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O Brasil observa o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciar, a partir desta terça-feira, 2 de setembro, o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), uma ação crucial que investiga sua suposta participação em uma tentativa de golpe de Estado. Embora o processo seja de caráter eminentemente doméstico, a complexa relação entre Brasil e Estados Unidos se manifesta intensamente nos bastidores, com a presença do presidente americano Donald Trump influenciando diretamente o cenário político e jurídico nacional. Essa influência tem sido apontada por especialistas como um fator que projeta uma “sombra” internacional sobre o desenrolar do caso, inserindo-o em um contexto de crise diplomática aprofundada.
A dimensão global do processo intensificou-se não apenas por meio de declarações públicas de apoio de Donald Trump a Jair Bolsonaro, mas também por uma série de medidas econômicas e diplomáticas adotadas por Washington. Desde a imposição de tarifas sobre produtos brasileiros até a aplicação de sanções a ministros do Supremo Tribunal Federal, a intervenção americana tem gerado impactos substanciais. Cientistas políticos, consultados pela BBC News Brasil, indicam que um veredito desfavorável ao ex-presidente brasileiro pode exacerbar ainda mais o atrito com os EUA e, possivelmente, resultar em mais ações de retaliação por parte da Casa Branca, intensificando a instabilidade nas relações bilaterais.
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O processo judicial no STF definirá o futuro de Jair Bolsonaro e mais sete indivíduos que integraram seu governo. Esses réus são apontados como parte de um “núcleo crucial” de uma alegada organização criminosa, que, de acordo com as acusações, teria planejado subverter o resultado das eleições de 2022, vencidas pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Entre os acusados estão figuras de destaque das Forças Armadas e da administração bolsonarista, evidenciando a gravidade das imputações.
A lista de réus inclui três generais do Exército: Augusto Heleno, que foi ministro do Gabinete de Segurança Institucional; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e Braga Netto, que ocupou o cargo de ministro da Casa Civil. Além deles, Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, também faz parte do grupo. A relação de acusados se estende a civis que ocuparam posições estratégicas: Alexandre Ramagem, antigo diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; e Mauro Cid, que atuou como ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Cid, que celebrou um acordo de delação premiada, forneceu informações que, segundo a acusação, fundamentam parte do processo. Todos os réus negam veementemente as acusações que lhes são imputadas.
A Inserção Americana no Cenário Nacional
A entrada dos Estados Unidos no caso, inicialmente percebida como uma questão interna brasileira, começou a ganhar forma muito antes de Jair Bolsonaro se tornar oficialmente um réu. Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente e deputado federal, tomou a iniciativa de ativar sua rede de contatos nos Estados Unidos. O objetivo, segundo ele, era buscar apoio internacional. Para tanto, o parlamentar solicitou uma licença de seu mandato no Congresso Nacional, com a justificativa explícita de “fazer justiça e criar o ambiente para anistiar os reféns de 8 de janeiro e os demais perseguidos que fizeram parte do governo Bolsonaro”.
Eduardo Bolsonaro viajou aos EUA para acompanhar a posse de Donald Trump e tem permanecido no país desde então. Através de suas plataformas digitais, ele documenta encontros com autoridades americanas e suas atividades direcionadas à busca de lo que ele chamou de “as justas punições que Alexandre de Moraes e a sua gestapo da Polícia Federal merecem”, argumentando que seu pai e os demais acusados estariam sendo vítimas de perseguição política no Brasil. Tais movimentos visavam, claramente, gerar uma pressão internacional que pudesse influenciar o curso dos eventos em Brasília.
As primeiras demonstrações de suporte do então governo Trump à família Bolsonaro surgiram através de pronunciamentos de seus colaboradores próximos. Em abril, Jason Miller, um dos conselheiros do presidente americano, referiu-se ao ministro Alexandre de Moraes como uma “ameaça à democracia”, acirrando o tom da discussão. Pouco tempo depois, em maio, Marco Rubio, o Secretário de Estado, durante uma audiência na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados americana, admitiu que os EUA estavam avaliando a possibilidade de impor sanções contra o ministro Moraes. Esse posicionamento indicava um alinhamento claro com as queixas expressas por setores da direita brasileira.
