Julgamento de Bolsonaro no STF: Entenda a Competência da Primeira Turma e o Foro Privilegiado

Artigos Relacionados

📚 Continue Lendo

Mais artigos do nosso blog

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou recentemente o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro. As acusações são graves e incluem a liderança de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano contra patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. O início do processo levanta uma série de questionamentos sobre a competência e o procedimento judicial em casos envolvendo ex-chefes de Estado, dada a sua significativa repercussão nacional.

Este cenário complexo da Justiça brasileira traz à tona a importância do sistema legal, que se estrutura em diferentes instâncias para processar e julgar cidadãos, incluindo altas autoridades. A determinação de qual órgão judiciário possui a autoridade para julgar um caso específico, conhecida como questão de competência, é um pilar fundamental no desenrolar de qualquer processo judicial no Brasil. Ela define não apenas o percurso do processo, mas também as possibilidades de defesa e recurso, influenciando diretamente o destino legal dos envolvidos.

👉 Leia também: Guia completo de Noticia

## As Instâncias da Justiça Brasileira e o “Foro Privilegiado”

O sistema judicial brasileiro é composto por três instâncias hierarquizadas. A primeira instância é onde os processos criminais e cíveis geralmente se iniciam. Em caso de contestação de uma decisão, as partes podem recorrer, levando o caso à segunda instância para revisão por outro tribunal. Finalmente, na última instância, que no caso do Brasil é o STF para questões constitucionais e crimes específicos, o foco é revisar se as decisões anteriores violaram ou não a Constituição Federal. Um exemplo notável desse processo é o caso do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, em 2021, teve sua condenação na primeira e segunda instâncias anulada pelo STF.

Para algumas autoridades, existe um mecanismo chamado “foro por prerrogativa de função”, popularmente conhecido como foro privilegiado. Este é o caso de Bolsonaro, cujo julgamento ocorre diretamente no Supremo Tribunal Federal. A justificativa para este dispositivo constitucional é proteger as autoridades de abusos judiciais que poderiam impedir o exercício de seus cargos. Sem o foro privilegiado, qualquer um dos mais de 18 mil juízes de primeira instância no Brasil poderia aceitar uma denúncia contra um presidente, gerando instabilidade.

### Lula versus Bolsonaro: Trajetórias Judiciais Diferentes

As trajetórias judiciais de Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro, embora ambas envolvendo o STF, são marcadamente distintas devido à questão da competência. Lula foi julgado em três instâncias: iniciou na primeira instância com o juiz Sérgio Moro, teve sua pena aumentada na segunda instância (Tribunal Regional Federal) e, por fim, viu seu processo anulado pelo STF, que declarou a incompetência de Moro e sua parcialidade, além de interpretar que os casos não estavam diretamente ligados à Operação Lava Jato.

Bolsonaro, por sua vez, está sendo julgado diretamente na terceira e última instância, o STF, devido ao foro por prerrogativa de função. Esta distinção se dá porque os crimes imputados a Bolsonaro teriam ocorrido enquanto ele ainda exercia o cargo de Presidente da República, mais especificamente antes da terceira posse de Lula em dezembro de 2022. Renato Vieira, advogado e presidente do Conselho Consultivo do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), explica que “os supostos crimes pelos quais o Bolsonaro está sendo julgado foram cometidos quando ele era presidente da República”, o que acarreta a competência da Suprema Corte.

A recente decisão do STF em março de 2023, referente ao Habeas Corpus 232.627/DF, consolidou o entendimento de que a prerrogativa de foro para crimes cometidos no cargo e em razão das funções persiste mesmo após o afastamento do posto. Isso significa que Bolsonaro, mesmo após deixar a presidência, ainda deve ser julgado pelo STF, conforme decidiram a maioria dos ministros, incluindo Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Nunes Marques e Dias Toffoli.

