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A preocupante ascensão da intoxicação por metanol no Brasil tem direcionado holofotes para um lucrativo mercado ilegal de componentes para bebidas alcoólicas falsificadas. Garrafas, rótulos e lacres de marcas reconhecidas são ofertados livremente em redes sociais, evidenciando uma cadeia de fornecimento robusta para a adulteração, conforme reportagem da BBC News Brasil.
A proliferação de selos que se assemelham aos da Receita Federal e uma vasta oferta de embalagens de gin, vodka e whisky famosas ocorrem em plataformas como o Facebook. Grupos, que variam de abertos a restritos, congregam mais de 10 mil usuários, incluindo estabelecimentos comerciais de diversos estados interessados na aquisição desses materiais para envasamento. Vendedores, por exemplo, de localidades como o Rio de Janeiro, chegam a comercializar garrafas de whisky por valores entre R$ 5 e R$ 10 cada, um montante significativamente superior ao obtido na reciclagem.
Intoxicação por Metanol: O Crescente Mercado Ilegal de Bebidas Falsificadas
Paralelamente a essa operação ilícita, o cenário da saúde pública brasileira acende o alerta. As autoridades federais têm manifestado grande preocupação com o número atípico de casos de pessoas intoxicadas por metanol. Essa substância tóxica, frequentemente utilizada para adulterar bebidas alcoólicas de forma criminosa, pode ocasionar desfechos trágicos, incluindo óbito e sequelas permanentes, como a perda da visão.
De acordo com o balanço divulgado pelo Ministério da Saúde em 4 de outubro, foram registrados 11 casos confirmados de ingestão de metanol, que resultaram em uma morte. Outros 116 casos encontram-se sob investigação. A principal linha de suspeita aponta para a adulteração de bebidas comercializadas em bares e estabelecimentos similares, ou até mesmo falhas na contaminação durante o processo de envase em determinadas produções.
A Rede de Suprimentos para a Falsificação
A amplitude desse mercado ilegal é notória. A BBC identificou um perfil de uma adega do Mato Grosso do Sul buscando ativamente lacres e tampas de marcas de whisky de prestígio, com diversos outros compradores demonstrando interesse na mesma postagem. A negociação desses itens, que incluem desde garrafas descritas como “zero” (não usadas) até adesivos e caixas, é complementada por vídeos de “qualidade” e ofertas de entrega via Correios.
Os grupos nas mídias sociais operam como um verdadeiro balcão de negócios virtual, onde compradores e vendedores expõem seus contatos telefônicos de diferentes estados, com algumas comunidades requerendo autorização de acesso e outras totalmente abertas. Embora a comercialização de garrafas vazias não configure crime por si só, especialistas advertem que é uma prática usual e fundamental para a estruturação do mercado paralelo de falsificação de bebidas alcoólicas.
Os vendedores contatados pela imprensa alegaram desconhecer a finalidade das garrafas, com o rol de anunciantes variando desde empresas de reciclagem até indivíduos que se apresentam como colecionadores. Até o momento, a Meta, responsável pelo Facebook, não se pronunciou oficialmente sobre as revelações acerca dessa exploração da plataforma.
O Impacto Econômico e os Desafios da Fiscalização
Um relatório recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) evidenciou a dimensão do problema. O mercado ilegal de bebidas alcoólicas movimentou a impressionante cifra de R$ 56,9 bilhões no Brasil, representando um salto de 224% em relação ao ano de 2017. A pesquisa do Fórum revela que o modus operandi da falsificação é reiteradamente baseado na reutilização de garrafas de produtos legítimos, popularizando a prática do “refil” para envasar bebidas adulteradas. Somente em 2023, mais de 1,3 milhão de garrafas foram apreendidas em operações de combate ao ilícito.
A gravidade da situação foi exemplificada por uma operação da Polícia Civil em Mogi das Cruzes, São Paulo, que descobriu um depósito dedicado à higienização de aproximadamente 20 mil garrafas. Lucien Belmonte, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Vidro (Abividro), atribui a prosperidade desse crime à fiscalização deficiente. Ele enfatiza que o procedimento correto seria a destinação das garrafas usadas a contêineres de reciclagem ou serviços especializados de coleta. Belmonte comenta que já foram ofertadas garrafas com tampa a R$ 450, o que “obviamente isso não é para fazer abajur, mas para encaminhar para falsificação”. Ele complementa que “Quem vende sabe que o objetivo é o descaminho, que é para esquema de falsificação”.
