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O segundo dia do complexo **julgamento STF Bolsonaro**, focado na análise de um suposto golpe de Estado, foi marcado por fortes contestações direcionadas à conduta do ministro Alexandre de Moraes e por esforços das defesas para dissociar alguns réus das acusações imputadas ao ex-presidente. A sessão, ocorrida nesta quarta-feira (3/9), dedicou-se exclusivamente às explanações dos advogados, que apresentaram suas argumentações ao Supremo Tribunal Federal em Brasília.
As defesas alegaram prejuízos ao direito de defesa e classificaram a atuação de Moraes, relator do processo, como tendenciosa. Enquanto isso, o processo continua, buscando clarear os acontecimentos que sucederam a derrota nas eleições de 2022. Os oito réus, incluindo Jair Bolsonaro e o general Augusto Heleno, negam envolvimento em um plano para alterar o regime democrático.
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A Defesa de Bolsonaro: Inocência e a Sombra do Caso Dreyfus
A argumentação da defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro enfatizou a suposta inexistência de provas concretas que liguem seu cliente a atos violentos ou a planos para subverter a ordem democrática. O advogado Celso Vilardi negou veementemente qualquer participação de Bolsonaro em eventos como os ataques de 8 de janeiro de 2023, que resultaram na depredação das sedes dos Três Poderes. Da mesma forma, rechaçou o envolvimento do ex-presidente nos planos “Punhal Verde Amarelo” e “Copa 2022”, que, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), teriam como objetivo a eliminação física do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, de seu vice, Geraldo Alckmin, e do ministro Alexandre de Moraes.
Em sua fala, Vilardi foi taxativo: “Bolsonaro não tem absolutamente nada com Copa 2022, Punhal Verde e Amarelo e 8 de janeiro. Absolutamente nada.” Essa linha argumentativa busca desqualificar as acusações de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado, crimes que, conforme a legislação brasileira, demandam “emprego de violência ou grave ameaça”. A ausência de provas de tais atos de violência seria, para a defesa, fator crucial para afastar a condenação.
PGR e a Resposta às Alegações
Em contraponto, a PGR sustenta que Bolsonaro tinha plena ciência e autorizou a execução dos planos para assassinar autoridades. Como evidência, a acusação menciona que o plano “Punhal Verde Amarelo” teria sido impresso em 9 de novembro de 2022 no Palácio do Planalto, por ninguém menos que o general Mario Fernandes, então secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência, e subsequentemente levado ao Palácio da Alvorada, à época residência de Bolsonaro. A PGR ainda aponta que o ex-presidente incitou os eventos de 8 de janeiro e que a trama golpista já estaria em curso durante suas reuniões com os comandantes das Forças Armadas para discutir medidas de exceção, como a decretação de Estado de Defesa ou de Sítio.
Bolsonaro, por meio de seus advogados, reconhece a realização dessas reuniões, mas argumenta que as propostas estariam dentro dos limites constitucionais e que não foram levadas adiante. Seus defensores negam qualquer intenção golpista, apresentando, subsidiariamente, um argumento jurídico. Segundo o advogado Paulo Bueno, as reuniões poderiam ser enquadradas, no máximo, como “atos preparatórios” para crimes, o que, de acordo com o Código Penal brasileiro (artigo 15), não configura crime passível de condenação se houver desistência voluntária do início do delito. “A absolvição do presidente Bolsonaro é imperiosa para que não tenhamos a nossa versão do caso Dreyfus”, pontuou Bueno.
A Controvérsia da Comparação com o Caso Dreyfus
Um dos momentos mais notáveis da defesa de Bolsonaro foi a comparação de sua possível condenação com o famoso Caso Dreyfus. Alfred Dreyfus, militar judeu francês, foi injustamente condenado por traição em 1894, em um veredito que abalou as instituições francesas e a confiança na justiça do país, sendo posteriormente anulado em 1906. Para os advogados de Bolsonaro, a ausência de provas robustas contra o ex-presidente configuraria uma injustiça semelhante.
Essa comparação, entretanto, não passou despercebida. A historiadora Lilia Schwarcz criticou a analogia, ressaltando que o processo contra Bolsonaro é embasado em elementos de prova. Ela ainda diferencia a situação atual da vivenciada por Dreyfus, que foi alvo de preconceito e um pano de fundo social e político distinto, ao contrário de Bolsonaro, que não é visto como parte de um grupo social perseguido, o que torna a analogia imprecisa.
A Conduta de Alexandre de Moraes Sob o Olhar da Defesa de Heleno
A atuação do ministro Alexandre de Moraes no processo tornou-se um dos principais pontos de contestação, particularmente por parte da defesa do general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Bolsonaro. O advogado Matheus Milanez, representando Heleno, sugeriu que o ministro teria assumido uma postura de “juiz inquisidor”, uma conduta que contraria o modelo acusatório do sistema penal brasileiro, que pressupõe a imparcialidade do julgador.
