📚 Continue Lendo
Mais artigos do nosso blog
Um julgamento de grande repercussão para a política nacional tem seu início nesta terça-feira, 2 de setembro, com o objetivo de determinar o futuro do ex-presidente Jair Bolsonaro. Atualmente em prisão domiciliar, Bolsonaro é um dos oito indivíduos indiciados pela participação em uma suposta tentativa de golpe de Estado, que visava subverter os resultados das eleições de 2022. As eleições foram vencidas pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), configurando um cenário de alta complexidade jurídica e política para a Suprema Corte brasileira.
A fase processual de instrução, responsável pela coleta e análise de depoimentos de testemunhas, interrogatórios, vasta documentação e detalhadas perícias, foi concluída após quase dez meses desde o indiciamento inicial dos acusados. Essa etapa foi fundamental para consolidar o conjunto de provas que agora será submetido à apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF). A partir de agora, o destino do grupo que os investigadores identificam como o “núcleo central” de uma possível organização para impedir a posse de Lula repousa nas mãos de cinco ministros que compõem a Primeira Turma do STF.
👉 Leia também: Guia completo de Noticia
O significado histórico deste processo não se restringe apenas ao fato de ter um ex-chefe de Estado no banco dos réus. Para o advogado Álvaro Jorge, que também é professor da FGV Direito Rio, o ponto mais relevante e inédito é a presença de militares de alta patente, ou seja, generais, enfrentando o julgamento por tal acusação. A importância do caso é corroborada pelo professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gustavo Sampaio. Ele ressalta que a história do Brasil é marcada por diversas narrativas de golpes e tentativas, mas esta se destaca como a primeira ocasião em que generais serão julgados por um esforço de abolição do Estado de Direito, fato que, por si só, já dimensiona a natureza histórica deste julgamento. Ambos os especialistas indicam que o veredicto final perpassará intensos debates sobre a prevalência da tese da acusação e a adequação da tipificação penal proposta, questionamentos que certamente pautarão as discussões internas do colegiado.
A apreciação dos votos pelos ministros da Primeira Turma seguirá uma ordem protocolar estabelecida pelo rito do Tribunal. A abertura da votação é prerrogativa do ministro Alexandre de Moraes, responsável pela relatoria do caso, cujo voto serve de base para os demais. Em seguida, os ministros se pronunciarão em uma sequência determinada pela data de sua entrada na Suprema Corte, culminando no magistrado com mais tempo de casa, embora no presente julgamento o último a votar seja o ministro Cristiano Zanin, que detém a presidência do colegiado e, por essa razão, vota por último. Embora haja uma presunção constitucional de que todos os magistrados atuarão com a devida imparcialidade e neutralidade, guiados pelo devido processo legal, Gustavo Sampaio pontua que a dimensão humana e as experiências individuais de cada um, inevitavelmente, influenciam suas perspectivas no processo de tomada de decisão, o que é natural para qualquer indivíduo envolvido em um contexto complexo como este.
Alexandre de Moraes: Relator em Foco
O ministro Alexandre de Moraes, desde sua ascensão à Suprema Corte em 2017 por indicação de Michel Temer, para ocupar a vaga antes pertencente a Teori Zavascki, tem se estabelecido como uma das personalidades mais proeminentes e mediáticas do judiciário brasileiro. Sua trajetória profissional começou no Ministério Público de São Paulo, onde atuou como promotor. Posteriormente, engajou-se na vida pública, ocupando postos estratégicos como Secretário de Justiça e Defesa da Cidadania e Secretário de Segurança Pública no governo de Geraldo Alckmin, entre janeiro de 2002 e maio de 2005 na pasta da Justiça, e de janeiro de 2015 a maio de 2016 na Segurança Pública. Em 2016, sua experiência no executivo culminou na nomeação para o Ministério da Justiça no governo Temer.
Ao ingressar no STF, Moraes era inicialmente associado a uma vertente conservadora em pautas relacionadas a costumes, tendo publicamente manifestado oposição ao aborto e à eutanásia. Embora contrário à redução da maioridade penal, defendia penas mais severas para crimes graves cometidos por jovens. Entretanto, nos últimos anos, o ministro passou por uma redefinição de sua imagem, consolidando-se como um fervoroso defensor do regime democrático em face do avanço do bolsonarismo, o que lhe granjeou apoio e simpatia por parte de setores progressistas da sociedade.