Nesse período, congressistas norte-americanos já haviam enviado ofícios ao presidente Trump e ao secretário, instando-os a aplicar a Lei Magnitsky. Essa legislação permite aos Estados Unidos punir indivíduos estrangeiros que sejam acusados de violações de direitos humanos. O fundamento para tal solicitação era a alegação de que o ministro do STF estaria utilizando o sistema judicial brasileiro como uma ferramenta política. A movimentação parlamentar ganhou contornos ainda mais específicos quando o Comitê Judiciário da Câmara dos Estados Unidos aprovou uma proposta que visava impedir a entrada do ministro Alexandre de Moraes em território americano, mostrando uma crescente hostilidade institucional.
Ação Direta de Donald Trump e Medidas Punitivas
Em 7 de julho, Donald Trump realizou sua primeira manifestação direta contra os procedimentos judiciais enfrentados por Bolsonaro. Por meio de uma publicação em rede social, o presidente americano afirmou que “o Brasil está fazendo uma coisa terrível em seu tratamento ao ex-presidente Jair Bolsonaro”. Sem nominar explicitamente o STF ou outros órgãos do Poder Judiciário brasileiro, Trump prosseguiu sua crítica: “Tenho assistido, assim como o mundo, como eles não fizeram nada além de persegui-lo, dia após dia, noite após noite, mês após mês, ano após ano! Ele não é culpado de nada, exceto por ter lutado pelo povo.” A declaração configurava-se como um endosso inequívoco ao aliado brasileiro.
Apenas dois dias após essa declaração, o presidente americano escalou a pressão ao anunciar a imposição de tarifas de 50% sobre produtos importados pelos EUA do Brasil, a alíquota mais elevada entre os países que receberam sobretaxa naquele momento. Concomitantemente a essa medida econômica, Trump reiterou seu apelo para o encerramento do julgamento de Jair Bolsonaro. A decisão foi formalizada e comunicada ao governo brasileiro por meio de uma carta pessoalmente assinada por Trump e endereçada ao presidente Lula. No teor da mensagem, o republicano reiterava que o “julgamento não deveria estar ocorrendo” e o qualificou como uma “caça às bruxas” contra Bolsonaro, reafirmando sua visão sobre o processo.
As justificativas apresentadas por Trump para a aplicação da tarifa elevada abrangiam múltiplos aspectos. Primeiramente, ele alegou uma relação comercial “injusta”, atribuindo-a a práticas protecionistas do Brasil. Além disso, as decisões do STF que determinaram o bloqueio de usuários investigados ou acusados por crimes como ameaça e apologia a golpe de Estado em plataformas de mídias sociais foram veementemente criticadas. Segundo o líder americano, tais decisões representavam “ordens de censura secretas e ilegais”, minando a liberdade de expressão e a atuação de empresas de tecnologia americanas no país. Tais acusações sublinharam uma tensão crescente sobre a regulamentação digital.
No final de julho, o governo dos EUA deu um passo adiante, anunciando a imposição de sanções contra Alexandre de Moraes, tendo como base a Lei Magnitsky. O ministro já estava impedido de ingressar em território americano desde 18 de julho, quando Washington havia formalmente revogado seu visto, assim como os vistos de seus familiares e de “aliados”, intensificando a punição pessoal e diplomática. Além disso, o governo Trump também efetuou a revogação de vistos de cidadãos brasileiros que estiveram envolvidos na concepção e implementação do programa Mais Médicos, projeto que trouxe profissionais cubanos para atender à escassez de assistência médica em áreas remotas e periféricas do Brasil, constituindo mais um sinal de aprofundamento da crise e da retaliação bilateral.