Lucien Belmonte defende um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que busca classificar a adulteração de alimentos e bebidas como crime hediondo. Para ele, a comercialização de garrafas com a finalidade de falsificação deveria ser criminalizada de forma explícita. “Hoje não há um crime específico. É preciso ter uma interpretação alargada da lei para tipificar”, afirmou.

Imagem: bbc.com
Controles de Destilados e as Brechas na Vigilância
No que concerne aos destilados importados, o controle se dá pela aplicação de selos impressos pela Casa da Moeda, dispostos nas tampas. Os selos autênticos exibem uma holografia com as letras R, F ou B. A Receita Federal, contudo, foca primordialmente nos aspectos tributários, não havendo preocupação específica com o teor ou a composição das bebidas. A autorização de importação de bebidas e a verificação de identidade, qualidade e segurança recaem sobre o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA).
Associações do setor criticam a suspensão do Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe). Ativo de 2008 a 2016, foi desativado sob a alegação de custos de manutenção elevados, estimados em cerca de R$ 1,4 bilhão anualmente. O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou sua reativação no ano passado, mas a decisão está sob análise judicial no Supremo Tribunal Federal (STF). Um estudo da Fia Consultoria de 2023 detalhou que o Sicobe empregava sensores nas linhas de produção para registrar o volume de bebidas envasadas, transmitindo os dados diretamente à Receita Federal, sem depender de comunicação voluntária dos fabricantes. “O sistema reduz fraudes e evita subnotificação da produção”, diz o estudo. A Receita Federal, no entanto, esclareceu que o Sicobe abrangia cervejas e refrigerantes, não destilados. Mesmo assim, a maioria dos especialistas converge na necessidade urgente de um sistema de rastreamento robusto para inibir a falsificação.
Sérgio Pereira da Silva, vice-presidente da Associação Brasileira de Combate à Falsificação, ilustra o cenário: “Um comerciante mal-intencionado pode comprar a bebida original, vendê-la e depois, ao invés de mandar o vasilhame pra reciclagem, vender pra esse mercado paralelo, por um valor mais caro.” Ele reitera que a rastreabilidade é crucial, pois os selos de autenticidade são facilmente replicados por gráficas que também falsificam rótulos.
Jorge Pontes, delegado aposentado da Polícia Federal e consultor em segurança, critica a deficiência no controle da produção de bebidas. “Antes o controle era muito melhor. Tem que ter algum tipo de controle estatal. Não dá pra deixar só na mão de particulares, pois cria-se um ambiente propício para a criminalidade”, afirma. Pontes defende que “Hoje o chamado ‘follow the product’ [siga o produto] é tão importante quanto o ‘follow the money’ [siga o dinheiro] em investigações. O poder público precisa saber o que está sendo produzido, quanto está sendo produzido.”
O Crime Organizado e a Diversificação de Ações
Nívio Nascimento, pesquisador-sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), aponta para a crescente participação do crime organizado nesse tipo de ilícito. Ele observa que, embora o contrabando de bebidas alcoólicas seja um crime antigo, a novidade é a infiltração de facções que buscam diversificar suas operações além do tráfico de drogas. Contudo, ele ressalta que até o momento não há evidências que liguem diretamente os casos de contaminação por metanol em São Paulo a facções criminosas como o PCC, enfatizando a necessidade de aguardar os resultados das investigações em curso.
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Em suma, a gravidade dos casos de intoxicação por metanol e a efervescência do mercado clandestino de insumos para falsificação de bebidas alcoólicas destacam uma ameaça contínua à saúde pública e à segurança dos consumidores no Brasil. A necessidade de aprimorar a fiscalização e os mecanismos de controle, aliados a uma legislação mais rigorosa, é evidente para combater essa complexa rede criminosa. Continue acompanhando nossas análises e notícias para se manter informado sobre as últimas novidades e desdobramentos na sua editoria de Segurança e Cidades em Hora de Começar.
Crédito: Reprodução
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