Como relator de inquéritos de grande visibilidade, incluindo o das fake news, o das milícias digitais e, mais recentemente, o que investiga os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, o ministro concentrou dezenas de processos que miraram diretamente apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Em 2022, uma de suas decisões que gerou questionamentos sobre possíveis excessos foi a autorização de busca e apreensão contra empresários que trocavam mensagens privadas, expressando ideias em defesa de um golpe. No entanto, essas determinações acabaram sendo confirmadas pela maioria dos membros da Corte, reforçando sua posição.
Sua atuação à frente do Supremo Tribunal Federal e, em outro momento, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o colocou em rota de colisão com as gigantes plataformas de redes sociais, particularmente o X (anteriormente Twitter). Em 2024, Moraes impôs multas de valores milionários e ordenou o bloqueio de contas associadas a Elon Musk, proprietário do X, que publicamente o descreveu como “ditador”. A resposta do ministro foi a intensificação de ordens de restrição, chegando até mesmo ao bloqueio de VPNs, o que expandiu a dimensão do embate para o cenário internacional e atraiu significativa atenção midiática global.
A imprensa internacional acompanhou de perto as ações do ministro. O jornal norte-americano The Washington Post o retratou como “um juiz que nunca recua”, agindo como “xerife da democracia” e apontando que seus métodos contribuíram para ampliar sua influência à frente de investigações de alta sensibilidade. Já a revista New Yorker o descreveu como um magistrado poderoso, mas que está “testando os limites de sua autoridade” em uma cruzada contra a direita radical digital ao redor do mundo. Em outro momento, a revista The Economist sublinhou a postura “draconiana” de Moraes no conflito com Musk, porém, enfatizou sua coragem ao confrontar “o homem mais rico do mundo”.
No final do mês de julho, o governo dos Estados Unidos incluiu o ministro Moraes na lista de sanções da Lei Magnitsky. Essa medida resultou no congelamento de seus bens, na proibição de viagens e na restrição de seu acesso a serviços financeiros e tecnológicos, sob a alegação de abusos em decisões ligadas à liberdade de expressão. Tais sanções provocaram imediata solidariedade pública do presidente Lula e do próprio STF, que classificaram as ações como uma indevida ingerência externa sobre o Poder Judiciário brasileiro. Internamente, o episódio fortaleceu a imagem de Moraes como alvo de forças influentes, mas também amplificou a percepção de que o ministro havia acumulado uma parcela de poder demasiada para um único membro da magistratura.
Em 2024, mensagens divulgadas pelo jornal Folha de S.Paulo geraram dúvidas ao sugerir que assessores de Moraes teriam solicitado, informalmente, relatórios ao TSE no decorrer de investigações, sem observar os trâmites oficiais. Em resposta, o ministro declarou que a prática era legal, visto que ele presidia o tribunal à época. Esse acontecimento, no entanto, realimentou as críticas em torno da alegada “pescaria de provas” que caracterizaria suas investigações. Moraes também foi alvo direto de ameaças. As investigações da Polícia Federal revelaram que o ministro estava sendo monitorado por aliados de Bolsonaro, como parte de um plano golpista para afastá-lo do cargo. Essa conexão direta com o processo que investiga a tentativa de golpe de Estado, da qual ele próprio foi um dos potenciais alvos, levantou questionamentos sobre sua imparcialidade como relator do caso. Contudo, o STF optou por manter o ministro na condução do processo, com o entendimento de que a vítima em questão era o Estado democrático de direito como um todo, e não o ministro de forma isolada. Alexandre de Moraes foi responsável por centralizar os principais desdobramentos processuais, desde a autorização de buscas até prisões preventivas e domiciliares, como a que incidiu sobre o ex-presidente Bolsonaro. Ao longo de todo o julgamento, o ministro manteve uma postura rigorosa e firme.
Flávio Dino: Da Política à Toga
Flávio Dino assumiu sua posição no Supremo Tribunal Federal em fevereiro de 2024, após ser indicado pelo presidente Lula para preencher a vaga que se tornou disponível com a aposentadoria da ministra Rosa Weber. A nomeação consolidou uma notável aproximação entre o presidente e Dino, que anteriormente havia ocupado a pasta do Ministério da Justiça e Segurança Pública, onde se destacou de forma significativa na coordenação da resposta institucional aos violentos ataques ocorridos em 8 de janeiro de 2023. A sua aprovação pelo Senado Federal foi um processo disputado, sendo obtida com margem apertada, reflexo das tensões políticas que permearam o período de sua indicação.