A Casa Branca tem intensificado as ameaças e a pressão sobre o Judiciário brasileiro, especialmente no que se refere a casos que envolvem a regulamentação das redes sociais e de grandes empresas de tecnologia com atuação no país. Em julho, o Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês) iniciou uma investigação comercial contra o Brasil. Entre as várias questões levantadas, a apuração visava práticas que, supostamente, estariam comprometendo a competitividade de empresas americanas nos setores de comércio digital e de serviços de pagamento, marcando um novo flanco na disputa.
Em um relatório detalhado sobre essa apuração, o USTR fez acusações severas, afirmando que a Justiça brasileira teria emitido “ordens secretas” que instruíram empresas americanas de mídia social a “censurar centenas de postagens e retirar dezenas de críticos políticos, incluindo cidadãos dos EUA, de suas plataformas por discursos legais em solo americano”. Esta afirmação, notadamente grave, era uma referência direta às decisões do ministro Alexandre de Moraes. O magistrado havia determinado o bloqueio de diversos perfis em redes sociais que, de acordo com as investigações, eram administrados por usuários acusados de atentarem contra a democracia brasileira e o processo eleitoral, culminando na invasão das sedes do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal em 8 de janeiro de 2023.
O USTR também citou uma decisão específica do STF acerca da regulamentação das plataformas digitais no país e um suposto favoritismo conferido ao Pix, o sistema de pagamento instantâneo do governo brasileiro, como evidências de que o Brasil estaria, na visão americana, prejudicando a competitividade de empresas norte-americanas. Mais recentemente, Donald Trump intensificou suas ameaças, alertando para a imposição de novas e “substanciais” tarifas a países que mantivessem regras digitais “discriminatórias” contra os Estados Unidos. Embora o presidente não tenha nomeado as nações que poderiam ser afetadas, autoridades americanas frequentemente tecem críticas às legislações e ações tomadas tanto pelo Brasil quanto pela União Europeia (UE) para a regulamentação do ambiente digital, sugerindo uma escalada na disputa.
Similitudes entre Bolsonaro e Trump: A ‘Empatia’ no Contexto Global
Para Luciana Veiga, professora do Departamento de Estudos Políticos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), o apoio vocal de Donald Trump a Jair Bolsonaro tem raízes em um sentimento de “empatia” por parte do líder republicano em relação ao ex-presidente brasileiro. Segundo sua avaliação, “Os dois têm muitas similaridades entre eles e Trump provavelmente enxerga que poderia estar na mesma situação de Bolsonaro se a Justiça americana tivesse agido da mesma forma da brasileira.” Essa perspectiva aponta para uma identificação pessoal de Trump com os desafios enfrentados por Bolsonaro.
As semelhanças, e também as divergências, entre os dois líderes têm sido tema de análise por diversos especialistas. Uma das principais linhas de comparação reside no fato de que tanto Bolsonaro quanto Trump foram alvo de acusações de tentarem reverter os resultados de eleições, disseminar informações falsas sobre alegadas fraudes eleitorais e, em cenários extremos, incitar seus apoiadores a invadir edifícios públicos para obstruir a posse de seus respectivos adversários políticos. As cenas de caos e depredação observadas tanto na invasão do Capitólio nos EUA em 2021 quanto nas sedes dos Três Poderes em Brasília em 2023 reforçam as similaridades apontadas.
No caso americano, Donald Trump tornou-se réu em ações movidas tanto em instâncias estaduais quanto federais por suas ações subsequentes à derrota na eleição presidencial de 2020 para o democrata Joe Biden. Uma das acusações fundamentais alegava que ele teria espalhado “mentiras de que houve fraude” e articulado uma conspiração com o objetivo de alterar ilegalmente o resultado eleitoral a seu favor, culminando, de fato, na invasão da sede do Congresso americano em 6 de janeiro de 2021. Trump, por sua vez, refuta veementemente todas essas alegações.
Quando esses processos judiciais foram iniciados, o político republicano já estava em plena preparação para concorrer novamente às eleições presidenciais de 2024. Notavelmente, os processos não foram concluídos antes que ele conseguisse retornar à Casa Branca no início deste ano, após vencer a democrata Kamala Harris nas urnas, marcando um retorno significativo ao poder em meio a disputas legais. Em contrapartida, Jair Bolsonaro já havia sido declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2023, uma decisão proferida por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Tal declaração foi consequência de uma reunião com embaixadores estrangeiros realizada no Palácio da Alvorada em 2022, na qual foram feitas alegações infundadas sobre o sistema eleitoral brasileiro.

