📚 Continue Lendo
Mais artigos do nosso blog
O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou, nesta terça-feira (2/9), o julgamento de oito réus acusados de orquestrar uma tentativa de golpe de Estado. Entre os alvos do processo, conduzido pela Primeira Turma da Corte, estão o ex-presidente Jair Bolsonaro e o general Braga Netto, que foi ministro da Casa Civil. Além de refutarem veementemente as acusações de articulação golpista, as defesas dos acusados levantaram severas críticas à condução do inquérito pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso. Os argumentos dos advogados apontam para uma série de supostos abusos e irregularidades na instrução processual, pedindo a anulação de atos cruciais.
Um dos pilares das contestações é a validade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Cid fechou um acordo de colaboração com a Justiça em troca de uma eventual redução da pena. Sua colaboração foi instrumental para as investigações, fornecendo subsídios para a construção das acusações contra os demais sete réus. Contudo, as defesas argumentam que o depoimento de Cid apresenta inconsistências e foi obtido sob pressão, chegando o delator a ser ameaçado de prisão em diferentes momentos durante os interrogatórios conduzidos por Moraes. Eles solicitam a anulação integral do acordo de delação premiada, fundamental para o prosseguimento do caso.
👉 Leia também: Guia completo de Noticia
Em resposta, o ministro Alexandre de Moraes manteve a validade do acordo, uma posição que obteve o respaldo da Primeira Turma do STF durante a fase de abertura do processo, em março deste ano. Apesar da validação inicial, a questão referente à credibilidade e regularidade da delação de Mauro Cid permanece como um dos pontos nevrálgicos e pode ser revisitada e reanalisada ao longo do julgamento. A extensão da validade, assim como as nuances de cada depoimento do ex-ajudante de ordens, constituem elementos centrais das alegações das defesas. A argumentação dos réus focada nos procedimentos e métodos aplicados no desenrolar do inquérito busca desqualificar as evidências apresentadas contra eles.
**Queixas das Defesas e Respostas do Ministro Alexandre de Moraes**
As objeções das defesas não se limitam à delação premiada. Há extensas reclamações sobre a celeridade com que o processo tem sido conduzido. O ex-presidente Bolsonaro chegou a sugerir que a rapidez na tramitação do caso seria motivada por razões políticas. A defesa de Bolsonaro, juntamente com a de Braga Netto, alega que houve prejuízo irreparável devido à escassez de tempo concedido para uma análise exaustiva do volume colossal de material probatório gerado pela investigação. Tal aceleração processual teria impedido o pleno exercício do direito à defesa.
Adicionalmente, os advogados também tecem críticas quanto a supostos “excessos” na decretação e manutenção de prisões preventivas. Segundo a linha de defesa, estas medidas teriam ocorrido de forma desproporcional antes mesmo do início do julgamento. No momento atual, Bolsonaro aguarda o julgamento em prisão domiciliar em sua residência, medida imposta desde o início de agosto, enquanto Braga Netto está sob custódia em instalações militares do Exército, no Rio de Janeiro, desde dezembro do ano passado. Os esforços das defesas para reverter a prisão de Braga Netto para domiciliar, alegando tratamento diferenciado em relação a Bolsonaro, foram recusados por Moraes.
A seguir, uma explanação mais detalhada dos principais pontos levantados pelas defesas, as ponderações de Alexandre de Moraes e as opiniões de especialistas jurídicos:
Delação Premiada de Mauro Cid Sob Escrutínio
As defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro e do general Braga Netto sustentam que a colaboração premiada de Mauro Cid foi resultado de intensa pressão, levando-o a, possivelmente, fabricar acusações para obter vantagens processuais. A forma como os depoimentos do delator foram conduzidos por Alexandre de Moraes é objeto de forte questionamento. A colaboração de Cid teve início após sua prisão em maio de 2023, decorrente de uma operação que investigava a falsificação de cartões de vacinação envolvendo Bolsonaro, seus familiares e assessores próximos. Após a homologação de sua delação, em setembro do mesmo ano, Cid foi libertado.