A trajetória de Dino é singular e abrange os três Poderes da República. Antes de alcançar a Suprema Corte, ele exerceu a magistratura federal por mais de uma década, chegando inclusive a presidir a Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE). Sua passagem para a vida política foi marcada pela eleição como deputado federal, seguida pela gestão da Embratur, pela administração do estado do Maranhão por dois mandatos consecutivos e, mais recentemente, pela atuação como senador da República. Na esfera política, Dino construiu uma reputação de orador combativo e presença marcante, cujo estilo direto, muitas vezes temperado por um toque irônico, o tornou popular nas redes sociais, embora também alvo de intensas críticas por parte de seus adversários bolsonaristas. Levantamentos realizados pela Quaest o apontaram como o segundo ministro mais popular do governo, atrás apenas de Fernando Haddad.
Durante sua gestão no governo Lula, Flávio Dino teve um papel crucial ao protagonizar a resposta institucional robusta aos atos golpistas de 8 de janeiro. Sua performance neste período fortaleceu não apenas sua relação com Alexandre de Moraes, mas também angariou o apoio de outros ministros influentes da Corte, como Gilmar Mendes. Apesar disso, sua indicação gerou controvérsias em virtude da ausência de representatividade de gênero e racial na composição da mais alta instância do judiciário, questão frequentemente debatida nos espaços de discussões públicas.
No que tange às pautas penais, diversos juristas especulam que o ministro Dino poderá adotar uma postura punitivista. Tal expectativa contrasta com a que alguns haviam nutrido de que o presidente Lula indicaria um perfil mais garantista para a Corte, em função das repercussões e “traumas” deixados pela Operação Lava Jato. Ainda em sua passagem pelo Ministério da Justiça, Dino chegou a propor ao Congresso Nacional um pacote de leis com o objetivo de endurecer as penas para crimes perpetrados contra o Estado Democrático de Direito, uma medida que gerou considerável controvérsia entre especialistas da área jurídica. Esse histórico alimenta a percepção de que sua atuação no STF poderia ser marcada por uma abordagem de “mão pesada” nas decisões de crimes mais graves, especialmente contra o Estado.
No plano econômico, dada sua formação prévia como advogado trabalhista, há uma percepção de que Dino se alinha a posicionamentos de centro-esquerda, com ideias mais próximas às defendidas pelo Partido dos Trabalhadores e pelo próprio presidente Lula, embora sem manifestar hostilidade a investimentos privados. Analistas, contudo, enfatizam que, durante seu período como governador, Dino demonstrou ser um gestor pragmático, apto a atrair parcerias com o setor privado, mas sem abrir mão da posição do Estado como um agente protagonista no desenvolvimento. Nas pautas de costumes, Dino já tornou pública sua posição pessoal contra o aborto, mas reconhece o tema como uma importante questão de saúde pública. De igual modo, posiciona-se contra o consumo de drogas, mas critica a criminalização como uma medida ineficaz e injusta, que afeta desproporcionalmente jovens negros e de baixa renda. Essas nuances sugerem que, mesmo sendo considerado progressista em certos aspectos, sua abordagem poderá ser marcada por cautela em julgamentos de alta sensibilidade, visando evitar maiores fricções com o Congresso Nacional.
Flávio Dino também emitiu um comunicado explícito sobre a possível aplicação da Lei Magnitsky no contexto brasileiro. Após seu colega Alexandre de Moraes ser alvo de sanções por parte do governo americano, o ministro sinalizou a possibilidade de empresas serem responsabilizadas e punidas no Brasil caso venham a aplicar sanções contra Moraes, em decorrência de determinações advindas do governo norte-americano de Donald Trump. Essa ponderação surgiu durante a análise de uma ação no STF que questiona um processo movido na Inglaterra contra as mineradoras Vale e BHP, por vítimas do trágico rompimento da barragem de Mariana, em Minas Gerais, no ano de 2015.