Imagem: bbc.com
No julgamento agendado para setembro, o ex-presidente brasileiro é acusado formalmente de cinco crimes graves: liderança de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Os dois últimos crimes mencionados especificamente referem-se aos ataques ocorridos em 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes da República foram alvo de invasão e depredação. Naquela data, milhares de apoiadores radicais de Bolsonaro, descontentes com o resultado da eleição e a posse do presidente Lula, invadiram e vandalizaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal — um episódio que, em sua amplitude e características, foi amplamente comparado ao que ocorreu dois anos antes em Washington, nos Estados Unidos.
Steven Levitsky, autor do aclamado livro “Como as Democracias Morrem” e professor da Universidade de Harvard, abordou o tema em uma entrevista à BBC News Brasil em julho, logo após o anúncio das tarifas americanas e da revogação de vistos de ministros do STF. Ele afirmou que Donald Trump está convencido de que Bolsonaro é vítima de injustiça, “assim como ele acredita que foi injustiçado”. Segundo Levitsky, Trump genuinamente acredita que, “de alguma forma, está fazendo justiça no Brasil”, expressando uma visão de retribuição ou correção de rumos.
Conforme a análise de Levitsky, as decisões recentes do governo americano em relação ao Brasil configuram-se como ações de intimidação e assédio (bullying), as quais estão “minando” o processo democrático do país. O professor de Harvard enfatizou, ainda, que a tentativa atual de interferência dos EUA no Brasil difere de suas ações na América Latina durante o período da Guerra Fria. Enquanto na Guerra Fria Washington apoiou golpes militares que instauraram ditaduras, muitas das quais perseguiram, torturaram e assassinaram oponentes políticos, a interferência atual é vista como mais “personalizada”, “desinformada” e “arrogante” em sua natureza e motivações.
“Quer concordemos ou não com a política dos EUA em 1964 no Brasil, ou em 1973 no Chile, pelo menos se tratou de uma política de Estado”, explicou Levitsky. “Não é isso [que está acontecendo agora]. O que vemos é um capricho pessoal de Trump baseado em muita desinformação, muita ignorância e muita arrogância”, continuou. Ele classificou a situação como “Não se trata de uma política séria, mas de um país muito grande, rico e poderoso, fazendo política externa de uma república das bananas.” Levitsky expressou a crença de que as instituições brasileiras, hoje, respondem melhor às ameaças à sua democracia do que as instituições americanas reagiram em um cenário similar. “Acho que hoje o Brasil é um sistema mais democrático do que os Estados Unidos. Esse pode não ser o caso daqui a um ano, mas hoje as instituições brasileiras estão funcionando melhor”, complementou o cientista político.
Impacto na Percepção Pública e o Cálculos Políticos
Apesar das expectativas de Jair Bolsonaro e seus aliados de que um respaldo americano pudesse beneficiar sua posição no cenário doméstico, os efeitos internos da interferência de Donald Trump no caso têm sido, até o momento, majoritariamente desfavoráveis para o ex-presidente e para sua popularidade, conforme apontado por especialistas consultados pela BBC News Brasil. Luciana Veiga destaca que “O vínculo entre a família Bolsonaro e Donald Trump – e as ações tomadas pelos EUA que decorreram disso – geraram um desgaste na opinião pública”, sinalizando um impacto negativo na percepção dos eleitores.
Uma pesquisa realizada pela Genial/Quaest no final de agosto indicou que a percepção entre os brasileiros de que Bolsonaro teria participado do plano de golpe de Estado registrou um crescimento. Atualmente, 52% dos entrevistados consideram que o ex-presidente esteve envolvido na trama, em comparação com 47% em dezembro de 2024 e 49% em março do ano corrente, denotando uma elevação constante nessa percepção. O mesmo levantamento ainda revelou que 55% dos brasileiros avaliam a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro como justa, em oposição a 39% que a consideram injusta, evidenciando uma divisão na sociedade quanto às medidas judiciais.