No teor do acordo, o ex-ajudante de ordens comprometeu-se a revelar pormenores de supostos crimes praticados pelo ex-presidente e por outros membros de sua administração, visando uma redução significativa de suas próprias penas. Desse modo, Mauro Cid se tornou um dos eixos centrais no processo sobre a alegada tentativa de golpe de Estado. O próprio Cid é um dos oito réus indiciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como integrante do “núcleo crucial” que supostamente concebeu e planejou a ruptura democrática, ao lado de Jair Bolsonaro e Walter Braga Netto. Integram este grupo ainda outros generais de alta patente, como Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional) e Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), além de Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin) e o almirante Almir Garnier Santos (ex-comandante da Marinha).
Em março de 2024, o acordo de colaboração esteve em risco de colapso, resultando em uma nova prisão do militar, desta vez por obstrução de Justiça e pelo alegado descumprimento de medidas cautelares. O pano de fundo para essa segunda prisão foi o vazamento, pela revista Veja, de áudios em que Cid expressava sentir-se coagido pela Polícia Federal (PF) a delatar os envolvidos na suposta trama golpista. Após ser interrogado novamente por Alexandre de Moraes, ele readquiriu o direito à liberdade provisória, após ter se retratado de suas declarações. Em novembro, mais uma vez a continuidade da colaboração de Cid foi ameaçada. Isso ocorreu quando o tenente-coronel foi novamente convocado para depor, após a PF apresentar um relatório que indicava que ele havia omitido informações cruciais durante seus depoimentos iniciais. Em particular, a PF detalhou um plano denominado “Punhal Verde e Amarelo”, que teria como objetivo o assassinato, no final de 2022, do então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), e o próprio ministro Alexandre de Moraes.
Diante dos novos fatos, Moraes convocou Mauro Cid para um novo depoimento, enfatizando que aquela seria sua “última chance” de falar a verdade integralmente, com a advertência de uma nova prisão em caso de omissão de fatos. Na ocasião, Cid revelou ter recebido uma caixa de vinho contendo dinheiro de Braga Netto no Palácio da Alvorada, quantia que, segundo ele, seria destinada a financiar a operação “Punhal Verde e Amarelo”. Ele teria repassado o pacote ao major Rafael Martins de Oliveira, que também é réu em outra ação penal relacionada à suposta tentativa de golpe. Contudo, ao ser interrogado posteriormente, em junho de 2025, o delator afirmou não ter tido conhecimento do plano de assassinato à época, nem da finalidade do dinheiro, justificando assim sua omissão anterior.
Contestação da Credibilidade do Delator
Jair Bolsonaro e os demais réus negam veementemente a existência de qualquer plano para assassinar Lula, Alckmin e Moraes. Eles alegam que Mauro Cid inventou tal história para evitar uma nova prisão e obter benefícios em sua delação. Braga Netto, por sua vez, refutou a acusação sobre a entrega do dinheiro. Nas alegações finais apresentadas no processo, a defesa do ex-presidente exige a anulação da delação de Cid, categorizando-o como um “delator sem credibilidade”. A defesa de Bolsonaro também questiona o fato de a PGR ter reconhecido, em suas próprias alegações finais, que o ex-ajudante de ordens teria omitido fatos graves, sido ambíguo e adotado uma narrativa seletiva em seus depoimentos, mas ainda assim solicitar a manutenção do acordo de delação e a aplicação da redução de pena prevista.
“É a primeira vez na história que se vê o requerimento para a aceitação parcial de uma delação. Fala-se em omissões e ambiguidades, mas insiste-se em aproveitar parte da delação e premiar o colaborador”, expressa a defesa de Bolsonaro em seu documento.
A defesa argumenta que Cid “mentiu e o fez reiteradas vezes”, e que ele próprio teria violado os termos de seu acordo de colaboração com a Justiça ao manter conversas em um perfil de terceiro na rede social Instagram, configurando um descumprimento do pacto estabelecido com a Procuradoria. Mauro Cid, em suas alegações finais, defendeu a voluntariedade e validade de seu acordo:
“Impõe que o Estado honre sua parte no acordo, especialmente quando a colaboração foi efetiva, eficaz, voluntária e colocada em risco por pressões externas e coações indiretas.”
Em março, quando a Primeira Turma do STF aprovou a abertura do processo contra os oito réus, a decisão de Alexandre de Moraes pela manutenção da delação foi acompanhada pelos outros quatro ministros da Turma: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Naquela ocasião, Moraes declarou que o colaborador, na presença de seus advogados, reiterou a voluntariedade e regularidade da delação premiada. No entanto, o ministro Luiz Fux manifestou reservas e indicou que a validade da delação poderia ser novamente analisada no momento oportuno, ao final do processo.