Milanez apresentou números que, para a defesa, seriam prova dessa postura: Moraes teria feito 302 perguntas aos oito réus interrogados, enquanto a Procuradoria-Geral da República fez apenas 59. Um exemplo citado foi uma pergunta feita por Moraes sobre uma postagem em redes sociais da testemunha Waldo Manuel de Oliveira Assis, conteúdo que, segundo Milanez, não constava nos autos do processo. “Ou seja, nós temos uma postura ativa do ministro relator de investigar testemunhas. Por que o Ministério Público não fez isso? Qual o papel do juiz julgador? Ou é um juiz inquisidor?”, questionou o advogado, reforçando a crítica.
Juiz Inquisidor e o Pedido de Nulidade Processual
Com base nessa argumentação, a defesa de Heleno requereu a nulidade do processo, alegando que houve violação ao direito ao silêncio do general. Milanez destacou que Moraes registrou suas perguntas por escrito para o processo, mesmo diante da declaração de Heleno de que responderia apenas aos questionamentos de seu próprio advogado. Em contraste, a PGR não registrou suas perguntas, o que para a defesa reforça a diferença de postura.
A questão da imparcialidade do juiz foi amplamente discutida, com especialistas em direito criminal divergindo em suas interpretações. Marina Coelho Araújo, criminalista e professora do Insper, deu razão à defesa de Heleno. Para ela, o sistema penal acusatório brasileiro exige que o juiz mantenha equidistância das partes, não participando da produção de provas. “O juiz tem que ficar equidistante das partes. Quem tem que produzir a prova da acusação é a acusação, quem tem que produzir a prova da defesa é a defesa, para que o juiz mantenha essa imparcialidade”, afirmou Araújo, concordando que a conduta de Moraes pode ter ultrapassado os limites do permitido em um sistema acusatório.
Por outro lado, Juliana Bertholdi, advogada criminalista e professora de pós-graduação na PUC do Paraná, reconhece que o sistema penal brasileiro preza pelo afastamento do juiz em relação às partes. Contudo, Bertholdi pontua que o Código de Processo Penal, datado da década de 1940 e anterior à Constituição de 1988, estabelece que o juiz deve iniciar os interrogatórios. “Fato é que a estrutura do interrogatório é com o início de perguntas realizadas pelo magistrado, de sorte que esse fato por si não me chama a atenção, não me parece ser um argumento suficiente para colocar em xeque esta posição do julgador”, considerou, trazendo um contraponto à tese de nulidade.
Réus Buscam Distanciamento Estratégico do Ex-Presidente
Um outro aspecto crucial do segundo dia do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro foi a notável estratégia de algumas defesas em tentar afastar seus clientes da atuação direta do ex-presidente e, por consequência, das acusações de envolvimento na alegada trama golpista.
O advogado Andrew Fernandes Farias, defensor do ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, argumentou pela inocência de seu cliente, enfatizando que Nogueira teria “atuado ativamente” para “demover [Bolsonaro] de adotar qualquer medida de exceção”. A ministra Cármen Lúcia, buscando esclarecimentos, questionou o advogado sobre as “medidas de exceção” em questão, ao que ele reiterou a proatividade de Nogueira em desaconselhar tais ações.
De maneira similar, a defesa do general Augusto Heleno, representada por Matheus Milanez, buscou construir uma narrativa de distanciamento entre seu cliente e Bolsonaro ao longo do governo. Milanez citou como prova um trecho da agenda de Heleno, apreendida durante as investigações, na qual o general registrou ter aconselhado Bolsonaro a se vacinar contra a Covid-19.
Para o advogado, este detalhe contradiria a tese da acusação de que Heleno era um dos principais influenciadores e conselheiros do então presidente. Adicionalmente, a defesa argumentou que o general perdeu espaço no governo Bolsonaro após a aproximação do ex-presidente com os partidos de centro do Congresso Nacional. Essa alegada perda de influência e afastamento político, para Milanez, provaria que Heleno não esteve envolvido em qualquer conspiração golpista, buscando assim proteger a imagem de seu cliente das acusações mais graves.
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O Veredito Se Aproxima: Próximas Etapas no STF
Após a conclusão da fase inicial do julgamento, que contou com a leitura do relatório pelo ministro Moraes no dia anterior, além das manifestações da PGR e das outras quatro defesas (Mauro Cid, Alexandre Ramagem, Anderson Torres e Almir Garnier Santos), o processo agora se encaminha para a fase de votação. O julgamento será retomado na próxima terça-feira (9/9), com a ordem dos votos já definida. Os ministros a proferirem seus vereditos serão Alexandre de Moraes, seguido por Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. As expectativas são altas para os próximos passos desta complexa e delicada análise jurídica no mais alto tribunal do país.
As estratégias de defesa observadas no segundo dia do julgamento no STF evidenciam uma clara divisão de abordagens: uma buscando contestar a validade das provas e a conduta do relator, enquanto outras se concentram em afastar os réus da esfera de influência direta do ex-presidente. Este cenário estabelece as bases para os próximos desdobramentos, com os votos dos ministros em pauta para a semana seguinte.
Fonte: BBC News Brasil

Imagem: bbc.com
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