Analisando o perfil de Dino, Gustavo Sampaio descreve o ministro como um “homem que começou na vida judicial, passado pela vida política e voltou ao magistrado”, o que, em sua visão, é uma trajetória que inevitavelmente lhe confere um pendor político e discursivo, bem como opiniões políticas “muito bem consolidadas”. Para Sampaio, diferente de outros magistrados, Dino não apresenta um perfil de autocontenção, mas é abertamente apegado à “afirmação das instituições democráticas” e possui uma “preocupação externalizada com a defesa intransigente do Estado Democrático de Direito”, características que o levam a crer que Flávio Dino será “muito rigoroso na aplicação de penas por crimes contra a democracia.” Em março, quando o STF acolheu a denúncia tornando Bolsonaro réu pela tentativa de golpe, Dino categorizou a minimização do evento como “uma desonra à memória nacional” pelo simples fato de não ter havido mortos de imediato. Como segundo ministro a proferir seu voto, Flávio Dino seguiu o posicionamento do relator Alexandre de Moraes, defendendo a aceitação da denúncia. Argumentou com firmeza para refutar as narrativas que buscavam relativizar a gravidade da tentativa golpista. “Se diz também: ‘Ah…mas não morreu ninguém’. No dia 1º de abril de 1964 [dia do golpe que iniciou a ditadura militar] também não morreu ninguém. Mas centenas e milhares morreram depois. Golpe de Estado mata. Não importa se isto é no dia, no mês seguinte ou alguns anos depois”, pontuou o ministro, destacando a natureza violenta e prolongada das consequências de rupturas democráticas.

Imagem: bbc.com
Luiz Fux: O Jurista Processualista em Novas Direções
O ministro Luiz Fux, que ascendeu à Suprema Corte em 2011, por indicação da então presidente Dilma Rousseff, iniciou sua vida pública nos anos 1970, como promotor de Justiça no Rio de Janeiro. Sua transição para a magistratura ocorreu em 1983. Sua vasta experiência abrangeu atuações no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Além de sua carreira judiciária, Fux é reconhecido por sua profunda veia acadêmica, sendo professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e um proeminente acadêmico na área do Direito Processual, em que é autor de diversos trabalhos e referências na academia e em tribunais.
Em fases anteriores de sua atuação na Corte, o ministro Luiz Fux era frequentemente tido como um dos membros mais “punitivistas” do tribunal. Era conhecido por sua firmeza e rigor nas decisões, especialmente durante o julgamento do “Mensalão” e, posteriormente, por seu apoio irrestrito às decisões oriundas da Operação Lava Jato. Por exemplo, ele defendeu de forma enfática a execução da prisão em segunda instância antes que todos os recursos processuais fossem exauridos, uma posição que teve impacto direto em casos de grande projeção nacional, como o do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2019, o vazamento de conversas pelo site The Intercept Brasil, envolvendo procuradores e juízes da Operação Lava Jato, tornou célebre uma mensagem atribuída ao então juiz Sérgio Moro para o procurador Deltan Dallagnol: “In Fux we trust” (“Em Fux nós confiamos”, em tradução literal), frase que se tornou um símbolo de seu alinhamento com as ações da operação.
Contrariando parte de sua imagem construída ao longo dos anos, o ministro Fux tem se posicionado, no julgamento referente à alegada trama golpista, como uma voz de contraponto ao relator Alexandre de Moraes, adotando posturas e decisões que indicam uma tendência mais moderada. Em março, ao apreciar as questões preliminares do caso, Fux expressou o entendimento de que a competência para julgar os acusados seria da primeira instância da Justiça comum. Caso o Supremo Tribunal Federal, de fato, tivesse essa atribuição, o ministro argumentou que a decisão deveria ser proferida pelo plenário completo da Corte, e não exclusivamente pela Primeira Turma – um argumento que também vinha sendo explorado pelas defesas dos réus.
O distanciamento de Fux em relação às teses majoritárias ficou ainda mais evidente na votação das medidas cautelares impostas por Moraes ao ex-presidente Bolsonaro. Naquela ocasião, Fux foi o único ministro a se manifestar contrariamente, defendendo que tais medidas restringiam de maneira “desproporcional direitos fundamentais”, como a liberdade de ir e vir, bem como a liberdade de expressão e comunicação, princípios basilares do direito individual. O ministro também demonstrou divergência em outro caso de notoriedade recente: o da cabeleireira Débora Rodrigues, que pichou a estátua “A Justiça”, localizada em frente ao STF. Enquanto Moraes fixou a pena em 14 anos, seguido por Dino e Cármen Lúcia, e Zanin propôs 11 anos, Fux defendeu uma redução drástica para 1 ano e 6 meses.
