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A intoxicação por metanol tem gerado intensa preocupação e amplo debate em todo o Brasil ao longo da última semana. O metanol, um composto químico de uso exclusivamente industrial presente em solventes e combustíveis, revela-se altamente tóxico e impróprio para consumo humano, provocando consequências severas para a saúde.
De acordo com o balanço do Ministério da Saúde divulgado na sexta-feira, 3 de outubro, já foram confirmados 11 casos de ingestão de metanol, com o registro de uma morte, todos concentrados no Estado de São Paulo. Além desses, outros 102 casos estão sob investigação, sendo 90 em São Paulo, 6 em Pernambuco, 2 na Bahia, 2 no Distrito Federal, 1 no Paraná e 1 no Mato Grosso do Sul, evidenciando uma disseminação preocupante pelo território nacional.
Diante desse cenário alarmante, emerge a questão fundamental: o que torna o metanol substancialmente mais perigoso do que o etanol, presente nas bebidas alcoólicas comuns? Embora ambos sejam quimicamente classificados como álcoois e possuam características visuais e olfativas idênticas — são transparentes, líquidos e com o mesmo odor —, impossibilitando sua distinção pela percepção sensorial.
Intoxicação por Metanol: Risco à Saúde e Falência de Órgãos
As reações que produzem no corpo humano divergem radicalmente, e essa distinção, conforme pontuado pela infectologista Jessica Fernandes Ramos, é a chave para compreender a gravidade dos incidentes recentes.
“No fígado, tanto o etanol quanto o metanol são metabolizados pela mesma enzima, contudo, os resultados desse processo são radicalmente distintos”, explica a Dra. Ramos. Enquanto o etanol origina substâncias menos prejudiciais ao organismo, o metanol é transformado em formaldeído – conhecido popularmente como formol e utilizado para embalsamar cadáveres – e em ácido fórmico, um composto de extrema toxicidade.
Esse ácido altamente corrosivo afeta diretamente o nervo óptico e diversas outras estruturas do sistema nervoso, além de causar uma perigosa alteração no pH sanguíneo. Tal desequilíbrio metabólico pode comprometer o funcionamento celular, impactar gravemente órgãos vitais e levar a complicações graves, culminando em falência de múltiplos sistemas, conforme detalha Ramos, integrante do Núcleo de Infectologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Os casos mais recentes de intoxicação ganharam projeção adicional porque, em contraste com ocorrências passadas, nas quais a ingestão de metanol era predominantemente associada a situações de uso intencional ou entre populações vulneráveis, as atuais ocorrências se deram em ambientes como bares, envolvendo uma variedade de bebidas adulteradas, como gim, uísque, vodca e outros destilados. Embora ainda não haja clareza se o metanol foi adicionado para baratear produtos falsificados ou por contaminação acidental, as declarações iniciais das autoridades tendem a sugerir a adulteração intencional para fins de volume e lucro.
Mecanismos da Toxicidade do Metanol no Corpo Humano
O metanol é rapidamente absorvido pelo organismo. Os sintomas iniciais podem surgir em um período que varia de duas a 48 horas após a ingestão, dependendo da quantidade consumida. A infectologista destaca que, ao contrário de algumas intoxicações onde a lavagem gástrica é eficaz, no caso do metanol, este procedimento é inútil devido à sua absorção extremamente veloz. Uma vez absorvido pelo trato digestivo, o metanol passa pelo fígado e se converte nos dois metabólitos altamente tóxicos que então circulam pelo corpo.
Conforme descrição da Dra. Ramos, os metabólitos tóxicos atingem o sistema nervoso rapidamente, e os neurônios são as células mais suscetíveis. Essa ação é a responsável pelos sintomas iniciais de dor de cabeça intensa, alterações no nervo óptico, visão turva ou borrada, que podem progredir para uma severa redução da acuidade visual e, nos quadros mais graves, levar à cegueira irreversível.
Simultaneamente, o organismo inicia a produção de substâncias com elevada acidez durante o processo de digestão do metanol, resultando em uma condição conhecida como acidose metabólica – quando o sangue se torna mais ácido do que o normal. Em uma tentativa compensatória, o indivíduo passa a respirar de maneira rápida e superficial, buscando eliminar o excesso de acidez por meio da expiração.
Esse desequilíbrio afeta indiscriminadamente todas as células corporais, mas o coração está entre os primeiros órgãos a serem impactados, uma vez que necessita de um funcionamento extremamente estável para manter seus batimentos. O sistema respiratório também é prejudicado, forçado a um esforço além do usual na tentativa de reequilibrar o organismo. Os rins, por sua vez, assumem um papel crítico nesse processo, buscando reter bicarbonato, uma substância alcalina, para neutralizar a acidez. Contudo, esse esforço extra acarreta um custo elevado, comprometendo a função de filtração e podendo levar o paciente a uma insuficiência renal.
A combinação desses efeitos nocivos – toxinas circulando na corrente sanguínea, acidose metabólica, e a sobrecarga imposta ao coração, pulmões e rins – pode, em última instância, resultar em uma falência múltipla de órgãos. Cada sistema vital entra em disfunção progressiva, sobrecarregando os demais e debilitando a capacidade essencial do corpo de manter suas funções essenciais.