Para Luciana Veiga, as ações empreendidas por Donald Trump, aliadas à divulgação de evidências sobre o envolvimento do ex-presidente e de seus aliados na tomada de decisões em Washington, desempenharam um papel crucial na conformação desse cenário desfavorável a Bolsonaro. A especialista afirma que “A sequência de acontecimentos dos últimos meses reforçaram uma narrativa contra Bolsonaro”, sugerindo uma consolidação da percepção pública. A professora da UNIRIO ressalta especialmente o impacto gerado pela divulgação, por parte da Polícia Federal, de áudios e conversas por mensagens entre o ex-presidente e seus colaboradores próximos, os quais abordavam as tarifas impostas pelos Estados Unidos ao Brasil e um projeto de anistia, tornando pública uma conexão entre as negociações.
Em um dos áudios tornados públicos, em diálogo com o pastor Silas Malafaia, Bolsonaro é capturado afirmando que tem mantido contato com “pessoas mais acertadas” e estabelece uma condição explícita: “Se não começar votando a anistia, não tem negociação sobre tarifa”. O ex-presidente também enfatiza que quaisquer tentativas isoladas de governadores para negociar com autoridades americanas não teriam sucesso sem esse pré-requisito. Veiga comenta: “Para as pessoas que vêm acompanhando fragmentos da história, a leitura feita de tudo isso é que o ex-presidente está tentando se livrar de uma situação pessoal difícil e fazendo o país inteiro pagar”, o que amplifica a impressão de uso pessoal da política externa.
Silvio Cascione, diretor da consultoria Eurasia Group no Brasil, aponta que existe uma forte associação no eleitorado entre as tarifas impostas sobre as importações brasileiras e a figura de Jair Bolsonaro. Contudo, Cascione ressalta que, para a base de apoiadores mais fiéis do ex-presidente, esses fatos parecem não ter alterado a percepção. “Para aqueles que entendem que a última eleição foi uma fraude e que todo o processo é uma perseguição, nada mudou”, afirmou ele, destacando a resiliência da lealdade entre esse grupo. A pesquisa Quest de final de agosto corrobora essa observação, indicando que entre eleitores de Lula ou de esquerda, mais de 80% concordam com a visão de que Bolsonaro participou do plano de golpe de Estado. Por outro lado, entre eleitores de direita ou bolsonaristas, mais de 70% discordam da tese. Para o segmento de eleitores de centro, 58% demonstram a percepção de envolvimento do ex-presidente na trama, ilustrando a clivagem na opinião pública.
Os dados, incluindo o crescimento, ainda que moderado, da percepção negativa em relação a Jair Bolsonaro, têm gerado um efeito direto na classe política brasileira, segundo a avaliação de especialistas. Luciana Veiga observa: “Ao mesmo tempo em que existe uma pressão para que o sistema político afeito a Bolsonaro mostre uma defesa contundente dele, a opinião pública está se afastando dele.” Ela conclui que “Os partidos agora fazem seus cálculos sobre os custos de uma mobilização [pró-Bolsonaro]”, indicando uma reavaliação estratégica por parte dos atores políticos, que consideram os potenciais desgastes de associar-se abertamente ao ex-presidente diante da mudança na percepção popular.
Consequências de uma Eventual Condenação e o Cenário Pós-Julgamento
De acordo com a análise de cientistas políticos ouvidos, há uma forte tendência de que Jair Bolsonaro e os demais réus que estão sendo julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sejam considerados culpados ao final do processo. Silvio Cascione, da Eurasia Group, expressa essa expectativa, afirmando: “Tendo em vista como o processo evoluiu e os sinais que vêm sendo dados, é muito difícil imaginar algo diferente de uma condenação. A dúvida que fica é em relação ao placar [de votos] e o tamanho da pena”, indicando que a convicção sobre a culpa parece consolidada, restando apenas os detalhes da sanção judicial.
