Hell Is Us: Uma Meditação Ambiociona sobre os Horrores da Guerra, Enigma e Combate

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O título “Hell Is Us” surge como uma proposta singular no cenário dos jogos eletrônicos, apresentando-se como uma meditação ambiciosa e repleta de enigmas sobre as crueldades inerentes à guerra. Este jogo de ação em terceira pessoa mescla, de maneira intrigante, combate corpo a corpo com elementos de investigação profundos e quebra-cabeças complexos. Longe de uma experiência linear ou simplista, a narrativa do jogo é desenhada para mergulhar o jogador em um mundo onde a clareza e o entendimento são luxos raros, refletindo a natureza caótica e confusa de um conflito bélico.

Desde seus momentos iniciais, “Hell Is Us” submerge o jogador em uma atmosfera deliberadamente desconcertante. A tarefa primordial é assimilar os pormenores de uma intrincada guerra civil que se desenrola entre duas facções, os Palomistas e os Sabinianos. Logo, uma avalanche de terminologia específica é introduzida, como “armas Lymbicas” e “Detectores Guardiões”, sem um contexto inicial claro, contribuindo para a sensação de desorientação. No entanto, a forma mais contundente pela qual o jogo comunica essa desordem mental é por meio das placas de pedra enigmáticas, dispostas em seu cenário devastado e visualmente codificado para remeter à Europa Oriental. O texto gravado nessas tábuas permanece ilegível, frustrando qualquer tentativa do jogador de desvendar seus segredos textuais nas etapas iniciais da experiência. Nos primeiros níveis – uma floresta úmida e, em seguida, um pântano fétido –, tanto o significado quanto a própria compreensão da realidade do jogo permanecem esquivos, uma característica central do design.

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A abordagem intencionalmente enigmática de “Hell Is Us” invoca paralelos com a renomada série de jogos “soulsborne”, criados por Hidetaka Miyazaki, notadamente o aclamado “Elden Ring”. Tal como nesses títulos, o mundo de “Hell Is Us” é impregnado de símbolos esotéricos, quebra-cabeças que desafiam a lógica imediata e uma linha histórica tão densa quanto incompreensível à primeira vista. A cadência do combate também ecoa os elementos distintivos dos jogos de Miyazaki: cada golpe imponente consome a resistência do personagem, que só pode ser recuperada em momentos de retirada estratégica ou recuos desesperados. Essa mecânica central de gerenciamento de fôlego força o jogador a planejar seus ataques e defesas com precisão, adicionando uma camada tática intensa aos confrontos, exigindo paciência e discernimento para superar os inimigos.

Contudo, as semelhanças com os jogos da FromSoftware se dissipam quando se considera outro aspecto fundamental de “Hell Is Us”: sua natureza de jogo de detetive. Diferentemente das experiências focadas puramente em ação e exploração, o jogador é equipado com um datapad de design futurista-retrô, notavelmente robusto, que serve como repositório para uma vasta enciclopédia de informações descobertas ao longo da jornada. Este dispositivo permite organizar e consultar dados cruciais, que incluem diagramas complexos interligados por fios de investigações, funcionando como um guia não-linear de pistas a serem seguidas. Para desvendar os enigmas mais intrincados e diabólicos propostos pelo jogo, os desenvolvedores sugerem que o jogador possa até mesmo precisar recorrer a ferramentas do mundo real, como um lápis e um papel, sublinhando a profundidade e a complexidade das soluções requeridas, indo além do que um simples registro digital poderia oferecer.

A ambientação se harmoniza com o próprio nome do jogo. A nação ficcional de Hadea está submersa em uma carnificina devastadora pela guerra, essencialmente transformando-se em um verdadeiro inferno. As primeiras horas de gameplay expõem cenas gráficas da brutalidade do conflito: os vestígios sombrios de um esquadrão de fuzilamento e corpos linchados balançando de uma árvore servem como um aviso perturbador. Nas proximidades dessas visões macabras, a presença de um soldado que toca uma melodia lúgubre em seu violino adiciona uma camada de melancolia e horror à paisagem. Enquanto isso, criaturas brancas e bizarras vagam pelos pântanos e pelas planícies castigadas pelo vento. Estruturas gigantes em forma de orbes, adornadas com espinhos e batizadas de “Loops Temporais”, pulsam de forma anômala no ambiente. Essas fissuras aberrantes no tempo e espaço são uma consequência da chamada Calamidade, um evento catastrófico que transformou a realidade daquele mundo. A responsabilidade de enviar essas manifestações distorcidas de volta ao esquecimento recai sobre o protagonista Rémi, um investigador que mescla um estilo “gorpcore” com a capacidade de um herói de ação, navegando por esse cenário de horror e mistério.