A médica enfatiza que não existe uma dose de metanol que possa ser considerada segura para consumo. Foram documentados casos graves em outros países com a ingestão de apenas 10 ml do composto. Embora mínimas quantidades diluídas em etanol possam não desencadear sintomas imediatos, não há um nível seguro comprovado. O que se sabe é que até doses pequenas já foram suficientes para requerer internação hospitalar.

Imagem: bbc.com
Eficácia e Desafios no Tratamento da Intoxicação
A médica patologista clínica do DB Diagnósticos, Maria Gabriela de Lucca Oliveira, descreve os sintomas mais frequentes da intoxicação por metanol, que incluem náuseas, vômitos, dor abdominal, tontura, dor de cabeça intensa, visão borrada ou dupla, confusão mental, convulsões, falta de ar e dificuldade para urinar. De acordo com a Dra. Ramos, um atendimento médico célere após a suspeita de intoxicação aumenta consideravelmente as chances de evitar complicações graves.
O tratamento essencial para a intoxicação por metanol abrange a administração de um antídoto, o etanol intravenoso, cuja função é competir com o metanol no fígado. Além disso, são adotadas medidas de suporte, incluindo a remoção dos metabólitos já processados por hemodiálise. A terapia também pode incluir bicarbonato intravenoso, hidratação, suporte respiratório e outros cuidados personalizados, dependendo da condição do paciente.
Curiosamente, o antídoto primário para a intoxicação por metanol é o próprio etanol, o mesmo tipo de álcool encontrado nas bebidas alcoólicas e que o corpo humano é capaz de metabolizar, embora em excesso e a longo prazo, também cause danos. O tratamento é feito em ambiente hospitalar, com supervisão contínua de profissionais de saúde, sendo o etanol administrado na forma farmacêutica, que possui o grau de pureza adequado para uso médico.
Essa dinâmica ocorre porque tanto o metanol quanto o etanol disputam a mesma enzima no fígado, denominada álcool desidrogenase. Quando o fígado está ativamente ocupado no processamento do etanol, o metanol tem sua metabolização retardada. Este aspecto é vital, pois é no processo de metabolização hepática que o metanol se converte em ácido fórmico, a substância verdadeiramente tóxica responsável por danos severos, incluindo cegueira, lesões neurológicas permanentes e o risco de óbito.
O objetivo do tratamento é manter níveis estáveis de etanol no sangue por um período prolongado, permitindo que o metanol seja eliminado de forma natural pelo sistema respiratório e urinário, sem ser transformado no ácido fórmico. Frequentemente, este processo é complementado pela hemodiálise, que acelera a filtragem do sangue e a remoção tanto do metanol quanto de seus subprodutos, ajudando o corpo a se livrar da substância antes que cause lesões irreversíveis.
No Brasil, a rede de atendimento de emergência para casos de intoxicação funciona em colaboração com os Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox), que são serviços especializados no diagnóstico e manejo de envenenamentos. Atualmente, o país conta com 32 dessas unidades, sendo nove delas localizadas em São Paulo, estado que concentra a maioria das ocorrências recentes de intoxicação por metanol. Outra alternativa, embora ainda não disponível no Brasil, é o fomepizol, um fármaco desenvolvido especificamente para tratar intoxicações por metanol. “Considerado um antídoto superior ao etanol, ele atua bloqueando a enzima responsável pelo metabolismo do metanol, impedindo assim a produção de ácido fórmico e formaldeído, e não causa os efeitos de embriaguez observados com o uso de etanol”, avalia a Dra. Ramos.
Prevenção e Alertas Essenciais para a População
A recomendação crucial é a completa abstenção do consumo de destilados. Até o momento, não foram reportados registros de contaminação em cervejas ou vinhos. Entretanto, já houve confirmação em cachaças, gim, vodcas e uísques. Dada a impossibilidade de distinguir o metanol do etanol visualmente ou pelo odor, a identificação se torna inviável. Além disso, não é possível assegurar a segurança com base em marcas, cidades ou distribuidores, pois todas estão sob suspeita até que novas diretrizes sejam emitidas pelas autoridades sanitárias.
O conselho reiterado pela Dra. Ramos aos seus pacientes é: consumo zero de destilados até novas orientações. “O risco é imenso. Estamos observando casos em indivíduos jovens, sem histórico de problemas de saúde, que ingeriram pequenas doses em estabelecimentos de alto padrão, em áreas que teoricamente teriam maior fiscalização. Neste cenário, não há margem para se arriscar”, alerta a infectologista. O Ministério da Saúde mantém um portal atualizado com informações oficiais sobre saúde e toxicologia.
A psiquiatra e pesquisadora do consumo de álcool, Olivia Pozzolo, reforça a necessidade urgente de a população estar vigilante a sintomas suspeitos após a ingestão de álcool, tais como náusea intensa, tontura, alterações visuais e falta de ar. “Diante da recomendação da Anvisa para que se evite o consumo de destilados como vodca, gim e uísque neste momento, é fundamental alertar: quem apresentar dificuldades para interromper o consumo de bebidas alcoólicas deve procurar apoio profissional”, orienta Pozzolo, membro do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA).
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A situação dos casos de intoxicação por metanol no Brasil sublinha a importância da cautela no consumo de bebidas destiladas e a necessidade de atenção imediata a qualquer sintoma suspeito. Mantenha-se informado sobre este e outros temas de saúde pública, visitando regularmente nossa seção de Cidades, onde abordamos os impactos na sua comunidade.
Crédito, Getty Images
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