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Adolescentes e crianças menores de 18 anos em Franca, interior de São Paulo, foram novamente autorizados a frequentar o único shopping da cidade desacompanhados de pais ou responsáveis legais. A decisão, proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), acatou um recurso da Defensoria Pública, revertendo uma liminar anterior que impedia o acesso de menores desacompanhados ao estabelecimento comercial.
A medida judicial restabelece a liberdade de circulação para o público infanto-juvenil no centro de compras, um ponto de encontro e lazer para muitos jovens na região. A proibição anterior havia gerado debates sobre os direitos de ir e vir de adolescentes e a responsabilidade dos estabelecimentos comerciais.
Contexto da Proibição Anterior
A liminar que impedia a entrada de menores desacompanhados no shopping de Franca havia sido concedida em um período de intensos debates e preocupações relacionadas aos chamados “rolezinhos”. Esses encontros, organizados principalmente por meio de redes sociais, reuniam grandes grupos de jovens em shoppings centers de diversas cidades brasileiras, incluindo São Paulo e outras localidades do interior.
As administrações dos shoppings, em muitos casos, alegavam preocupações com a segurança, a ordem pública e a integridade do patrimônio, o que levou a pedidos de medidas judiciais restritivas. Em Franca, a proibição visava, segundo os argumentos apresentados na época, prevenir aglomerações e possíveis tumultos, embora a Defensoria Pública e outros setores da sociedade questionassem a generalização da medida.
A decisão inicial, portanto, inseria-se em um cenário mais amplo de tentativas de controle sobre a circulação de jovens em espaços privados de uso público, como os shoppings, que se tornaram palcos de manifestações sociais e culturais por parte da juventude.
O Fenômeno dos “Rolezinhos” e o Debate Social
Os “rolezinhos” surgiram como um fenômeno social e cultural no Brasil, especialmente a partir de 2013. Caracterizavam-se por encontros massivos de jovens, predominantemente de periferias, em shoppings centers. Esses eventos eram organizados de forma espontânea ou semi-organizada, utilizando plataformas digitais para a convocação.
Para os participantes, os “rolezinhos” representavam uma forma de lazer, socialização e ocupação de espaços que, muitas vezes, não eram percebidos como acessíveis ou acolhedores para eles. Era uma oportunidade de se reunir, ouvir música, dançar e interagir em um ambiente climatizado e com infraestrutura, diferente das opções de lazer disponíveis em suas comunidades.
No entanto, a chegada de centenas ou milhares de jovens simultaneamente gerava reações diversas. Administrações de shoppings e parte da opinião pública expressavam preocupações com a segurança, o barulho excessivo, a superlotação e, em alguns casos, pequenos incidentes ou furtos que eram associados aos eventos. Essas preocupações levaram a medidas de segurança reforçadas, como o fechamento de portas, a contratação de seguranças adicionais e, em diversas ocasiões, a busca por intervenções judiciais para proibir ou controlar a entrada desses grupos.
O debate público em torno dos “rolezinhos” rapidamente se polarizou, envolvendo discussões sobre preconceito social, direito à cidade, liberdade de expressão, acesso a espaços de consumo e lazer, e o papel da juventude na sociedade contemporânea. A questão central era se a proibição de entrada de menores desacompanhados ou de grupos específicos configurava uma medida legítima de segurança ou uma forma de discriminação social.
Atuação da Defensoria Pública de São Paulo
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo desempenhou um papel fundamental na contestação da liminar em Franca. A instituição, que tem como missão a defesa dos direitos de pessoas em situação de vulnerabilidade, argumentou que a proibição generalizada de entrada de menores desacompanhados violava princípios fundamentais do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Constituição Federal.
Entre os argumentos apresentados pela Defensoria, destacavam-se:
- Direito à Liberdade e Convivência Familiar e Comunitária: O ECA assegura à criança e ao adolescente o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, incluindo o direito de ir e vir, de participar da vida familiar e comunitária sem discriminação. A proibição indiscriminada de acesso a um espaço público de lazer e convivência seria uma restrição desproporcional a esses direitos.
- Presunção de Inocência: A medida impunha uma restrição a todos os menores de 18 anos, tratando-os como potenciais infratores, sem qualquer indício individualizado de conduta inadequada. A Defensoria argumentou que a responsabilidade por atos ilícitos é individual e não pode ser estendida a um grupo etário inteiro.
- Função Social do Shopping: Embora sejam propriedades privadas, os shoppings centers são espaços de uso público, com grande circulação de pessoas e que oferecem serviços essenciais e de lazer. A restrição de acesso a um grupo específico, sem justificativa legal clara, poderia configurar discriminação.
- Ausência de Prova de Risco Generalizado: A Defensoria questionou a falta de evidências concretas que justificassem uma medida tão ampla, que afetava a totalidade dos adolescentes e crianças da cidade.