“Nesse momento, não é o momento próprio”, afirmou Fux em março, acrescentando: “Vejo com muita reserva 9 delações de um mesmo colaborador, cada hora acrescentando uma novidade. Mas me reservo a analisar ilegalidade ou ineficácia dessa delação no momento específico”.
Críticas à Celeridade do Processo e Alegação de Cerceamento de Defesa
A Primeira Turma do STF iniciou o julgamento de Bolsonaro e dos demais sete réus em um período inferior a seis meses desde a instauração do processo, ocorrida em 26 de março do ano em curso. As defesas contestam vigorosamente a velocidade imposta ao caso e a recusa de Moraes em acatar os diversos pedidos de prazos adicionais que foram solicitados ao longo da fase de instrução processual. Os advogados dos réus argumentam que o tempo concedido foi insuficiente para que pudessem realizar uma análise completa de todo o vasto material produzido pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República durante a investigação. Em virtude disso, alegam ter sofrido cerceamento de defesa e solicitam a anulação de todo o processo judicial.
Volume de Evidências e o Curto Prazo
Nas alegações finais que apresentou no processo, a defesa de Walter Braga Netto destaca que somente em 17 de maio a Polícia Federal disponibilizou o conteúdo integral das investigações. Para agravar a situação, este material foi posteriormente adensado com novas informações em junho e julho. De acordo com os técnicos consultados pela defesa do general, a integralidade do material atingia cerca de 80 terabytes, exigindo um prazo de, no mínimo, 45 dias apenas para que os arquivos fossem baixados e descomprimidos. Isto significa que, segundo os advogados de Braga Netto, o acesso completo e funcional à investigação só seria efetivamente possível em julho, momento em que o processo já se encontrava na etapa de apresentação das alegações finais, consolidando-se a suposta violação ao devido processo legal.
“Uma análise minuciosa, como demanda o exercício do contraditório, em prazo tão curto, desde quando todo o material foi fornecido, é tarefa inexequível”, argumentou a defesa de Braga Netto em suas alegações.
Ainda segundo a defesa do general, o volume de 80 terabytes seria equivalente a uma montanha de 44 bilhões de páginas de documentos e dados. Esta comparação, apesar de ilustrativa, minimiza a real complexidade do material. Os dados em questão não consistem apenas em textos simples, mas englobam variados tipos de arquivos que, para uma análise aprofundada, exigiriam processamento especializado e indexação, inclusive com a utilização de plataformas de revisão capazes de processar dezenas de terabytes com total segurança, eficiência e conformidade jurídica, segundo a argumentação.
A defesa de Bolsonaro apresentou queixas similares em suas alegações finais. Os advogados apontam que diversos pedidos de prazos adicionais foram negados por Moraes, e ainda criticam o fato de que os recursos apresentados contra estas decisões do ministro não foram submetidos por ele à análise da restante composição da Primeira Turma. Um dos pleitos negados pela Corte aconteceu quando a defesa requisitou o adiamento dos interrogatórios das testemunhas, programado para 19 de maio, pouco depois de a PGR ter disponibilizado um vasto conteúdo investigativo em 17 de maio.
“Assim, o fornecimento do material às vésperas da audiência e enquanto estas já ocorriam, a passo rápido, não é mero acidente. Serviram como meio efetivo e eficaz de cercear o exercício da defesa”, afirmam os advogados nas alegações finais de Bolsonaro.
Na ocasião específica, Moraes indeferiu o pedido de adiamento, argumentando que o acesso à íntegra da investigação não alterava a substância da denúncia formalizada pela PGR em fevereiro.
“A disponibilização desse material, entretanto, em nada alterou os fatos imputados na acusação, consubstanciada na denúncia oferecida pelo Ministério Público e o conjunto probatório em que foi baseada e que, em um primeiro momento foram analisados pelo Poder Judiciário em sessão de recebimento da denúncia e cuja instrução probatória terá início com a audiência para oitiva das testemunhas indicadas”, detalhou o ministro em sua decisão.