Sobre essa guinada em seu perfil, Gustavo Sampaio comenta sobre as “muitas especulações em relação ao que Fux decidirá”, ponderando que as decisões judiciais somente se tornam conhecidas “quando proferidas”. Contudo, Sampaio analisa que, se houver a concretização de uma tendência de Fux votar no sentido da absolvição ou em linha de abrandamento das penas, “parece haver uma certa contradição com a história desse ministro no STF.” Ele exemplifica, citando que “durante o julgamento daquelas ações e habeas corpus e recursos que decorriam da Operação Lava-Jato, o ministro, de fato, adotava uma postura punitivista, vigorosa, defensora da autoridade da lei penal, inflexível inclusive em relação a algumas garantias”. Por sua vez, Álvaro Jorge, professor da FGV, enfatiza que Fux demonstra uma tendência a divergir da linha predominante na turma ao realizar uma análise aprofundada das questões processuais, área que constitui sua expertise jurídica. “Há muitas discussões colocadas pelas defesas que são de natureza processual, o que abre muito espaço para um magistrado como o Fux buscar trazer uma visão diferente das que tem prevalecido até o momento na turma”, analisa Jorge. Ele ainda complementa, afirmando: “Acho que isso vai se revelar provavelmente no voto dele. Mas se você olhar o conjunto probatório, efetivamente tem espaço para uma divergência. E, por conta das suas manifestações em plenário, as pessoas criaram alguma expectativa de que ele pudesse vir a dar um voto muito diferente dos demais.” Luiz Fux, ao lado de André Mendonça e Nunes Marques – ambos indicados pelo ex-presidente Bolsonaro –, foi um dos poucos ministros do STF a ser poupado da retaliação do governo americano que, em julho, implementou a suspensão de vistos para outros oito membros da Suprema Corte brasileira.
Cármen Lúcia: A Voz Solitária Feminina na Corte
A ministra Cármen Lúcia ostenta o título de membro mais antiga da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, um marco em sua carreira iniciada em 2006, ao ser nomeada no término do primeiro mandato do presidente Lula. Sua trajetória a aproxima de duas décadas de serviço na Corte. Com a recente aposentadoria da ministra Rosa Weber, Cármen Lúcia passou a ser a única mulher presente no plenário da mais alta corte judiciária do país, um fato que ressalta o desequilíbrio de gênero na composição do Tribunal. A ministra já se pronunciou diversas vezes sobre a necessidade de questionar e corrigir as disparidades de gênero no ambiente judiciário. Em uma ocasião, durante uma sessão de 2017, quando sua então colega Rosa Weber foi interrompida por Fux, Cármen Lúcia assinalou que “em todos os tribunais constitucionais onde há mulheres, o número de vezes em que as mulheres são aparteadas (interrompidas) é 18 vezes maior do que entre os ministros”, ressaltando um dado relevante sobre a participação feminina nos debates.
Antes de integrar o STF, Cármen Lúcia construiu uma sólida carreira como procuradora do Estado de Minas Gerais e como respeitada professora de Direito Constitucional e Administrativo na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), onde atualmente ainda atua como professora titular. Sua formação é fortemente enraizada na advocacia pública e na defesa dos interesses do Estado. Diante desse background, o advogado Álvaro Jorge aponta que havia, inicialmente, uma expectativa de que a ministra adotaria um perfil mais “garantista” em suas decisões, em decorrência de sua experiência como defensora de teses estatais, cujo “papel era convencer juízes com teses de defesa do Estado”.
Contrariando essa expectativa inicial, Álvaro Jorge frisa que a ministra “nunca seguiu essa linha”. Em sua análise, “Cármen Lúcia nunca foi uma mulher garantista, superleve em aplicação de punições”. Pelo contrário, sua jornada na Corte revela uma “convicção de que atividades criminosas merecem respostas bastante contundentes do sistema judicial”, o que aponta para um perfil rigoroso na aplicação da lei penal. No decorrer de sua carreira, Cármen Lúcia exerceu, entre 13 e 14 de abril de 2018, as funções de Presidente da República do Brasil, na condição de Presidente interina do Supremo Tribunal Federal. Durante esse breve período à frente do Poder Executivo, assinou um decreto significativo instituindo o dia 2 de abril como o Dia Nacional da Consciência Sobre Autismo, demonstrando sensibilidade em pautas sociais.