No entanto, nem todos os juristas concordam. A advogada Maíra Beauchamp Salomi defende que o caso de Bolsonaro deveria ter sido iniciado na primeira instância, assim como o de Lula. Para ela, a Suprema Corte deveria ser reservada apenas para julgamentos de presidentes em exercício e para a análise de questões constitucionais, que seriam sua prerrogativa principal, dado que a Corte não possuiria a estrutura necessária para este tipo de processo.

### Foro “Privilegiado” ou “Mais Rigoroso”?

Juristas entrevistados questionam a nomenclatura “foro privilegiado”, argumentando que, para o réu, pode significar desvantagens. Rafael Garcia Campos, coautor de um artigo sobre as competências, aponta que ao ser julgado diretamente pelo STF, o réu tem suas chances de recurso significativamente reduzidas.

**Comparativo de Trajetórias Judiciais:**

| Aspecto | Caso Luiz Inácio Lula da Silva | Caso Jair Bolsonaro |
| :—————— | :———————————————————– | :———————————————————– |
| **Instância Inicial** | 1ª instância (13ª Vara Federal de Curitiba) | Direta na 3ª instância (STF) |
| **Foro** | Comum, posteriormente declarado incompetente (Sergio Moro) | Por prerrogativa de função (“privilegiado”) |
| **Recursos** | Possibilidade de recurso ao TRF (2ª instância), STJ e STF | Recursos mais limitados, inicialmente na Turma do STF |
| **Decisão STF** | Anulação dos processos por incompetência do juízo e parcialidade | Julgamento direto pelo STF (Primeira Turma) em última instância para a maioria das questões |
| **Causas** | Crimes supostamente fora do mandato presidencial | Crimes supostamente cometidos durante o mandato presidencial |

Campos ressalta que Lula teve sua sentença apreciada por três tribunais distintos – um regional e dois superiores –, e a anulação de seu processo na última instância demonstrou a importância dos múltiplos níveis de revisão. Já Bolsonaro, em tese, terá a apreciação restrita ao colegiado de ministros do STF. Esta diferença gerou movimentos políticos, inclusive no Senado, onde projetos visam revisar o foro privilegiado, como a PEC 333/2017, que busca levar processos contra ex-presidentes para a primeira instância.

## A Controversa Questão: Primeira Turma ou Plenário?

Mesmo estando o julgamento de Bolsonaro no STF, surge outra controvérsia de competência interna: o caso deve ser julgado por uma das duas Turmas (cada uma com cinco ministros, precisando de três votos para condenação) ou pelo Plenário (com todos os 11 ministros, necessitando de seis votos para condenação)?

O julgamento de Bolsonaro foi atribuído à Primeira Turma, presidida pelo ministro Cristiano Zanin e composta por Cármen Lúcia, Flávio Dino, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Contudo, juristas como Renato Vieira, Mariane de Matos Aquino e Rafael Garcia Campos sustentam que o Regimento Interno do STF, em seu Artigo 5, estabelece a competência do Plenário para processar e julgar, originariamente em crimes comuns, o Presidente da República, além de outras autoridades como ministros do STF e o Procurador-Geral da República. O Artigo 9, por sua vez, atribui às Turmas o julgamento de deputados, senadores e seus ex-ocupantes.

Vieira aponta que houve uma interpretação confusa de emendas regimentais recentes que direcionaram o julgamento para a Primeira Turma, em uma tentativa de agilizar os processos. Ele argumenta que, embora a celeridade seja um objetivo válido, não deveria implicar em retirar a competência do Plenário, especialmente para um caso de tamanha magnitude. Campos reforça: “O regimento o trata como presidente da República. Ele está sendo considerado presidente da República – e isso atraiu o foro por prerrogativa de função. Se não fosse isso, ele nem estaria ali.”