Imagem: bbc.com
A criminalista Marina Coelho Araújo, professora do Insper e vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, observou que a tramitação dos processos criminais no Brasil tem apresentado uma aceleração nos últimos anos. Esse fenômeno é atribuído a dois fatores principais: o amadurecimento das reformas no rito processual ocorridas em 2008 e os impactos da pandemia da covid-19, que impulsionaram a adoção de procedimentos virtuais e mais ágeis. Contudo, Araújo manifestou uma percepção de que houve “açodamento” no desenrolar do processo contra Jair Bolsonaro.
“Acredito que os processos estão mais céleres, sim, mas penso que no caso em questão houve açodamento. Não é só ser rápido. Tem muita informação e muita coisa que não teve sequer tempo de ser analisada [pela defesa]”, criticou a especialista.
Acusações de Prisões Abusivas
Jair Bolsonaro e Braga Netto também acusam Alexandre de Moraes de exceder seus poderes nas decretações de prisões antes do início do julgamento. O ex-presidente, atualmente detido em sua residência em Brasília sob o regime de prisão domiciliar, é acusado de ter articulado, junto com seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL), ações com o governo de Donald Trump nos Estados Unidos. O objetivo seria a interferência nas políticas brasileiras e no processo judicial. Tal articulação, que envolveu Trump aplicando sanções a exportações brasileiras e buscando aplicar a Lei Magnitsky contra Moraes e outros ministros do STF, foi interpretada como crime de obstrução de Justiça, na tentativa de impedir o julgamento de seu aliado político.
Para o criminalista Maurício Dieter, que atua como professor na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), a atuação da família Bolsonaro na tentativa de interferir no processo com apoio norte-americano criou as condições para que o ministro Alexandre de Moraes adotasse medidas mais rigorosas, como a prisão domiciliar.
“A partir do momento em que Eduardo Bolsonaro sai do país para conspirar contra os interesses nacionais, ele acaba legitimando qualquer excesso que possa ser atribuído ao ministro Alexandre”, avaliou Dieter em sua análise sobre o caso.
Braga Netto e a Duração da Prisão Preventiva
No caso do general Walter Braga Netto, que permanece em prisão preventiva desde dezembro passado sob a acusação de tentar atrapalhar as investigações, a defesa nega categoricamente que o réu tenha agido para obstruir a Justiça. Os advogados questionam a duração da medida cautelar, uma vez que a prisão foi mantida mesmo após a fase de instrução processual – período no qual a acusação e a defesa produzem e apresentam suas respectivas provas.
A defesa de Braga Netto também tentou, a partir de julho, reverter a prisão preventiva em medidas cautelares mais brandas, como o uso de tornozeleira eletrônica ou a concessão de prisão domiciliar. A argumentação dos advogados era de que o general não deveria receber um tratamento mais severo em comparação com Jair Bolsonaro. No entanto, esse pedido foi categoricamente recusado por Alexandre de Moraes, sem que sequer fosse submetido à análise e votação da Primeira Turma do STF, decisão que a defesa considera questionável.
📌 Confira também: artigo especial sobre redatorprofissiona
“Ressalto que estão presentes os requisitos do art. 312 [do Código de Processo Penal] em relação a Walter Souza Braga Netto, o que justifica a manutenção da custódia cautelar para assegurar a aplicação da lei penal e resguardar a ordem pública, em face do perigo gerado pelo estado de liberdade do custodiado e dos fortes indícios da gravidade concreta dos delitos imputados”, afirmou Moraes em sua decisão, sustentando a manutenção da prisão.
A constitucionalista Ana Laura Barbosa, professora de Direito da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), pontua que os eventuais excessos que Moraes possa ter cometido na decretação de prisões preventivas se alinham a um padrão frequentemente observado no sistema judiciário brasileiro.
“Eu acho importante mencionar que excessos em prisão preventiva no Brasil não são novidade”, observou a especialista. Ela complementou sua análise: “Boa parte das pessoas que estão no sistema carcerário hoje estão presas preventivamente, e eu também considero que essas prisões são excessivas, que os indivíduos deveriam responder em liberdade”.
A tônica do julgamento que se inicia recairá, portanto, não apenas sobre as acusações de tentativa de golpe, mas também sobre a regularidade e a conformidade dos procedimentos que guiaram a investigação, o que certamente adicionará camadas de complexidade e debates jurídicos intensos nos próximos dias.
Com informações de BBC News Brasil
Recomendo
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados