de personagens ficcionais, a banda Saja Boys, integrantes do universo animado do filme.
Lançado pela Netflix e amplamente disponível em países como o Brasil, “Guerreiras do K-pop” rapidamente ascendeu ao posto de um dos filmes mais assistidos da plataforma. Mesmo sendo vilões na narrativa, os Saja Boys, com seu visual distinto e postura altiva, capturaram a imaginação de inúmeros espectadores, solidificando uma vasta base de fãs. A etimologia do nome “Saja” é, inclusive, significativa, podendo ser traduzida como “anjos da morte”, entre outras interpretações, adicionando uma camada extra de fascínio aos personagens. A peculiaridade de um rito genuíno dedicado a figuras animadas ilustra a profunda imersão e o engajamento que a obra de ficção provocou no público.
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O vídeo da cerimônia, que se desenrolou por mais de duas horas e representou um ritual budista autêntico conhecido como Chondojae – geralmente efetuado por monges para famílias enlutadas em luto –, rapidamente viralizou no YouTube. Contou com a impressionante marca de mais de 4 mil espectadores acompanhando ao vivo. O monge responsável, um influenciador digital que optou por preservar seu anonimato, revelou que aquela foi a maior audiência que já havia testemunhado em uma de suas cerimônias, mesmo considerando o ambiente online. A veracidade do seu status como monge registrado foi posteriormente confirmada por veículos de imprensa, atestando a seriedade do gesto, ainda que direcionado a personagens fictícios. Apesar de toda a dedicação ritualística, o monge explicou que não tinha poder para assegurar a salvação espiritual nem para os Saja Boys, nem para Jinu, o protagonista do filme. Conforme suas palavras, tal destino “depende do bom carma” das almas em questão, enfatizando sua capacidade de guiar, mas não de prometer resultados absolutos.
A popularidade de “Guerreiras do K-pop” ultrapassa as fronteiras da Coreia do Sul, mas é neste país que a reação do público se manifesta de maneira mais intensa e fervorosa. A própria Netflix declarou que o título se consolidou como o filme mais assistido da plataforma em sua história. A obra, produzida e dublada por coreano-americanos, desenvolvida pela Sony e distribuída globalmente pela Netflix, encontra suas raízes e inspirações em aspectos intrínsecos da cultura coreana. A trama centra-se em caçadores de demônios míticos, cuja força advém da música, e é personificada por uma audaciosa girl band de K-pop denominada Huntrix. Naturalmente, a trilha sonora do filme, que ecoa incessantemente nas vozes de fãs por todo o mundo, bebe diretamente da fonte do K-pop, o maior produto cultural exportado pela Coreia do Sul, potencializando o alcance e a ressonância da produção.
Todo esse conjunto de elementos culminou em um verdadeiro frenesi na Coreia do Sul. Este fenômeno não se limita apenas ao país de origem; estendeu-se globalmente, gerando um profundo fascínio pela cultura coreana detalhada no filme. Para além do entusiasmo e da identificação, registrou-se um sentimento generalizado de FOMO – sigla em inglês para “Fear Of Missing Out”, ou “Medo de Estar Perdendo Algo”. Isso se manifesta especialmente pela ausência de uma previsão de lançamento do filme em cinemas sul-coreanos, ao contrário do que ocorre em outras partes do mundo. O público local demonstra frustração e ansiedade: uma fã expressou online a inveja que sente dos norte-americanos, que podem vivenciar o filme nas telonas e participar de sessões interativas de canto. Outra fã chegou a prometer que tiraria um dia de folga do trabalho, um sacrifício significativo na cultura laboral sul-coreana, caso “KDH” (sigla em inglês para “Kpop Demon Hunters”) chegasse às salas de cinema em seu país natal.
Parte significativa desse entusiasmo ardente pelo filme reside em uma característica fundamental: o respeito pela representação cultural. Observadores na Coreia do Sul, assim como amantes da cultura coreana em outros países, expressam historicamente uma grande preocupação com retratos estereotipados ou imprecisos de sua nação nas telas, especialmente em um momento em que sua cultura se projeta globalmente com tanta força. Ter um sucesso de proporções globais que, porventura, retratasse incorretamente suas tradições e costumes seria um revés doloroso. Lee Yu-min, uma fã de 30 anos de idade, compartilhou sua experiência, afirmando que “já assistiu a vários filmes e dramas que falavam sobre a cultura coreana, mas eles sempre estavam cheios de erros”. Ela mencionou equívocos frequentes que confundiam elementos culturais coreanos com os chineses ou japoneses, ou apresentavam atores falando um coreano artificial e inautêntico, reduzindo a complexidade cultural a uma imitação superficial. No entanto, ela destacou sua genuína admiração e “impressão” com a forma como “Guerreiras do K-pop” conseguiu representar com acuidade a cultura de seu país.
A precisão dos detalhes culturais é um dos segredos do sucesso do filme, conforme a percepção dos fãs. Lee Yu-min apontou para a cena de abertura como um exemplo primoroso, onde é retratada uma casa de telhado de palha típica da Dinastia Joseon, com pessoas comuns vestindo hanbok – o traje tradicional coreano – e exibindo penteados característicos da época. Ela afirmou que os detalhes eram “quase perfeitos”, demonstrando o esmero na produção e a profunda pesquisa cultural por trás da animação. Sua surpresa era notável, pois ela confessou que “nunca imaginou” que o filme conseguiria cativar corações e mentes ao redor do mundo da forma como de fato conquistou. A música do filme também desempenha um papel crucial nesse sucesso avassalador, com várias faixas se tornando algumas das mais reproduzidas na plataforma de streaming Spotify, reiterando o apelo global da trilha sonora inspirada no K-pop.
Na Coreia do Sul, o fenômeno do fandom de “Guerreiras do K-pop” produziu desdobramentos inesperados. Um dos maiores beneficiários desse entusiasmo, de forma surpreendente, foi o Museu Nacional da Coreia. Esta instituição, que já detém o título de museu mais visitado da Ásia, abriga artefatos tradicionais coreanos, muitos dos quais são semelhantes aos exibidos e referenciados no filme. Após o lançamento do sucesso da Netflix, o museu passou a registrar filas que se formam do lado de fora de suas portas, antes mesmo do horário de abertura. Turistas e fãs esperam pacientemente para ver as exposições e, principalmente, adquirir produtos na loja oficial, impulsionados pela identificação com os elementos do filme. A título de ilustração, apenas no mês de julho, o museu recebeu 740 mil visitantes, o que representa um aumento superior ao dobro em comparação com o mesmo período do ano anterior, evidenciando o impacto direto do filme na afluência. Lee Da-geon, por exemplo, visitou o museu em uma segunda-feira, esperando escapar das multidões de fim de semana, mas se deparou com cerca de 100 pessoas aguardando às 10h em ponto, o horário de abertura. Apesar do esforço, ela saiu de mãos vazias, pois todos os itens que desejou, incluindo um broche com um tigre e uma ave pega — que são representações dos personagens Derpy e Sussie, inspirados em pinturas folclóricas —, já haviam esgotado.
O aumento significativo nas vendas também impulsionou pequenos negócios e artistas. Choi Nyun-hee, que gerencia o ateliê Heemuse, teve um salto considerável em seu faturamento, que “aumentou cerca de cinco vezes”. Além disso, seus produtos, que incluem peças de artesanato coreano tradicional, agora são exportados para os Estados Unidos e a Austrália, mostrando um alcance internacional inesperado. Choi relata que percebeu a dimensão do fenômeno do filme quando seu norigae – um pingente tradicional coreano adornado com madrepérola – no formato de tigre, “de repente começou a esgotar” com uma velocidade sem precedentes. Com uma trajetória que inclui o trabalho em museus, onde desenvolvia programas educativos sobre artefatos coreanos, Choi Nyun-hee confirmou que, após assistir a “Guerreiras do K-pop”, sua conclusão foi de que a “cultura coreana foi retratada bem e integrada à narrativa da história” de maneira exemplar.
Para além das representações visuais e do simbolismo cultural, o filme conseguiu tocar o público em níveis mais profundos, resonando com aspectos da experiência humana. Lee Da-geon, a mesma fã que visitou o museu, destacou a heroína Rumi, que “esconde seu verdadeiro eu por constrangimento e vergonha”, afirmando ter se identificado profundamente com essa característica. Ela observou que, na Coreia, “as pessoas se preocupam demais com o que os outros pensam”, conectando a ficção à realidade social do país. A repercussão do filme também foi analisada por profissionais da indústria cinematográfica local. Park Jin-soo, um youtuber com experiência prévia na indústria de filmes coreanos, inicialmente descartou o filme, rotulando-o como “uma animação bizarra baseada em K-pop”. Contudo, ao finalmente assisti-lo, ele encontrou a obra “profundamente divertida”. Park manifestou seu desejo de que “KDH” fosse exibido nas salas de cinema, especialmente em um período em que o cinema sul-coreano necessita desesperadamente de novos sucessos de bilheteria.
O profissional da indústria cinematográfica defendeu que, embora os serviços de streaming e os cinemas possam ser vistos em “guerra por dividir o mesmo mercado”, eles de fato têm propósitos distintos. Ele levantou a hipótese de que, se ambos conseguirem “criar tendências juntos e viralizar”, o mercado global de entretenimento pode não apenas ser dividido, mas sim expandido, criando uma “fatia de mercado” ainda maior para todos. Park Jin-soo expressou a convicção de que “Guerreiras do K-pop” poderia cumprir esse papel crucial, em especial por proporcionar uma experiência única de “sing-along” (cantar junto) que apenas o cinema pode oferecer. Essa característica seria, para ele, a forma ideal de transformar um sucesso estrondoso do streaming em um sucesso de bilheteria igualmente notável, maximizando o engajamento e a receita.
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Mesmo mais de dois meses após sua estreia inicial na Netflix, o êxito de “Guerreiras do K-pop” não diminuiu; ao contrário, a produção continua a quebrar barreiras, alcançando agora as salas de cinema. Na América do Norte, sessões especiais no formato sing-along, permitindo que os fãs cantassem as músicas do filme em coro, levaram “Guerreiras do K-pop” a uma marca histórica: tornou-se o primeiro filme da Netflix a atingir o primeiro lugar nas bilheterias locais. Diante desse sucesso nas telonas, os fãs sul-coreanos intensificam seus apelos por uma experiência semelhante, expressando tanto online quanto offline o desejo de “cantar KDH no cinema!”. Uma luz de esperança para eles surge com o anúncio de que o filme será exibido no Festival Internacional de Cinema de Busan, em setembro, com algumas sessões limitadas também no formato sing-along, prometendo uma acirrada disputa por ingressos. Determinada a não perder a oportunidade, Lee Yu-min, que já assistiu ao filme mais de cinco vezes pela Netflix, afirma que, caso haja uma estreia em cinemas na Coreia do Sul, ela e o marido – que ainda não viu a produção – estarão lá. Nas redes sociais, o clamor é evidente: um fã, torcendo pela chegada do filme às salas sul-coreanas, escreveu que já começou a “decorar todas as letras”, mesmo sem confirmação oficial. Outro questionou, com evidente frustração: “Guerreiras do K-pop está em cartaz nos Estados Unidos, Canadá e no Reino Unido… por que não na terra do K-pop?”.
Com informações de BBC News Brasil

Imagem: bbc.com
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