Inicialmente, “Hell Is Us” pode parecer uma colagem dissonante de estilos visuais. O jogador se depara com paisagens desoladoras e opressivas, criaturas que lembram manequins perturbadores, uma estética de moda utilitária e tecnológica (o “technical wear fashion”) e, em um contraste marcante, espadas gigantescas que poderiam rivalizar com a famosa espada de Cloud Strife em “Final Fantasy VII”. Essa justaposição, porém, começa a se unificar lentamente ao longo da experiência. O mundo de Hadea adquire uma qualidade sublime e assombrosa, permeada por uma lógica onírica que confere coesão à sua estranheza. A bizarrice do jogo é ainda mais acentuada pela vasta quantidade de quebra-cabeças obscuros e enigmáticos que permeiam cada canto. A pergunta sobre a origem de um reino tão repleto de tantos enigmas arcanos serve para aprofundar o mistério e a imersão na jornada do jogador, que se vê constantemente desafiado a decifrar a natureza do mundo que o cerca.

A riqueza de informações e a densidade de mecânicas são características proeminentes em “Hell Is Us”. Esta complexidade se estende aos inimigos, particularmente os mais poderosos, que são capazes de invocar seres de suporte através de um misterioso “cordão umbilical” metafísico. Esses aliados surgem em duas formas distintas: uma criatura humanoide de tonalidade branca e um oponente geométrico com cores vibrantes. Há uma camada adicional de interpretação e mecânica, já que cada cor destes inimigos está associada a uma emoção humana específica: o azul, por exemplo, representa a tristeza, enquanto o verde simboliza o terror, e assim por diante, construindo um espectro de sensações. A metáfora implícita, embora por vezes possa soar um tanto batida, é inegavelmente potente. Esses adversários não são meras figuras de combate; eles se manifestam como encarnações físicas do colapso emocional provocado pela guerra, errando pela paisagem e infundindo-a com uma qualidade surreal e psíquica, representando a profunda cicatriz que o conflito deixa. No entanto, o simbolismo, apesar de sua força conceitual, apresenta uma limitação em sua resolução. A questão de como se encerra um ciclo de dor e luto que perdura por gerações – o “luto intergeracional” – é respondida de uma forma peculiar pelo universo de “Hell Is Us”: confrontando-o e literalmente partindo-o ao meio, usando machados de mão imbuídos da própria fúria, sugerindo uma resposta violenta e talvez simplificada para uma questão complexa.

É inegável a amplitude da ambição e da imaginação demonstradas no design de “Hell Is Us”, contudo, essa grandiosidade esbarra em uma execução inconsistente em alguns aspectos. O protagonista, por exemplo, possui um design visual cativante, com seu poncho resistente à chuva, que esvoaça de forma estilosa, conferindo-lhe uma estética interessante. No entanto, sua voz e suas falas são descritas como pertencentes a um arquétipo familiar, o de heróis de jogos masculinos da década de 2000, com um tom mais rústico e cínico do que o usual. Em um momento particularmente notável e um tanto destoante, Rémi – dublado por Elias Toufexis, conhecido por interpretar Adam Jensen na série “Deus Ex” – reflete em voz alta diante de uma montanha colossal de ossos humanos, comparável em tamanho a uma catedral: “Os Sabinianos podem ser as vítimas aqui, mas a região também está repleta de túmulos Palomistas”. Essa linha soa estranha e discordante ao ser proferida em meio a uma evidência tão monumental de perda, pois a equiparação direta das responsabilidades pode desvalorizar a dimensão da tragédia apresentada, revelando um possível ponto de desequilíbrio na abordagem narrativa ou no desenvolvimento do personagem, que luta para harmonizar a objetividade com a brutalidade inegável do cenário.

Hell Is Us: Uma Meditação Ambiociona sobre os Horrores da Guerra, Enigma e Combate - Imagem do artigo original

Imagem: Nacon via theverge.com

Após as horas de abertura, que são magnificamente desorientadoras, “Hell Is Us” experimenta uma perda de dinamismo. Embora Hadea se mantenha como um cenário instigante do início ao fim, mantendo o desejo de desvendar seus múltiplos mistérios, o mesmo não se pode dizer das outras camadas narrativas. Nem a jornada pessoal de Rémi, em busca do destino de seus pais e do lugar de onde fugiu quando criança, nem a exata natureza da Calamidade conseguem sustentar o interesse do jogador com a mesma intensidade. O primeiro arco, concebido para impulsionar a exploração, falha em cativar, deixando uma lacuna na conexão emocional do jogador com o protagonista. Sem a intriga narrativa necessária para alimentar a trama, o enredo se resume, em grande parte, à mera abertura de uma sequência de portas adornadas com glifos elaborados. Um momento irônico do jogo encapsula essa simplicidade narrativa, quando um personagem, inadvertidamente, resume a linearidade da trama: “Então você encontrou uma porta com um mecanismo estranho. O que aconteceu em seguida?” Isso revela a falta de profundidade em certas progressões do jogo, onde a complexidade das interações e a significância das descobertas se esvaziam.

Simultaneamente à perda de intensidade narrativa, o combate – uma atividade frequentemente exigida para decifrar os estranhos eventos por trás do surgimento das perturbadoras criaturas pálidas – torna-se repetitivo e maçante. O engajamento do jogador com as batalhas diminui, conforme sua atenção começa a minguar por volta da décima quinta hora de jogo, em um título que oferece uma possível experiência de cerca de trinta horas. Essa recorrência em batalhas menos estimulantes mina o interesse em explorar os fundamentos da história através da ação, contribuindo para uma sensação de fadiga em meio a uma experiência que, de outra forma, é tão conceitualmente rica e visualmente impressionante.

Isso representa uma decepção, pois “Hell Is Us” incorpora uma quantidade notável de elementos admiráveis e fascinantes. As “dungeons” – ou masmorras subterrâneas – que se ramificam abaixo das zonas semiabertas do jogo, são exemplos de design espacial exemplar, oferecendo uma sinfonia de passagens claustrofóbicas que se alternam com átrios e altares vastos e iluminados, criando uma sensação de grandiosidade e exploração vertical. O jogo opta por uma ausência deliberada de pontos de navegação (waypoints) ou marcadores de missão, exigindo que o jogador examine minuciosamente diários e documentos internos em busca de pistas para orientação, ocasionalmente auxiliado por uma bússola. Outra escolha de design inteligente é a limitação de conversas com personagens; o jogador só pode abordar assuntos ou obter informações sobre o que já descobriu por conta própria. Em uma era dominada por videogames de alto orçamento que muitas vezes primam pela comodidade e ausência de atrito, evitando qualquer aspecto que possa potencialmente restringir a audiência, “Hell Is Us” destaca-se por sua deliberada e corajosa “resistência”. Essa abordagem intencionalmente “espinhosa” para a experiência do jogador oferece um contraste revigorante, desafiando convenções e incentivando uma imersão mais profunda e um raciocínio independente, valorizando a exploração autônoma em vez da orientação explícita.

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Enquanto o protagonista avança por essa paisagem lamacenta e desoladora, a temática da linguagem e da compreensão se torna um elo central na experiência do jogador, permeando os códigos, símbolos, línguas e costumes de Hadea. Fica claro que se está apreendendo apenas uma fração ínfima de um conflito que perdura há milênios, dada a complexidade do seu pano de fundo. No entanto, uma linguagem mais universal e inegável é comunicada de forma contundente pelo jogo, através de sua imagística poderosa e muitas vezes brutal: o sofrimento da guerra. Independentemente da época ou do local, os conflitos violentos afetam os seres humanos de maneiras notavelmente similares, gerando medo, raiva, um desejo ardente de vingança e, de forma inevitável, mais violência. Apesar de suas diversas falhas e da intensa densidade informacional, “Hell Is Us” transmite uma mensagem límpida e impactante: quando os males de um conflito são liberados, assim como na história da caixa de Pandora, é impossível contê-los novamente. O jogo se propõe a ser uma reflexão sobre essa realidade inexorável e as consequências duradouras da guerra na psique humana e no mundo.

“Hell Is Us” tem lançamento agendado para o dia 4 de setembro, estando disponível nas plataformas PlayStation 5, Xbox e PC.

Com informações de The Verge


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