Para o professor da FGV, a ministra é conhecida por intervir de forma categórica em julgamentos, particularmente quando se trata de questões que envolvem a vitimização da mulher. Além disso, ela dificilmente demonstra flexibilidade em temas relacionados à aplicação de penas no campo penal. Gustavo Sampaio, por sua vez, realça o perfil mais contido da ministra. “Ela tem uma tendência de autocontenção nas palavras”, observa, caracterizando-a como uma “juíza tradicionalmente rigorosa nos julgamentos, extremamente rigorosa e apegada à preservação da autoridade da lei penal.” Sampaio ainda complementa sua análise com uma projeção: “Como analista, faria uma aposta no rigor aplicativo da lei penal, mas de um modo silencioso. Eu acho que ela, numa atuação mais silenciosa, provavelmente será rigorosa também na aplicação da lei penal, caso se entenda ali que as provas são no sentido de que aquelas pessoas realmente cometeram aqueles crimes contra o Estado Democrático de Direito.”
Cristiano Zanin: O Mais Novo Membro e Presidente da Turma
Assumindo a presidência da Primeira Turma do STF e sendo o último a proferir seu voto no atual julgamento, o ministro Cristiano Zanin foi indicado ao Supremo em agosto de 2023 pelo presidente Lula. Antes de sua nomeação para a mais alta instância judicial do país, Zanin ganhou projeção nacional por ter sido o principal advogado de defesa do então ex-presidente petista nos processos derivados da Operação Lava Jato. Sua indicação para o STF foi amplamente interpretada como uma escolha pessoal do presidente e, à época, gerou questionamentos e críticas sobre um possível alinhamento político, dada sua atuação pregressa como defensor do então chefe do Executivo. Antes de assumir a defesa de Lula em 2013, o ministro não possuía experiência consolidada em direito penal. Formado em Direito pela PUC-SP, Zanin tinha sua especialidade focada em Direito Processual, com atuação proeminente em Direito Empresarial, envolvendo, em particular, litígios complexos e grandes processos de recuperação judicial.
Uma vez empossado no Supremo Tribunal Federal, Cristiano Zanin tem demonstrado empenho em construir uma imagem de independência. Seus votos e manifestações no plenário e nas turmas revelam um perfil que pode ser descrito como híbrido: ao mesmo tempo em que se posiciona de forma garantista em diversas matérias penais, ele tem se mostrado conservador em discussões relativas a temas de costumes e direitos sociais. Por exemplo, em decisões notáveis, o ministro votou contra a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal e, por questões de ordem processual, não acolheu a equiparação de ofensas direcionadas à comunidade LGBT+ ao crime de injúria racial. Essas posturas denotam uma atuação complexa e não facilmente classificável.
Especialistas observam a postura discreta e autocontida do ministro Zanin. Álvaro Jorge destaca que o novo membro da Corte tem evidenciado independência em seus julgamentos, inclusive em causas que apresentavam interesse direto da Presidência da República. “Especulações de que ele se alinharia de alguma forma aos interesses da Presidência, por ter sido indicado por Lula, acabaram não se concretizando. Ele se mostrou um juiz independente e, ao longo desse julgamento, demonstrou preocupações com o devido processo e os ritos formais”, analisa o professor, reiterando a objetividade nas decisões do ministro. De forma similar, Gustavo Sampaio percebe que Zanin tem assumido uma postura mais garantista e de menor exposição pública. “Ele não é um juiz que se exponha midiaticamente, que se pronuncie publicamente, que fale no átrio da razão democrática. Ele prefere guardar as suas convicções consigo, o que me parece condizente com as boas expectativas de um membro do Poder Judiciário”, afirma o jurista, endossando a conduta mais reservada do ministro.
No exercício de suas funções como presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin tem como incumbência primordial assegurar o bom e regular andamento do processo. Isso inclui zelar pela rigorosa observância do devido processo legal, garantir a manifestação equânime das partes envolvidas e assegurar que a produção das provas seja realizada nos momentos processuais oportunos e em conformidade com as regras estabelecidas pelo Código de Processo Penal e demais normas aplicáveis, demonstrando o compromisso com a justiça e a legalidade na condução dos trabalhos do colegiado.
📌 Confira também: artigo especial sobre redatorprofissiona
Com esses cinco ministros, cada um com sua singular trajetória e perfil jurídico, a Primeira Turma do STF avança no julgamento que decidirá não apenas o futuro jurídico do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas também dos demais sete réus implicados na acusação de tentativa de golpe de Estado. A análise minuciosa de cada prova, o embasamento nas discussões jurídicas e as nuances de interpretação de cada magistrado desenharão o desfecho de um dos capítulos mais impactantes da história política e judiciária recente do Brasil, consolidando um precedente de grande peso para a defesa do regime democrático e das instituições republicanas. Acompanha-se, com expectativa e rigor, o desenrolar das próximas etapas processuais.
Com informações de BBC News Brasil
Recomendo
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados