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A interferência russa em eleições na Moldávia foi minuciosamente revelada por uma investigação da BBC, que trouxe à luz a atuação de uma rede clandestina financiada pela Rússia. O objetivo principal da operação é desestabilizar as próximas eleições democráticas no país do Leste Europeu, marcadas para 28 de setembro, através da propagação de desinformação e material pró-Rússia, buscando minar a posição do partido pró-União Europeia no governo.
A apuração, realizada com a colaboração de uma repórter infiltrada, demonstrou o método de trabalho da rede: oferecer pagamentos a participantes para que estes divulguem propaganda favorável a Moscou e espalhem notícias falsas, com o intuito de prejudicar o partido no poder da Moldávia. Entre as táticas identificadas, estão a manipulação de pesquisas eleitorais e a criação de conteúdo em mídias sociais para enganar o eleitorado, frequentemente agindo sob o disfarce de uma entidade inexistente, prática ilegal conforme a legislação local.
Além da remuneração para divulgar narrativas desinformativas, os colaboradores eram instruídos a secretamente filmar e identificar apoiadores da oposição pró-Rússia da Moldávia, e também a conduzir sondagens falsas. Sugeriu-se que os resultados de tais pesquisas fraudulentas seriam utilizados para contestar os desfechos eleitorais. Pesquisas falsas, que projetam uma derrota do partido governista, já foram disseminadas online. No entanto, estudos oficiais indicam que o Partido da Ação e Solidariedade (PAS), associado à presidente Maia Sandu, mantém uma vantagem considerável sobre o Bloco Eleitoral Patriótico (BEP), de alinhamento pró-Rússia.
Interferência Russa: Rede de Fake News na Eleição da Moldávia
Conexões com Oligarca Foragido e Organizações Sancionadas
A investigação da BBC traçou elos claros entre a rede clandestina e o controverso oligarca moldavo Ilan Shor, que está atualmente foragido em Moscou. Shor foi alvo de sanções tanto pelos Estados Unidos quanto pelo Reino Unido por suas “operações de influência maligna do Kremlin” e acusações de corrupção. Adicionalmente, a Evrazia, uma organização sem fins lucrativos também ligada a Shor, emergiu como um ponto chave nas conexões da rede.
A Evrazia, igualmente sancionada pelo Reino Unido, EUA e União Europeia, foi acusada de subornar cidadãos moldavos no ano anterior, incentivando-os a votar contra a adesão à UE em um referendo. Embora o referendo sobre a adesão tenha sido aprovado, a margem de vitória foi muito pequena, evidenciando o impacto dessas operações. O chefe da polícia da Moldávia, Viorel Cernauteanu, salientou ao Serviço Mundial da BBC a mudança no foco das ações de Ilan Shor: “Em 2024, o foco da campanha [de Ilan Shor] era dinheiro. Este ano, o foco é desinformação.” Procurados para comentar as descobertas da investigação, Ilan Shor e a Evrazia não responderam às solicitações.
A Mecânica da Desinformação nas Redes Sociais
A Moldávia, apesar de seu tamanho modesto, detém uma importância geopolítica considerável, posicionada estrategicamente entre a Ucrânia e a Romênia, que é membro da UE. Especialistas apontam que essa localização a torna um palco relevante para as operações de influência tanto europeias quanto do Kremlin. A BBC conseguiu se infiltrar na rede por meio de um link enviado por um denunciante ao Serviço Mundial, fornecendo acesso a um grupo coordenado via aplicativo de mensagens Telegram. Esta inserção concedeu uma perspectiva vital sobre o funcionamento de uma complexa teia de propaganda antidemocrática.
Nossa repórter Ana, operando disfarçada, juntamente com outros 34 recrutas, participou de seminários online confidenciais. Estes encontros, com títulos como “Como passar da sua cozinha à liderança nacional”, visavam “preparar os agentes” e pareciam funcionar como uma etapa de seleção. Os participantes foram submetidos a testes periódicos para verificar a compreensão do conteúdo ensinado. Após esta fase, Ana foi contatada por Alina Juc, coordenadora da rede. O perfil de Juc em redes sociais indica que ela é da Transnístria, uma região separatista do leste da Moldávia com forte lealdade a Moscou, e seu histórico de Instagram mostra diversas viagens à Rússia nos últimos anos.
Alina Juc informou Ana que ela receberia 3 mil lei moldavos (aproximadamente R$ 950) mensalmente para criar posts no TikTok e Facebook durante o período pré-eleitoral. O pagamento seria realizado via Promsvyazbank (PSB), um banco estatal russo sob sanção que serve como banco oficial do Ministério da Defesa russo e detém participação em uma das empresas de Ilan Shor. Os recrutas, incluindo Ana, foram instruídos sobre como usar o ChatGPT para produzir conteúdo para redes sociais. A orientação era que as publicações deveriam “atrair as pessoas se a imagem contiver alguma sátira… sobre a realidade”, mas alertou contra o uso excessivo de inteligência artificial para assegurar que os posts parecessem “orgânicos”.