Em contraste, Maíra Beauchamp Salomi argumenta que o julgamento na Primeira Turma é possível. Ela lembra que os casos conexos às ações penais originárias do 8 de janeiro – que já foram julgados pela Primeira Turma, incluindo financiadores e deputados – arrastaram o caso de Bolsonaro para a mesma via por conexão. Para ela, o relator, ministro Alexandre de Moraes, teria a prerrogativa de enviar o caso ao Plenário, mas optou por mantê-lo na Turma, decisão chancelada pelo colegiado. Salomi interpreta que o Artigo 5 do regimento não é taxativo sobre ex-presidentes serem julgados no Plenário, referindo-se apenas a presidentes em exercício.

## As Críticas da Defesa e a Possibilidade de Recurso

A defesa de Bolsonaro criticou publicamente o julgamento na Primeira Turma, que é composta por quatro ministros indicados por presidentes do Partido dos Trabalhadores (Cármen Lúcia, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Flávio Dino, sendo os dois últimos indicados por Lula, Zanin como advogado e Dino como ministro), além do ministro Alexandre de Moraes. Bolsonaro e seus apoiadores referem-se a esse foro como “carimbado”, levantando dúvidas sobre a imparcialidade do processo. Os dois ministros indicados por Bolsonaro, Nunes Marques e André Mendonça, estão na outra turma e só participariam de um julgamento no Plenário.

Campos, no entanto, minimiza a ideia de que indicações políticas garantam um alinhamento eterno dos ministros, citando casos passados de ministros que votaram contra o governo que os indicou. Ele também aponta que os próprios ataques a membros da Corte, muitas vezes sem base sólida, acabam fortalecendo a coesão interna dos ministros do STF em torno das decisões institucionais.

Caso Jair Bolsonaro seja condenado pela Primeira Turma do STF, ele ainda pode ter algumas possibilidades de recurso. A principal seria através dos “embargos infringentes”, um mecanismo aplicável quando há uma maioria estreita para a condenação (por exemplo, 3 votos a 2 na Turma). Nesses casos, a defesa pode solicitar os embargos, e o julgamento é levado ao Plenário da Corte, reiniciando o processo com a participação dos 11 ministros. Embora não mude a instância, essa ferramenta oferece uma nova chance ao réu.

📌 Confira também: artigo especial sobre redatorprofissiona

Outra via, mais remota segundo os juristas, é o habeas corpus, que questionaria prisões abusivas ou infundadas. Contudo, a Súmula 606 do STF dificulta este caminho, estipulando que não cabe habeas corpus contra ato de ministro da própria Corte. Em caso de condenação e esgotamento das vias recursais nacionais, a alternativa seria recorrer a organismos internacionais.

## A Estabilidade Jurídica e o Cenário Político-Institucional

A divergência entre juristas sobre as questões de competência levanta a dúvida sobre uma possível contestação futura das decisões tomadas no julgamento de Bolsonaro, ou mesmo sua anulação, como ocorreu no caso de Lula. Maíra Salomi considera essa possibilidade, destacando a “instabilidade” da jurisprudência brasileira, em especial da Suprema Corte, que pode alterar interpretações de dispositivos legais e constitucionais ao longo do tempo ou com diferentes composições. Contudo, por se tratar de uma decisão da mais alta corte, uma revisão profunda se torna mais desafiadora.

Os especialistas ouvidos ressaltam as condições excepcionais do julgamento, em um contexto de ataques institucionais à Justiça brasileira, tanto por atores políticos nacionais quanto estrangeiros. Esse cenário delicado exige que o STF proceda de maneira cautelosa e adequada, sem desviar dos ritos, mas também firme diante das pressões externas e internas. Segundo Salomi, apesar das críticas pontuais, “O Supremo mais acertou do que errou. Temos que ter uma visão um pouco sistêmica”, reconhecendo a necessidade de a Corte manter-se resiliente e coesa para assegurar a estabilidade institucional.

Com informações de BBC News Brasil

Julgamento de Bolsonaro no STF: Entenda a Competência da Primeira Turma e o Foro Privilegiado - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com


Links Externos

🔗 Links Úteis

Recursos externos recomendados

Deixe um comentário

Share via
Share via