A atuação da Defensoria Pública visava garantir que as medidas de segurança fossem aplicadas de forma individualizada e proporcional, sem cercear direitos fundamentais de uma parcela da população.
Fundamentação do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP)
Ao acatar o recurso da Defensoria Pública, o Tribunal de Justiça de São Paulo analisou os argumentos apresentados e reverteu a liminar. A decisão do TJ-SP baseou-se na interpretação da legislação vigente, especialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), e em princípios constitucionais.
Os magistrados do TJ-SP consideraram que a proibição generalizada de entrada de menores desacompanhados em um shopping center não encontrava respaldo legal. O ECA estabelece que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
A decisão do TJ-SP reforçou a ideia de que a restrição de direitos de crianças e adolescentes deve ser excepcional e baseada em situações concretas de risco ou violação da lei, e não em uma presunção de perigo associada à idade. A corte entendeu que a medida anterior era desproporcional e violava o direito de ir e vir, bem como o direito à convivência social e ao lazer dos jovens.
O Tribunal também ponderou que, embora os shoppings sejam propriedades privadas, eles desempenham uma função social relevante como espaços de convivência e lazer, e que a restrição de acesso deve ser feita com base em critérios objetivos e não discriminatórios. A decisão, portanto, alinhou-se a um entendimento mais amplo de proteção dos direitos da infância e juventude no contexto de espaços públicos e privados de uso coletivo.
Implicações Legais e Sociais da Sentença
A decisão do TJ-SP em Franca possui implicações significativas tanto no âmbito legal quanto social. Legalmente, ela reforça a interpretação de que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) deve ser aplicado de forma a garantir os direitos fundamentais dos jovens, incluindo a liberdade de circulação e o acesso a espaços de lazer, sem discriminação baseada apenas na idade ou em preconceitos sociais.
A sentença serve como um precedente importante, indicando que medidas restritivas generalizadas contra menores em shoppings ou outros espaços públicos de uso coletivo são, em princípio, ilegais e desproporcionais. Ela sublinha que a responsabilidade por atos ilícitos é individual e que a prevenção de problemas deve ser feita por meio de ações de segurança direcionadas e não por proibições amplas que afetam a maioria dos jovens que não representam risco.
Socialmente, a decisão contribui para a desconstrução de estigmas associados à juventude, especialmente àquela proveniente de camadas sociais menos favorecidas. Ao permitir que adolescentes frequentem o shopping desacompanhados, a justiça reconhece sua autonomia e o direito de ocupar espaços públicos de lazer, promovendo a inclusão e a igualdade de acesso.
Para os shoppings, a decisão reitera a necessidade de buscar soluções de segurança que não violem direitos fundamentais. Isso pode incluir o aprimoramento de sistemas de monitoramento, a presença de equipes de segurança treinadas para lidar com situações diversas e a promoção de um ambiente acolhedor para todos os públicos, sem recorrer a medidas discriminatórias.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) é o principal marco legal que regulamenta os direitos e deveres de crianças e adolescentes no Brasil. Ele estabelece que crianças (até 12 anos incompletos) e adolescentes (entre 12 e 18 anos) são sujeitos de direitos, gozando de todas as garantias fundamentais inerentes à pessoa humana.
O ECA assegura, entre outros, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. O artigo 15 do Estatuto, por exemplo, afirma que “a criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis”.
A liberdade, conforme o ECA, compreende diversos aspectos, incluindo o direito de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais. A interpretação do TJ-SP no caso de Franca alinha-se a essa perspectiva, entendendo que a restrição de acesso a um shopping, que funciona como um espaço comunitário e de lazer, deve ser excepcional e justificada por critérios muito específicos, e não por uma proibição generalizada baseada na idade.
O Estatuto também impõe à família, à comunidade, à sociedade em geral e ao poder público o dever de assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Repercussões Locais e Nacionais
A decisão judicial em Franca reflete um padrão de decisões que ocorreram em outras localidades do Brasil durante o período dos “rolezinhos”. Em diversos estados, a Defensoria Pública e outras entidades de defesa dos direitos humanos atuaram para contestar proibições semelhantes, argumentando a inconstitucionalidade e a ilegalidade de medidas que cerceavam a liberdade de jovens.
Embora cada caso tivesse suas particularidades, a tônica geral das decisões judiciais tem sido a de proteger os direitos de crianças e adolescentes, garantindo seu acesso a espaços públicos e privados de uso coletivo, desde que não haja conduta individual que justifique restrição. A jurisprudência que se formou a partir desses casos reforça a importância de se buscar um equilíbrio entre a segurança e a garantia de direitos fundamentais.
Para a cidade de Franca, a decisão significa o retorno à normalidade no acesso ao seu principal centro de compras para os jovens, permitindo que o shopping continue a cumprir sua função de espaço de lazer e convivência para toda a população, incluindo os menores de 18 anos desacompanhados.
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