Se o cenário de condenação for de fato confirmado, o analista prevê que novas medidas de retaliação podem ser esperadas da parte da Casa Branca, sinalizando uma escalada na tensão diplomática entre os dois países. “O que é o desenrolar natural do processo para o Brasil será provavelmente visto pelos Estados Unidos como uma escalada”, explica Cascione, evidenciando a leitura americana diferenciada sobre a judicialização interna brasileira. Sobre as medidas adicionais que poderiam ser tomadas, ele considera que é “um exercício de adivinhação nesse caso”, embora existam algumas hipóteses viáveis. Cascione menciona a possível adoção de novas sanções contra outros membros do STF ou do governo brasileiro, novamente com base na Lei Magnitsky, como um caminho provável. Entretanto, ele não descarta a possibilidade de um aumento ainda maior na alíquota já aplicada para os produtos brasileiros nos Estados Unidos, sugerindo uma escalada na guerra comercial.
O diretor da consultoria Eurasia Group no Brasil aponta, ainda, para a dificuldade significativa que tanto o governo brasileiro quanto o setor privado nacional têm enfrentado na “construção de canais de diálogo e engajamento” para negociações nos Estados Unidos. Essa dificuldade acentua a preocupação sobre como o Brasil poderá responder a futuras pressões ou buscar soluções diplomáticas em um ambiente já complexo. A ausência de canais eficazes de comunicação torna a situação mais delicada, especialmente em um cenário de crescentes tensões comerciais e políticas.
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Contudo, Silvio Cascione observa uma possibilidade de alteração nos rumos, caso a pressão exercida pelos Estados Unidos sobre o Brasil se prolongue até as eleições presidenciais de 2026. Segundo sua avaliação, uma mudança na liderança do governo em Washington poderia significar uma abertura maior para a extinção da pena e das acusações que recaem sobre Jair Bolsonaro e seus aliados, dada a mudança de ambiente político. O indulto, uma prerrogativa constitucional do presidente da República no Brasil, poderia ser um mecanismo para isso, embora perdões concedidos em ocasiões anteriores já tenham sido anulados por ordem do STF. Cascione avalia: “A pressão dos Estados Unidos pode mudar o cálculo dentro do Supremo para permitir um indulto presidencial”, configurando um elemento a ser observado nos próximos anos, visto que um perdão é uma questão complexa e de alto impacto jurídico e político.
A possibilidade de que um aliado venha a conceder um perdão presidencial a Jair Bolsonaro já foi aventada publicamente por membros de seu círculo mais íntimo. O tema tem sido objeto de intenso debate nos bastidores das negociações entre o ex-presidente e potenciais candidatos à presidência no campo da direita para o pleito de 2026, a exemplo de seu ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP). Em julho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do ex-presidente, defendeu publicamente a tese de que o STF deveria respeitar um indulto em favor de seu pai. “Como é uma competência privativa do presidente da República, e a única certeza que eu tenho é a de que o Lula não será o próximo presidente do Brasil, o próximo presidente fará o indulto e espero que o Supremo respeite a Constituição. Como não tem nenhuma formalidade ilegal, nenhum vício de formalidade, não tem por que derrubar”, disse ele ao jornal O Globo, indicando uma expectativa política.
Apesar de as eleições de 2026 ainda estarem a mais de um ano de distância, diversas pesquisas de intenções de voto já estão simulando diferentes cenários, apresentando algumas alternativas de representantes do campo bolsonarista concorrendo contra o atual presidente Lula, figurando como potenciais favoritos. Uma pesquisa AtlasIntel/Bloomberg, divulgada no final de agosto, mostrou Lula liderando uma eventual disputa pelo Palácio do Planalto com 44,1% das intenções de voto, enquanto o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, aparecia com 31,8%, sugerindo uma polarização na disputa e o potencial impacto das alianças e decisões judiciais futuras no cenário político.
Com informações de BBC News Brasil
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