Imagem: bbc.com
No grupo do Telegram, a BBC acessou instruções anteriores enviadas aos participantes. Inicialmente, as solicitações eram para criar posts patrióticos sobre figuras históricas da Moldávia, mas progressivamente as exigências se tornaram explicitamente políticas. Ana foi instada a divulgar alegações sem fundamento, como a suposição de que o governo moldavo planejava fraudar as eleições, a afirmação de que uma eventual adesão da Moldávia à UE estaria condicionada à população se tornar LGBTQ+ e acusações de que a presidente Sandu estaria envolvida em tráfico de crianças. Evidências detalhadas das instruções da rede incluem pedidos para que os participantes compartilhassem frases como “O regime da [presidente] Sandu usa crianças como moeda viva” e “O SanduPAS [referência ao partido no poder] está envolvido no tráfico de pessoas”, tudo isso como parte da campanha de desinformação, segundo informações divulgadas pelo Departamento do Tesouro dos EUA sobre atividades semelhantes que culminaram nas sanções a Ilan Shor.
Além da publicação de conteúdo nas mídias sociais, a rede ia mais longe na manipulação. Juc ofereceu a Ana 200 lei moldavos (equivalente a R$ 64) por hora para conduzir uma sondagem informal, entrevistando cidadãos na capital da Moldávia sobre suas preferências eleitorais. Antes de iniciar esta tarefa, os participantes receberam treinamento sobre como influenciar sutilmente os entrevistados. Paralelamente, foram solicitados a secretamente gravar entrevistados que declarassem apoio à oposição pró-Rússia. Juc justificou essa ação como um meio de “evitar que a votação fosse fraudada”, indicando que os resultados das pesquisas e as gravações ocultas seriam utilizados para apresentar supostas provas de uma vitória injusta do PAS, caso o partido pro-UE vencesse o pleito. A coleta e manipulação desses dados são componentes chave da estratégia de desinformação visando corroer a credibilidade do processo eleitoral.
O Escopo da Operação e as Reações
Nossa investigação, conduzida de forma discreta dentro da rede de oposição, focou exclusivamente na publicação de informações factualmente precisas e controlou rigorosamente a quantidade de conteúdo divulgado. O objetivo era identificar outros componentes da rede, já que havia indícios de múltiplos grupos operando de maneira similar. Através do acesso ao Telegram, foram monitorados padrões de atividades em outras contas. As conclusões indicam que a rede é formada por pelo menos 90 contas do TikTok, algumas delas se passando por veículos de notícias legítimos, que coletivamente publicaram milhares de vídeos, acumulando mais de 23 milhões de visualizações e 860 mil curtidas desde janeiro. É um impacto considerável para uma nação com uma população de apenas 2,4 milhões de habitantes.
Compartilhamos os achados com o Digital Forensic Research Lab (DFRLab), com sede nos Estados Unidos. A análise do DFRLab sugeriu que a extensão da rede poderia ser ainda maior, estimando que o grupo mais amplo já obteve mais de 55 milhões de visualizações e mais de 2,2 milhões de curtidas no TikTok desde o início do ano. As provas colhidas pela BBC apontam fortemente que a rede na qual nossa repórter se infiltrou recebe financiamento direto da Rússia. Ana conseguiu gravar Alina Juc ao telefone pedindo dinheiro diretamente a Moscou. “Olha, você pode trazer dinheiro de Moscou… Só preciso pagar os salários do meu pessoal”, foi a fala de Juc capturada pela câmera. Embora a identidade do remetente do dinheiro não tenha sido esclarecida, foram confirmadas as ligações entre a rede e Ilan Shor, por intermédio da ONG Evrazia.
O Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido afirma categoricamente que a Evrazia opera “na Moldávia em nome do oligarca corrupto e fugitivo Ilan Shor… com o objetivo de desestabilizar a democracia moldava”. Ilan Shor e Evrazia optaram por não responder às conclusões da investigação, assim como Alina Juc. O TikTok, por sua vez, declarou ter implementado medidas adicionais de segurança antes das eleições e mantém seu compromisso em “combater agressivamente comportamentos enganosos”. A Meta, controladora do Facebook, também não se manifestou sobre os resultados da apuração da BBC. Em contrapartida, a embaixada russa no Reino Unido negou veementemente qualquer envolvimento em campanhas de notícias falsas e interferência eleitoral, e chegou a acusar a União Europeia de intrometer-se nas eleições da Moldávia.
Este relatório detalha as complexas operações de desinformação e interferência política na Moldávia, expondo as táticas e os financiamentos de uma rede ligada a interesses russos. Para uma cobertura mais aprofundada e análises contínuas sobre política global e investigações jornalísticas, continue acompanhando nossa editoria.
Crédito, Getty Images
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